O debate acerca da regulação das mídias sociais busca entender e combater um fenômeno da era digital, qual seja: a propagação de informações falsas. Essa propagação se dá por desconhecimento da verdade ou, ainda, e de forma mais alarmante, pela conduta intencional de transmitir a informação que sabidamente está errada.
No Brasil, o debate ganhou destaque após a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, à época, determinou a suspensão do serviço do Telegram sob o argumento de que os provedores devem cooperar com o Poder Judiciário. Mais recentemente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou acordo com o WhatsApp para o combate à desinformação, em especial em razão da proximidade das eleições.
Como ambos os casos demonstram, o Estado tem se debruçado na busca por formas de regulação das mídias sociais, sendo que o foco é o enfrentamento da desinformação, que tem um componente técnico que funciona de forma diferente de uma mentira pura e simples. Afinal, não há necessidade de se acreditar na mentira para disseminar a desinformação, basta que ela produza engajamento digital para mobilizar as pessoas.
Todo e qualquer lugar em que exista interação requer moderação. Sob essa ótica e em cumprimento do regime de responsabilidade, as plataformas poderiam ser responsabilizadas pelos conteúdos postados por seus usuários e responder financeiramente pelos conteúdos, além de se responsabilizarem pela sua regulação.
Os principais incentivos para as plataformas cumprirem sua função com rigor é a prevenção de bloqueios. A Organização das Nações Unidas (ONU), inclusive, entende que o formato adotado pelo Brasil, com base no Artigo 19 do Marco Civil da Internet, é o mais conveniente, pois toda a responsabilidade não pode ficar na mão de um ente privado, a plataforma, uma vez que o Poder Judiciário é quem deve decidir sobre liberdade de expressão.
O Artigo 19 do MCI, no entanto, não consegue englobar todas as possibilidades. E, em um contexto de políticas públicas complexas, o Poder Judiciário não tem capacidade técnica para decidir.
Há, portanto, alguns problemas já identificados: (1) a capacidade institucional se complica na medida em que o conhecimento técnico adequado não é prioridade do Judiciário; (2) existe uma natural seleção de casos, pois, pela dificuldade de acesso ao Poder Judiciário, muitos dos problemas nem sequer são levados ao conhecimento do juiz; (3) as regras privadas de regulação não conseguem identificar o que é legal do que é ilegal – ou, ao menos, inibem essa identificação.
O combate à desinformação está dentro desse contexto. Mas, então, como regular? Um caminho, frequentemente adotado, é procurar o usuário que publicou a inverdade. Trata-se de uma opção ineficiente, em especial quando se está diante de uma divulgação em massa de notícias falsas. O melhor é se atentar ao modelo de negócio das plataformas e garantir que este não estimule a desinformação.
O modelo de negócio das plataformas consiste em, a partir dos dados pessoais dos usuários, criar perfis detalhados e oferecer uma experiência customizada. Cada usuário tem uma experiência única e o seu interesse conduz suas próximas experiências. Aquilo que captura a sua atenção acarreta novas reações algorítmicas a fim de que novas informações e, também, desinformações, sejam direcionadas àquele titular de dados.
É preciso, portanto, agir para que o modelo de negócio das plataformas não favoreça a disseminação de desinformação. Imputar às empresas regimes de responsabilidade e exigir mais transparência e respeito ao devido processo legal. O modelo de negócio, enfim, deve ser responsável por essência, para evitar tudo que for nocivo na rede, não só a desinformação.
Dentre as propostas já existentes para a regulação, destaco o Projeto de Lei 2630/20 que visa o combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, que trabalham a monetização de dados, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram.
O Projeto de Lei recebeu muitas críticas: o governo ataca a possibilidade de uma remoção de conteúdos compartilhados em massa; as empresas de tecnologia, por sua vez, criticam as interferências em seus modelos de negócios, na medida em que o PL 2630/20 pretende dificultar o uso de dados para publicidade, por exemplo; a sociedade civil mostra preocupação com a extensão das imunidades parlamentares para as redes sociais e, também, sobre a possibilidade de remuneração de conteúdos jornalísticos gerados na rede mundial de computadores.
O projeto de lei propõe a criação de um conselho que atuará para a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet.
É bom perceber que no Brasil repercutem os debates globais em diversas estruturas, que se apoiam no Marco Civil da Internet, uma legislação de vanguarda. O debate sobre desinformação ganhou amplitude e, aos poucos, se volta cada vez mais para a estrutura (plataforma) e não para os indivíduos.
Reitero, porém, que é preciso contrapor as propostas com direitos fundamentais, de forma a não impedir o modelo de negócios ou inviabilizar a livre iniciativa e a ordem econômica, mas sim limitar a atuação das redes sociais e daqueles que se utilizam delas para impulsionamento sem identificação da natureza publicitária do conteúdo e seu direcionamento injustificado. Propostas que não enfrentarem o poder das plataformas, dificilmente, serão bem-sucedidas no combate à desinformação em massa.
Rafael Rotundo é advogado do Luz Moreira Advogados e membro da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP.
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