A pandemia do COVID-19 impôs dificuldades ao cotidiano da advocacia brasileira e as consequências transcenderam o impacto sanitário haja vista que o reflexo do vírus ocasionou mudanças econômicas, sociais, laborais e, inclusive, à própria rotina dos escritórios e aos advogados autônomos.
A chegada e profusão da pandemia obrigou, tanto o governo federal, quanto os governos estaduais e municipais, a adotarem protocolos a fim de evitar a disseminação do vírus e a consequente superlotação dos hospitais. Dentre eles, destacamos o incentivo ao isolamento social, a redução das atividades presencias e, por muitas vezes, o impedimento expresso dos advogados e advogadas a abrirem seus escritórios normalmente.
Esta mesma pandemia desvelou inapelavelmente as dificuldades dos advogados que não possuíam internet ou quiçá computadores. Até o fechamento compulsório das salas dos advogados era comum a utilização das mesmas para a produção de peças processuais e o protocolo destas, portanto, as limitações técnicas de parcela de nossa classe eram contornadas graças ao espaço fornecido e garantido àqueles causídicos menos favorecidos. Porém, com o fechamento dessas, muitos advogados se viram em dificuldades para cumprirem seus prazos.
Prazos aliás que foram suspensos em março de 2020, tanto para os processos físicos quanto para os digitais. Em 4 de maio de 2020 a justiça retomou seu curso e os prazos digitais voltaram a tramitar, já os processos físicos tiveram destino diverso, porque parte deles continuou suspenso e outra parte o Judiciário motivou as partes a digitalizar o mesmo sob pena de extinção e arquivamento. Sobre o tema, o Conselho Nacional de Justiça decidiu, em setembro de 2020, que o ônus da digitalização recairia sobre o Judiciário, contudo, ainda hoje, existem varas que impõe a digitalização às partes.
Ainda sobre a pandemia a classe foi obrigada a adotar as audiências virtuais, os júris online e o peticionamento eletrônico se uniformizou. Falar ou despachar com um juiz ou desembargador? Somente por e-mail. Todavia, para todos os requisitos eletrônicos há a necessidade de acesso à internet e, nem todos possuem computadores, tablets ou sequer a internet em si.
Sobre as dificuldades das advogadas e advogados em ter acesso à internet ou a um computador não se trata exatamente de uma exclusividade da classe uma vez que, segundo dados de 2019 do IBGE, ainda 12,6 milhões de domicílios não possuíam internet, mesmo com uma alta de 3,6% em relação ao ano anterior, o que perfaz a quantia de 46 milhões de pessoas sem internet no Brasil.
Os resultados de 2016 a 2019 mostraram sentido de declínio, ainda que lento, no número de domicílios em que havia microcomputador. No total de domicílios, aqueles em que havia microcomputador representavam 41,7%, em 2018, e 40,6%, em 2019. O tablet é menos comum nos domicílios que o computador. Nos domicílios do País, de 2018 para 2019, o percentual daqueles em que havia tablet passou 12,5% para 11,3%. O microcomputador é um equipamento mais caro que o tablet e a grande maioria dos domicílios em que havia tablet também tinha microcomputador.
Sobre a mesma pesquisa temos de destacar a utilização da internet para a terceira idade – acima de 60 anos – aumentou de 38,7% para 45%, como, segundo o mesmo IBGE, em 2019 tivemos 32,9 milhões de idosos no país, significa que apenas 14,8 milhões fizeram uso do serviço. E qual a percentagem de advogadas e advogados que precisam da internet, porém, não a dispõe? Eis o problema, porque o único censo da advocacia foi lançado em 2020 pela secional de São Paulo e, simplesmente, não fez qualquer indagação acerca da advocacia da terceira idade.
O Censo de 2020 teve dez perguntas, das quais sete são obrigatórias e três são facultativas, todavia, não há uma única e singela pergunta acerca dos efeitos da pandemia para os advogados e advogadas da terceira idade, se há problemas de acesso digital, se há computadores ou acesso à internet. Sendo assim, a principal pergunta é: será que a classe da advocacia bandeirante acima de 60 anos não enfrentou ou enfrenta diuturnamente problemas consequenciais relacionados à pandemia do COVID-19?
Aliás, para os idosos que obtém sua carteira da ordem acima dos sessenta anos são, concomitantemente, jovens advogados e pessoas idosas, logo, estão com duplas dificuldades de jornada: o ingresso no universo jurídico como jovem advogado e os problemas advindos com a pandemia.
O Censo não apurou quantos advogados passam por dificuldades econômicas, acesso digital aos prazos, os problemas de acesso aos escritórios, ou a ausência de internet capaz dentro dos domicílios, além do isolamento dos idosos para preservar a própria vida, sem que tivessem treinamento adequado para realizar audiências por videoconferência, sustentações orais e, inclusive, o peticionamento eletrônico.
Não houve qualquer incentivo da secional paulista em orientar os advogados idosos e os adaptar à realidade das restrições impostas pela pandemia. E, dentro dos quadros dos inscritos os advogados e advogadas idosas no Estado de São Paulo perfazem a percentagem de 20% do total dos inscritos. Será que não haveria a possibilidade de disponibilizar na Escola Superior da Advocacia os cursos capacitantes para a advocacia da terceira idade?
A pergunta inconteste é: o quanto a advocacia da terceira idade foi protegida, atendida e capacitada pelo seu órgão de classe? A verdade é que a advocacia bandeirante carece de auxílio, capacitação e, acima de tudo, representatividade. O primeiro e essencial passo é entender as necessidades e carências da classe de acordo com a faixa etária e, posteriormente, como adequar as demandas ao que pode ser fornecido, por exemplo, à advocacia da terceira idade que deveria ter uma isenção total para pessoas acima de 70 anos ou com 30 anos de contribuição, mas, por motivos não uníssonos não há uma aplicação em todas as secionais, inclusive São Paulo, que cobra regiamente de seus inscritos.
O Advogado idoso teve seus rendimentos reduzidos por conta do isolamento compulsório, a impossibilidade de laborar presencialmente, as dificuldades de se adaptar ao mundo digital, os prazos, as videoconferências, porém, algo se manteve inalterado: o valor da anuidade, será que não caberia uma revisão? Um incentivo necessário por parte da secional? Falta sensibilidade, um olhar sensível para este período excepcional com medidas reais para o momento pandêmico, o que não pode prosseguir é o descaso como se nada houvesse acontecido.
E por fim, a questão do voto presencial, a secional paulista insiste na votação presencial para as próximas eleições, e ao fazê-lo coloca nossos idosos em risco, mesmo para os vacinados ainda há claro e iminente risco de infecção, será que a votação online não deveria ser uma medida sanitária urgente para a própria secional bandeirante? Que nossa advocacia da terceira idade seja valorizada e respeitada como merece em reflexo a sua história e conquista ao longo do tempo. Que a casa da democracia e dos direitos humanos volte a valorizar a seus próprios membros, a advocacia agradece.