Trinta anos após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, no mais longo período de estabilidade democrática de nossa história, descortina-se uma nova visão de Administração Pública, pautada na consensualidade, na participação dos cidadãos na tomada de decisões administrativas e no aprimoramento do combate à corrupção, sonegação e fraudes.
Foi com o advento da Constituição de 1988 que a representação judicial e a extrajudicial, bem como a consultoria jurídica e o assessoramento jurídico da União, Estados Distrito Federal e Municípios sofreram uma guinada institucional com a inclusão da Advocacia Pública no capítulo destinado às funções essenciais à justiça, deslocando-a das tradicionais funções estatais – legislativa, executiva e judiciária – atribuindo-lhe, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública, parcela do poder que emana do povo, com a finalidade de também garantir o bem comum.
No controle do agir administrativo, merecem efusivos aplausos o papel desempenhado pelo Ministério Público, Tribunais de Contas e outros órgãos de controle externo. No entanto, medidas repressivas, noticiadas diariamente pelos meios de comunicação, são insuficientes e chegam quando a “porta já foi arrombada”, punindo parcela mínima dos ilícitos cometidos, quando já lesados o patrimônio público e os próprios administrados. A Controladoria Geral da União alerta que, dos casos identificados, de cada R$ 1,00 desviado, apenas R$ 0,15 são recuperados.
Por outro lado, a sonegação fiscal causa prejuízos muitas vezes superiores aos decorrentes da corrupção. Estima-se que a evasão tributária é da ordem de 8% do Produto Interno Bruto (PIB).
A par do controle externo do agir administrativo, tem-se o controle interno de juridicidade, atividade típica e exclusiva dos advogados públicos, instrumentalizada no âmbito consultivo e contencioso, judicial ou administrativo. São os advogados públicos, que detém a prerrogativa de informar a Administração Pública a respeito da ilegalidade de seus atos, recomendar sua não realização, a revisão de sua postura administrativa e anulação de seus feitos. A compreensão desse papel institucional tem força para gerar uma Advocacia Pública proativa e comprometida com a resolução de controvérsias, munida de força para contribuir para viabilização de políticas públicas dotadas de eficiência e juridicidade.
Da mesma forma, uma atuação proativa e interinstitucional é requisito essencial para identificação de grandes sonegadores, única forma de enfrentar a fraude fiscal estruturada e recuperar parte do dinheiro público sonegado.
No entanto, no caso do Estado de São Paulo, o mais rico da federação, essa função estratégica desempenhada pela Advocacia Pública, de canalizar a comunicação entre o sistema jurídico e as decisões políticas, resta prejudicada ante a falta de estrutura e pessoal.
Dos atuais 1.203 cargos de Procurador do Estado de São Paulo, 429 estão vagos. Não há quadro de apoio técnico às atividades processuais ou extraprocessuais dos Procuradores, apenas estagiários e em número insuficiente. Dos cerca de 600 servidores administrativos (menos de um servidor por Procurador), ocupantes de cargos de nível médio ou fundamental, a maioria está em funções destinadas à manutenção da própria instituição, como em sessões de compras, licitação, recursos humanos ou no atendimento ao público.
No último ano foi realizado um concurso público para Procuradores do Estado de São Paulo. Mais de 13 mil inscritos para 100 vagas. O concurso foi homologado em dezembro de 2018 e há 206 aprovados esperando a nomeação, profissionais de excelência, prontos para atuar em prol da população paulista. A última nomeação de um Procurador para o Estado de São Paulo ocorreu em 2013, há quase seis anos e, desde então, mais de duzentos procuradores deixaram os quadros da instituição, em razão de aposentadorias, falecimentos e exonerações.
A deficiente estrutura do órgão de advocacia pública paulista põe em risco a defesa do Estado em juízo, pois são os Procuradores do Estado os únicos responsáveis pela representação do Poder Público nas mais de um milhão de execuções fiscais em andamento, responsáveis pela cobrança de mais de R$ 300 bilhões de reais. São também os responsáveis pela defesa do interesse público nos mais de 850 mil processos que envolvem as mais diversas matérias, como ações trabalhistas, imobiliárias, ambientais, indenizatórias e de servidores públicos. E ainda atuam em todas as Secretarias de Estado e nas autarquias produzindo pareceres que ajudam a mover a engrenagem da máquina estatal.
Mesmo com a precária estrutura, a Procuradoria do Estado se sobressai pela sua eficiência. Mais de R$ 18 bilhões inscritos em dívida ativa retornaram aos cofres públicos nos últimos cinco anos, permitindo investimentos em saúde, educação, segurança e transporte. Grandes operações de combate à fraude estrutura e à sonegação foram realizadas com sucesso pelo Grupo de Atuação Especial para Recuperação Fiscal (GAERFIS). Bilhões de reais foram e são economizados nas vitórias diariamente obtidas nos milhares de processos em andamento contra o Poder Público e mais de 15 mil pareceres jurídicos foram emitidos e permitiram que a realização de obras e serviços públicos ocorresse dentro da legalidade.
Mas a Procuradoria do Estado de São Paulo pode mais! Para tanto, necessário dotá-la de estrutura capaz de aprimorar sua interação com a concepção, formatação e desenvolvimento de políticas públicas. Aproveitar sua capilaridade, ou seja, sua presença em todas as Secretarias de Estado e sua visão sistêmica de toda administração para colaborar na correção de rumos e na elaboração de políticas mais efetivas e eficientes, com capacidade de prevenir litígios e recomendar soluções que vão ao encontro da juridicidade.
Uma Procuradoria do Estado com estrutura para fazer frente à excessiva litigiosidade de nossa sociedade e com capacidade para identificar e propor diretrizes e efetivar a consensualidade em casos que não colidam com o interesse público.
Uma Procuradoria com capacidade para identificar fraudes estruturadas e combater a sonegação que tanto prejuízo traz ao povo paulista. O valor total da dívida ativa estadual apenas dos 500 maiores devedores do Estado de São Paulo ultrapassa R$ 170 bilhões de reais.
É preciso que o governador João Dória se sensibilize da importância de uma Procuradoria forte e estruturada para o sucesso da sua gestão e para o garantia do interesse público. A nomeação dos 206 aprovados no último concurso para o cargo de Procurador do Estado é medida que se impõe, com urgência. O interesse público não pode esperar!
Autor
Fabrizio de Lima Pieroni é Procurador do Estado de São Paulo, Mestre em Direito pela PUC de SP e diretor financeiro da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP).