Tributação de combustíveis pela LC 192/2022: mudanças para os contribuintes e a ADI 7164

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Tributação de combustíveis pela LC 192/2022: mudanças para os contribuintes e a ADI 7164 | Juristas
Milton Schivitaro é advogado sênior da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Muito tem se falado sobre o aumento dos preços dos combustíveis. Entre as diversas causas apontadas como motivadoras do aumento relevante, a tributação ganhou destaque nos debates, especialmente em razão de discussões entre o Executivo Federal e os Estados, acusando e isentando respectivamente, o ICMS como um dos fatores para esse aumento de combustíveis.

Em meio a essa turbulência, o Presidente da República, já inclusive, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7164, pleiteando a suspensão dos efeitos da determinação do CONFAZ sobre a alíquota de ICMS sobre o óleo diesel A e o fator de equalização de carga.

A discussão que fundamentou a ADI teve início em março de 2022, quando foi sancionada a Lei Complementar 192/2022 que modifica a tributação dos combustíveis pelo ICMS, com a promessa de diminuição de preços. Uma das mudanças mais notáveis da nova lei é a alteração na alíquota: deverá ser uniforme em todo o país e, ao invés de um índice percentual, como geralmente vemos, passaria a ser um valor fixo por litro. O valor, conforme a Lei, deve ser definido mediante deliberação dos Estados.

Obedecendo à ordem legal, o CONFAZ ponderou sobre a nova alíquota de ICMS sobre Óleo Diesel A, chegando ao valor de R$1,006, através do Convênio ICMS 16/2022. Esse valor, entretanto, seria somente um teto, podendo os Estados concederem descontos de acordo com o fator de equalização de carga, que também foi determinado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária. Esse é o aspecto da lei que está em discussão no STF. A Lei Complementar 192/2022, além de prever as alterações já mencionadas, também zerou as alíquotas do PIS, da COFINS, do PIS-Importação e da COFINS-Importação sobre combustíveis até 31 de dezembro de 2022, garantindo às pessoas jurídicas da cadeia, incluído o adquirente final, a manutenção dos créditos vinculados. E, também, alterou a incidência do ICMS sobre combustíveis para a modalidade monofásica, ao invés da atual incidência plurifásica.

Tributação de combustíveis pela LC 192/2022: mudanças para os contribuintes e a ADI 7164 | Juristas
Vinicius Henrique Bastos é advogado júnior da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Inicialmente, para os contribuintes da cadeia que não são o produtor ou importador do combustível, a mudança pode não trazer grandes impactos práticos. Afinal, por conta da substituição tributária, esses agentes econômicos já não se viam como responsáveis pelo recolhimento do imposto, uma vez que ele era retido pelos primeiros agentes da cadeia comercial.

Como o fato gerador do ICMS é a saída dos combustíveis do estabelecimento produtor ou equiparado, ou o desembaraço aduaneiro, serão as indústrias e importadores que ficarão responsáveis pelo recolhimento do imposto. Também serão alcançados pela incidência aqueles que produzem combustíveis de forma residual, os formuladores de combustíveis por meio de mistura mecânica, as centrais petroquímicas e as bases das refinarias de petróleo.

Contudo, em uma análise mais aprofundada, essa semelhança tem pontos importantes de divergência. Isto porque, na substituição tributária, há previsão e presunção de um fato gerador futuro que foi meramente antecipado. Dessa forma, o primeiro contribuinte (produtor ou importador) recolhe o ICMS que seria devido em toda a cadeia produtiva, ou seja, o imposto devido por ele próprio e por todos os demais agentes comerciais.

Já na tributação monofásica, a incidência efetiva-se apenas uma vez, não cabendo a figura do ressarcimento, como vemos no caso da substituição tributária. Logo, dois pontos relevantes para os demais agentes da cadeia produtiva são a impossibilidade de pleitear o ressarcimento de eventual imposto recolhido a maior, mas também a inexistência de obrigação complementar quando recolhido a menor. Porém, é importante ressaltar que a substituição tributária no caso dos combustíveis não foi abandonada: a Lei Complementar 192/22, em seu art. 6º, §1º, inciso II, permitiu que fosse atribuído ao contribuinte do imposto a responsabilidade pela retenção e recolhimento antecipado do ICMS. O art. 7º, inclusive, determina que a base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária nas operações com diesel, até dia 31/12/2022, será a média móvel dos preços médios praticados ao consumidor final nos 60 meses anteriores à sua fixação.

