A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3670/15, que altera o Código Civil, estabelecendo que os animais não são considerados coisas.
A ideia é promover uma mudança de paradigma em relação aos animais, alterando sua natureza jurídica. O texto do PL 3670/15 é bastante sucinto e passamos a transcrever:
“Art. 1o A Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
(…)
IV – os animais, salvo o disposto em lei especial.
Parágrafo único. Os animais não serão considerados coisas.” (NR)
Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:
(…)
II – apoderar-se de coisas suas, bem como de animais que aí se encontrem casualmente.
§ 2o Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas ou os animais buscados pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.”
O Projeto de Lei considera os animais ‘bens móveis’ e não mais ‘coisas’. Ora, os efeitos práticos dessas alterações são duvidosos. Não se nega que exista uma distinção conceitual entre ‘bem’ e ‘coisa’. Sílvio Rodrigues considerava coisa como gênero, da qual o bem seria espécie. Para ele, “coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem”. Os “bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico”.
Em alguns ordenamentos lusófonos, sequer há uma distinção terminológica entre bem e coisa nos Códigos Civis: o legislador deixou este trabalho para a doutrina. Não obstante divergências, grosso modo, podemos afirmar que a principal diferença está relacionada à utilidade patrimonial, econômica.
O legislador brasileiro segue uma tendência mundial. Animais não são mais considerados coisas nos ordenamentos austríaco, alemão, francês, suíço e português. O animal passou a ter um estatuto distinto de coisa, não provocando necessariamente o reconhecimento de sua personificação (se os animais fossem sujeitos de direitos eles não poderiam ser ao mesmo tempo objetos de direito, pelo quê deveriam ficar impedidos os negócios jurídicos a eles respeitantes).
Há muito o estatuto do “animal coisa” é fonte de dificuldades para os tribunais, cujas decisões refletem uma “não adaptação” à natureza específica do animal: certas decisões fazem estrita aplicação das regras do Código Civil sobre coisas móveis e outras têm em consideração a natureza de ser vivo do animal. O caráter apropriável do animal não o leva fatalmente a mantê-lo na categoria das coisas. A proteção do animal resulta de sua vida, que também é digna de respeito.
O relator do Projeto na Câmara, deputado Ricardo Triopoli (PSDB-SP), afirmou: “A proposição não acarreta, no entanto, qualquer risco à propriedade dos animais, visto que, para efeitos legais, continuam sendo bens móveis”.
Ficou aparente a preocupação em esclarecer que os animais continuam a ser objeto de propriedade e de transações econômicas.
Aparentemente, deixar de nominar os animais como coisas, mas continuar a aplicar o regime jurídico das coisas não altera sua natureza jurídica. Não são os nomes dados às realidades que as transformam juridicamente, mas o regime que lhes é dispensado.
O Projeto de Lei, do modo como está, somente troca ‘seis por meia dúzia’: deixar de classificar o animal como ‘coisa’ e classificá-lo como ‘bem’ representa um discurso politicamente correto, um apelo moral, destituído de efetividade jurídica prática.
Parece mais sensato classificar os animais como um tertium genus. A criação desta categoria reconheceria as particularidades do animal em relação às outras coisas e recordaria o dever de respeitá-los, sem dotá-los de personalidade jurídica. Portanto, haveria as pessoas, as coisas/bens e os animais. Essa quebra da dualidade pessoa/coisas(bens) é a solução mais criteriosa, na medida que implica definir um estatuto específico para o animal.
Portanto, sugerimos que o Livro II da Parte Geral do Código Civil brasileiro passe a ter dois Títulos: ‘Título I – Das diferentes classes de bens’ e Título II – Dos Animais’.
Disposições no seguinte sentido poderiam ser incluídas no Título II: “Os animais, seres sensíveis, são objeto de proteção jurídica em razão de sua natureza”; “os animais podem ser objeto de relações jurídicas”; “aos animais são aplicadas as disposições relativas às coisas apenas na medida em que não sejam incompatíveis com sua natureza”; “a proteção jurídica decorrente da natureza do animal opera por via de lei especial”.
As reformas legislativas com o fito de melhor tutelar o animal, tendo em vista sua natureza de ser sensível, devem ser encaradas como uma evolução do Direito, que passa a considerar o animal como um ser vivo que deve ser protegido mais do que uma simples coisa (ou bem).