Ação dos seguranças foi realizada de forma vexatória
A 2ª Vara do Juizado Especial Cível – Vergueiro – Foro Central condenou a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) a indenizar uma pessoa que foi revistada de forma vexatória por seguranças.
O valor indenizatório a título de danos morais foi arbitrado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). De acordo com os autos, a parte autora foi acusada por outra pessoa, nas dependências da estação de metrô, de furto que teria ocorrido em via pública, fora daquele local. Os seguranças da Companhia Metropolitano de São Paulo (Metrô), então, revistaram a parte demandante da ação diante de outras pessoas, e nada acharam.
Ao proferir a decisão, o juiz Fábio In Suk Chang esclareceu que, de acordo com o dispositivo legal, o corpo de segurança do Metrô deve colaborar com a polícia local para prevenir ou reprimir crimes ocorridos nas dependências do serviço de transporte metroviário, e não fora delas. Desta forma, o magistrado afastou a hipótese de continuidade delitiva sustentada pela Defesa da ré: “Não há falar em prevaricação justamente porque os seguranças do metrô não tinham o dever-poder de abordar a autora por fato ocorrido fora do metrô; a tese de continuidade delitiva não se sustenta, já que o suposto delito fora consumado na via pública – circunstância da qual estavam cientes os seguranças desde o início da abordagem”, escreveu o juiz.
O magistrado ressaltou, ainda, que os seguranças do Metrô revistaram a autora por insistência de terceiro que a apontou, agindo sem as devidas precauções para evitar prejuízos à imagem e honra da requerente. “E, de fato, todos os depoimentos colhidos em audiência foram concordes em declarar que a revista ou busca pessoal ocorreu à vista de todos e apenas em razão da insistência de terceiro que apontou – de forma injusta – a autora como a responsável pelo suposto furto, cuja própria ocorrência material é duvidosa, já que não foi confirmada perante a autoridade policial ou em juízo”, afirmou. “Portanto, é forçoso reconhecer que o metrô, por seus prepostos, agiu sem as cautelas necessárias, expondo a imagem e honra da autora de forma desnecessária e fora dos limites traçados no art. 4º da Lei n. 6.149, de 2 de dezembro de 1974.”
Cabe recurso da decisão.
Processo nº 1010674-11.2019.8.26.0016 – sentença (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça de São Paulo)
Inteiro teor:
Vistos.
Dispensado o relatório, fundamento e decido.
Dispõe o art. 4º da Lei n. 6.149, de 2 de dezembro de 1974 que: Art 4º O corpo de segurança do metrô colaborará com a Polícia local para manter a ordem pública, prevenir ou reprimir crimes e contravenções penais nas áreas do serviço de transporte metroviário. § 1º Em qualquer emergência ou ocorrência, o corpo de segurança deverá tomar imediatamente as providências necessárias a manutenção ou restabelecimento da normalidade do tráfego e da ordem nas dependências do metrô. § 2º Em caso de acidente, crime ou contravenção penal, o corpo de segurança do metrô adotará as providências previstas na Lei nº 5.970, de 11 de dezembro de 1973, independentemente da presença de autoridade ou agente policial, devendo ainda: I – Remover os feridos para pronto-socorro ou hospital; II – Prender em flagrante os autores dos crimes ou contravenções penais e apreender os instrumentos e os objetos que tiverem relação com o fato, entregando-os à autoridade policial competente; e III – Isolar o local para verificações e perícias, se possível e conveniente, sem a paralisação do tráfego.
Portanto, a atuação dos seguranças do metrô na prevenção e repressão de crimes conta com expresso amparo legal.
Todavia, no caso concreto, é forçoso reconhecer que houve excesso.
Em primeiro lugar, é incontroverso que nada de ilícito foi localizado na posse da autora.
Em segundo, tem-se que a revista foi causada pela acusação de terceiro que teria sido furtado fora das dependências do metrô.
Vê-se do depoimento de Gilberto, responsável pela abordagem, que os seguranças estavam plenamente cientes de que o suposto furto teria ocorrido fora do metrô, mas que, diante da “acusação” de terceiro, os agentes tinham que realizar a revista.
Sem razão, entretanto.
Isso porque, o art. 4º, “caput” da citada lei é claro ao dipor que “O corpo de segurança do metrô colaborará com a Polícia local para manter a ordem pública, prevenir ou reprimir crimes e contravenções penais nas áreas do serviço de transporte metroviário”.