Tributação de combustíveis pela LC 192/2022: mudanças para os contribuintes e a ADI 7164 | Juristas
Júlia Gontijo Abdo é trainee da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Além disso, outro importante questionamento que surge é: e o direito ao crédito do ICMS que incide sobre os combustíveis? A Lei Complementar foi omissa nesse aspecto, deixando margem para discussões. O debate sobre a possibilidade de creditamento de impostos em regime monofásico de tributação não é novo. Inclusive, o próprio Superior Tribunal de Justiça diverge nesse sentido, ao debater a possibilidade de tomada de crédito de PIS e COFINS quando da incidência monofásica: a Primeira Turma admite o creditamento no sistema monofásico, enquanto a Segunda Turma descarta essa possibilidade. Para pacificar, a 1ª Seção do STJ, no ano passado, proibiu a manutenção do crédito de PIS e COFINS na operação monofásica e existe margem para a aplicação análoga deste entendimento também ao caso do ICMS sobre combustíveis. Porém, enquanto não existir um pronunciamento oficial da Administração Pública, pode-se entender que a possibilidade segue em aberto.

Outra novidade da Lei é a determinação de qual Estado será beneficiado com o imposto estadual: nas operações com combustíveis derivados do petróleo, o ICMS será em favor do Estado onde ocorreu o consumo; nas operações interestaduais com combustíveis não derivados do petróleo, realizadas entre contribuintes, o imposto será dividido entre o Estado de origem e o de destino, mantendo a proporcionalidade das operações com as demais mercadorias; já nas operações interestaduais com combustíveis não derivados do petróleo destinadas a não contribuintes, o imposto caberá ao Estado de origem.

Além da alíquota única mencionada no início do artigo, importante ressaltar que a Lei Complementar também determina que após a primeira fixação de alíquota, o primeiro reajuste só pode acontecer depois de passados 12 meses; após a primeira alteração, as mudanças poderão ser feitas a cada 6 meses. Ainda, para que não haja ampliação desproporcional do preço dos combustíveis pela definição da alíquota, a LC 192/2022 também exige que sejam observadas pelos Governadores as estimativas de evolução do preço.

Seguindo essa última determinação da Lei Complementar e conforme mencionado anteriormente, os Secretários das Fazendas de todos os Estados e do Distrito Federal se reuniram para determinar qual seria o valor da alíquota única que incidiria sobre o óleo diesel. O Convênio ICMS 16/2022 trouxe o valor de R$ 1,0060 por litro de óleo diesel A S10 e R$ 0,9986 para outros óleos diesel A, além de uma outra figura: o fator de equalização de carga tributária. Com esse recurso, os Estados poderiam conceder descontos para o consumidor final de óleo diesel A, sendo que os dois valores de alíquota trazidos seriam o teto e não o valor aplicado de fato: quanto maior o fator de equalização, maior o desconto que o Estado poderia conceder. O fator de equalização aplicado seria o do Estado em que se localiza o destinatário do combustível.

Além disso, a regulamentação expedida pelo CONFAZ também criou, em sua cláusula quinta, uma nova exigência tributária. Foi determinado que nas operações interestaduais, o estabelecimento remetente do combustível deveria recolher a diferença do imposto nos casos em que o fator de equalização de carga tributária do Estado de destino fosse inferior ao do Estado de origem. Já nos casos em que o fator do Estado de destino fosse maior, o contribuinte remetente teria direito ao ressarcimento pelo seu fornecedor.

Porém, tanto o fator de equalização de cargas quanto o complemento/ressarcimento do imposto nas operações interestaduais foram fontes de embates e discussões. Isto porque, o Ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, deferiu o pedido de medida cautelar proposto pelo Presidente da República na ADI 7164 suspendendo os efeitos das cláusulas quarta, quinta e Anexo II do Convênio, que foram justamente os dispositivos que tratam desses temas.

O Presidente da República sustentou que os dispositivos mencionados desrespeitam a Constituição Federal: o fator de equalização de carga tributária teria criado a possibilidade de diferenciação das alíquotas dos Estados e DF, contrariando a uniformidade de alíquotas do ICMS-Combustíveis que determina o art. 155, §4º, IV, alínea “a” da CF/88; já a necessidade de complementação do imposto nas operações interestaduais desconstitui a natureza monofásica da incidência tributária determinada pelo art. 155, §2º, XII, alínea “h” da Constituição, além de ter inovado as situações em que há obrigação de recolhimento do ICMS, o que só poderia ser feito mediante lei complementar.

Adotando os argumentos propostos pelo Chefe do Executivo Federal, o Ministro do STF afastou os dispositivos do Convênio ICMS 16/2022, determinando urgência e prioridade na requisição de informações ao CONFAZ, bem como Congresso Nacional, dado a proximidade do início dos efeitos do Convênio. Após tentativas frustradas de conciliação proposta pelo Ministro entre Estados e União, foi determinado pela Corte Suprema que as alíquotas de ICMS sobre o diesel e demais combustíveis devem ser uniformes em todo o país. Diante desta decisão, o CONFAZ optou, no dia 22/06, por revogar completamente o Convênio ICMS 16/2022, sem fixar qualquer regra de transição. Até ser editada nova norma sobre o tema, o cálculo da alíquota de ICMS sobre o diesel e os demais combustíveis deve levar em conta a média de preço praticada nos últimos 60 meses.

Artigo por:
*Milton Schivitaro é advogado sênior da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

*Vinicius Henrique Bastos é advogado júnior da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

*Júlia Gontijo Abdo é trainee da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

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