Incidente de resolução de demandas repetitivas nos Juizados Especiais

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Incidente de resolução de demandas repetitivas nos Juizados Especiais | Juristas
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É fato que o volume da litigância judicial, seja individual ou coletiva é fator que assola o serviço público da justiça no Brasil.

Em dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ encontram-se espalhados pelos foros brasileiros mais de 100 milhões de processos em andamento,1 o que, de certo, desafia qualquer racionalidade para fins de melhora em um curto espaço de tempo, da prestação jurisdicional pátria em uma duração razoável e satisfatória.

Não obstante a isso, o CPC/2015, objetivando racionalizar o processamento de julgamento de demandas tidas como repetitivas que se apresentam no âmbito do Judiciário pátrio, regulou o denominado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR (arts.976-987), estendendo o resultado e respeito no que se refere ao seu julgamento também aos Juizados Especiais, senão vejamos:

Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

(…).

A instauração do IRDR se dará nas esferas dos Tribunais de Justiça Estaduais e nos Tribunais Regionais Federais, e isso é fator de relevância na análise de seu cabimento em sede dos Juizados Especiais, pois que cediço é que os juízes que o compõem não se submetem em hierarquia jurisdicional aos TJ’s e/ou TRF’s, mas à sua própria Turma Recursal. Aliás, tal entendimento se faz lastro na Súmula n.376 do Superior Tribunal de Justiça:

“Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.”

Não obstante isso, o mesmo STJ possui entendimento de que cabe ao Tribunal Estadual ou ao Tribunal Regional Federal processar e julgar Mandado de Segurança contra ato praticado pelo Juizado Especial com vistas a controlar sua competência.2

Em verdade, ainda que haja conteúdos vacilantes em sede doutrinária jurisdicional quanto à submissão hierárquica dos juízes dos Juizados ao Tribunal de Justiça Estadual ou Regional Federal respectivo, dúvidas não há quanto ao necessário respeito à racionalidade de decisões tidas em âmbito de matéria de direito repetitivas. Soa a própria lógica de um sistema que busca a segurança jurídica e previsibilidade das decisões, o que, de certo, estabiliza o próprio ordenamento jurídico vinculado à sua interpretação normativa e daí, o próprio tecido social à ele submetido.

Nestes termos, entendemos a vinculação do Microssistema dos Juizados Especiais às decisões em sede de IRDR julgadas pelos Tribunais de Justiça Estaduais (Juizados Especiais Estaduais e da Fazenda Pública) e Regionais Federais (Juizados Especiais Federais).

As grandes questões surgem quando encontramos (i) decisões díspares entre os próprios órgãos dos Juizados bem como (ii) entre estes e as decisões dos Tribunais Estaduais e/ou Regionais Federais e aí, em sede de IRDR.

Quanto à primeira problemática, cediço é que no âmbito dos Juizados Especiais Federais, o conflito de decisões neste ambiente se dá por meio do pedido de uniformização de jurisprudência, ex vi da Lei n.10.259/2001:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.

§ 2º O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

Já, com relação aos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, a questão do conflito entre seus julgados foi prevista pela Lei n.12.153/2009 nos seguintes termos:

Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.

§ 1o O pedido fundado em divergência entre Turmas do mesmo Estado será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência de desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça.

§ 2o No caso do § 1o, a reunião de juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita por meio eletrônico.

§ 3o Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.

Art. 19. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1o do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Nota-se que quanto aos Juizados Especiais Estaduais, a Lei n.9.099/95 não disciplinou qualquer previsão acerca do pedido de uniformização de jurisprudência decorrente desta justiça especial, o que se faria entender a aplicação por analogia do modelo previsto na Lei n.12.153/2009 retro referido, tudo em nome do reconhecimento de um microssistema dos Juizados Especiais, conforme dita o art. 1º, parágrafo único desta Lei.3

No entanto, não é isso que se observa, em geral, na vida forense, seja pelo não reconhecimento pragmático estimulador de dito procedimento ou mesmo pela ausência de regramento legal.

Alguns tribunais têm levado em seus regimentos internos – e o que pensamos, acertadamente – a disciplina quanto à composição de uniformização de jurisprudência em sede de Juizados Especiais Estaduais, como por exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao prever em seu RI, o seguinte:

Art. 11. Os órgãos do Tribunal de Justiça funcionam com o seguinte quórum mínimo e periodicidade:

(…)

VII – a Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais, sempre que convocada por seu presidente, com quatro quintos de sua composição;

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, de lei ou deste regimento, as decisões serão tomadas:

I – por maioria absoluta:

(…)

c) o pedido de uniformização de jurisprudência dos juizados especiais; (Redação dada pela Emenda Regimental n° 6, de 2016). (Grifo nosso).

Com relação à outra questão tida como relevante se dá na eventual discrepância entre as decisões dos Juizados Especiais, quer Estaduais, Federais ou da Fazenda Pública para com as decisões dos Tribunais Estaduais e/ou Regionais Federais em sede de acórdão proferido em IRDR. Neste caso, a solução será outra.

Nisso, não sendo seguido pelos Juizados o acórdão proferido em IRDR pelo TJ ou TRF, caberá, certeiramente, a Ação de Reclamação para o respectivo tribunal, conforme bem disciplina o art. 988, II do CPC/2015, favorecendo assim o respeito e a uniformidade das decisões, fortalecendo a previsibilidade racional e integridade do próprio sistema normativo.

Antônio Pereira Gaio Júnior
Antônio Pereira Gaio Júnior
Pós-Doutor em Direito (Universidade de Coimbra/PT). Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos (Ius Gentium Conimbrigae/ Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-PT). Doutor em Direito (UGF). Mestre em Direito (UGF). Pós-Graduado em Direito Processual (UGF). Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual - IIDP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Membro da International Bar Association – IBA. Membro da Associação de Direito e Economia Europeia – ADEE. Membro Efetivo da Comissão Permanente de Direito Processual Civil do IAB-Nacional. Advogado, Consultor Jurídico e Parecerista.

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