Portanto, a segurança do metrô tem a atribuição legal de prevenir ou reprimir crimes ocorridos “nas áreas do serviço de transporte metroviário” e não fora das áreas de serviço, atuação típica dos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal.
Não se acolhe a alegação do réu de que “Se um crime ocorreu fora da estação, mas uma pessoa pede auxilio dentro da estação, não deve o Metrô agir? Tanto denunciante quanto denunciada estavam na estação. Em uma suposta continuidade delitiva. Deveria o Agente de Segurança prevaricar? A interpretação da atuação de quem faz as vezes de Autoridade Policial deve ser considerada de maneira restrita, mas não pode ser levada de maneira absurda” – fls. 64.
Não há falar em prevaricação justamente porque os seguranças do metrô não tinham o dever-poder de abordar a autora por fato ocorrido fora do metrô; a tese de continuidade delitiva não se sustenta, já que o suposto delito fora consumado na via pública – circunstância da qual estavam cientes os seguranças desde o início da abordagem.
O que se constata, em suma, é que o réu, por seus prepostos, encampou acusação infundada de terceiro, assumindo o risco de violar a intimidade da autora – o que de fato sucedeu – sobretudo pela opção de revista à frente de todos, sem a adoção das cautelas a fim de evitar a exposição vexatória da autora.
Com efeito, nada justificava a busca pessoal à vista de todos, sem as cautelas necessárias a fim evitar prejuízos à imagem e honra da autora.
E, de fato, todos os depoimentos colhidos em audiência foram concordes em declarar que a revista ou busca pessoal ocorreu à vista de todos e apenas em razão da insistência de terceiro que apontou – de forma injusta – a autora como a responsável pelo suposto furto (cuja própria ocorrência material é duvidosa, já que não foi confirmada perante a autoridade policial ou em juízo).
Portanto, é forçoso reconhecer que o metrô, por seus prepostos, agiu sem as cautelas necessárias, expondo a imagem e honra da autora de forma desnecessária e fora dos limites traçados no art. 4º da Lei n. 6.149, de 2 de dezembro de 1974.
É inegável a violação aos direitos da personalidade da parte (sentimentos de impotência e mágoa diante do injusto), aferidos a partir do próprio fato lesivo, dispensando prova específica do dano. “Por isso mesmo, não se há de ‘falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação do art. 334 do Código de Processo Civil’, até porque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ‘está consolidada no sentido de que na concepção moderna da reparação do dano moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto”. (2º TACSP, Apelação com revisão nº 651.502-0/7, Relator Celso Pimentel, citando o REsp. 23.575-DF, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 9/6/97: REsp. 86.271-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 10.11.97; REsp. 196.024MG, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 2.3.99).
Na fixação da indenização, entretanto, é preciso destacar a ausência de cunho racista (“racismo institucional” – fls. 06), já que os seguranças atuaram especificamente contra a autora porque foi apontada por terceiro como a autora do delito, sem imputar às amigas a coautoria ou participação.
Tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, estipula-se a indenização em R$ 5.000,00, suficiente para fins de reprovação e compensação próprios do instituto jurídico, lembrando que a indenização visa minimizar o prejuízo causado pela dor da vítima e punir o ofensor, evitando a reincidência do ato ilícito.
Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar o réu ao pagamento de R$ 5.000,00, por dano moral, atualizado pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça desde a presente data (Súmula 362 do STJ), com juros legais de 1% ao mês desde a citação (relação contratual).
Sem custas ou honorários. Observações: o valor do preparo, nos termos da Lei Estadual nº 11.608/2003 e nº 15.855/2015, poderá ser encontrado por meio de meros cálculos aritméticos, devendo ser calculado da seguinte forma: 1) na hipótese de condenação será de 1% do valor da causa, respeitado o valor mínimo de 5 UFESPs + 4% do valor da condenação, respeitado o valor mínimo de 5 UFESPs; 2) na hipótese de condenação ilíquida ou sendo inestimável o proveito econômico, ou ainda em caso de improcedência, será de 1% do valor da causa, respeitado o valor mínimo de 5 UFESPs + 4% do valor da causa, respeitado o valor mínimo de 5 UFESPs.
Publique-se e intimem-se.