A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a guarda compartilhada deve prevalecer mesmo com briga dos pais, por entender que o importante é o bem-estar da criança. Esse entendimento serve de orientação para a primeira instância da justiça brasileira.
Para quem não sabe, guarda compartilhada é uma modalidade de guarda do filho que compreende responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
No entendimento da ministra Nancy Andrighi, relatora do processo no STJ, apenas é possível afastar a guarda compartilhada em caso de inaptidão para o exercício da guarda por parte de um dos pais, pleito que deverá ser pedido e provado previamente, ou mesmo incidentalmente, no curso da ação que pede a implantação da guarda compartilhada.
Para esclarecer melhor a decisão, a juíza Saskia Elisabeth Schwanz, da 1ª Vara de Família, respondeu algumas questões sobre guarda compartilhada.
TJMS: Essa decisão serve como referência para todos os casos, mas isso não significa que o juiz deve obrigatoriamente adotar a guarda compartilhada, certo?
Saskia: Antes da introdução da guarda compartilhada no nosso ordenamento jurídico havia somente a tradicional e conhecida guarda unilateral, onde um dos pais (geralmente a mãe) tem a guarda com exclusividade do filho, e o outro genitor (geralmente o pai) apenas visitava o filho aos finais de semana, sem influenciar nas decisões importantes relativas à educação, saúde, e demais aspectos, nem conviver com as questões do cotidiano da rotina do filho.
Isso porque, anteriormente, o costumeiro nas dinâmicas familiares era a divisão clara de tarefas. Normalmente o marido trabalhava fora, para prover o sustento do lar, e a esposa trabalhava em casa, nos afazeres domésticos, e cuidados com os filhos. Assim, em caso de separação, compreensível que a mulher, mãe, que sempre cuidou diretamente da rotina dos filhos, ficasse com a guarda unilateral.
Atualmente, os tempos mudaram. Cada vez mais, as mães também estão inseridas no mercado de trabalho e os pais também estão desempenhando papéis nas tarefas caseiras – ambos, tanto pai como mãe, trabalhando fora e em casa, e ambos inseridos ativamente nos diferentes aspectos da vida dos filhos.
Assim, em caso de separação, compreensível que ambos, tanto pai como mãe, queiram seguir atuantes no cotidiano dos filhos, de forma que a guarda compartilhada, que prevê a “responsabilização conjunta”, o “exercício de direitos e deveres” do pai e da mãe, vem ao encontro dessa nova prática cada vez mais costumeira nas famílias atuais.
Inicialmente, com a introdução da guarda compartilhada no Código Civil (pela Lei nº 11.698/2008), a previsão era que fosse aplicada “sempre que possível” (artigo 1.584, §2º). Mas com a Lei nº 13.058/2014 houve modificação no Código e a guarda compartilhada passou a ser regra. Pois, agora está previsto que a guarda compartilhada “será aplicada”, ainda que não haja acordo entre os genitores, salvo se um deles declarar que não deseja a guarda do filho ou comprovado que não se encontra apto a exercer o poder familiar.
Inclusive a Ministra Nancy Andrighi, recentemente, na condição de Corregedora Nacional de Justiça, editou a Recomendação nº 25, em 22/08/2016, orientando aos juízes que atuam nas Varas de Família que, nas ações de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou medida cautelar, ao decidir sobre guarda dos filhos, quando não houver acordo entre os ascendentes, considerem a guarda compartilhada como regra.
Ou seja, havendo interesse de ambos genitores na guarda do filho, a guarda compartilhada deve ser aplicada como regra sim, exceto nos casos específicos, que no processo restar comprovada a impossibilidade de um dos genitores, de desempenhar sua função.
TJMS: Se divergências entre os pais não podem privar o filho da convivência com os dois, até que ponto isso atingirá a criança?
Saskia: Observa-se no dia a dia da prática forense ser muito comum os pais, pelas mágoas da separação, usarem os filhos para atingir um ao outro. Mesmo separados, seguem mantendo clima de desavenças, como se quisessem retaliar um ao outro pelas falhas cometidas na constância da união. Mas a criança não quer fazer parte desse conflito, não quer saber dos motivos dos pais estarem separados, se foi o pai ou a mãe que errou.
Demonstrada a animosidade dos pais no processo, a lei prevê que seja designada audiência para esclarecimentos, visando auxiliar que compreendam o quanto se faz necessário separar os dissabores que tem um com o outro, da relação que cada qual tem com o filho, eis que o bem estar da criança deve vir em primeiro lugar.
Manter o clima de briga não resolve até porque, se resolvesse, o casal provavelmente ainda estaria junto, e não separado. Ademais, além de não resolver, o grande prejudicado sempre acaba sendo o filho, que se sente mal em perceber que as duas pessoas mais importantes de sua vida não se relacionam bem. A criança não tem culpa da separação dos pais, ela deseja apenas amar incondicionalmente cada genitor e manter ambos presentes em sua vida.
Assim, se os pais não conseguem deixar a briga de lado, que, ao menos, tentem manter o respeito diante dos filhos, que têm o direito de conviver no cotidiano com ambos: os dois participando das relações escolares, decidindo sobre escolha de médicos, eventuais tratamentos, atividades extracurriculares, enfim, mantendo ambos como referência.
TJMS: Na vara onde atua, quando um casal vai discutir a guarda dos filhos, é comum o pedido de guarda compartilhada? Em que proporção?
Saskia: Embora, com a introdução no Código Civil, da guarda compartilhada como regra, data de dezembro/2014, muitos genitores ainda preferem adotar a tradicional guarda unilateral, abrindo mão de exercer a guarda do filho, o que a lei de fato lhes faculta.
Mas, cada vez mais, vislumbra-se na prática forense um aumento da procura pela guarda compartilhada e tem-se percebido desconhecimento e insegurança dos genitores em como aplicar o instituto.
É comum, com advento desse novo instituto, muitos genitores pleitearem guarda compartilhada, acreditando que com isso não necessitam mais pagar pensão alimentícia ou que passam a ter direito de simplesmente exigir ver o filho neste ou naquele dia, ou de impor às suas vontades, sem necessidade de combinações prévias entre genitores.
Não raras vezes também a guarda unilateral (instituto habitualmente aplicado até o advento de referidas alterações legais) é equivocadamente compreendida como verdadeira “propriedade” do menor, como se o guardião tivesse direito de decidir com exclusividade todos os pormenores da rotina da criança, somente “emprestando” o filho por algumas horas ao outro genitor, quando do exercício do direito de visita.
A guarda compartilhada que, em síntese, significa responsabilização conjunta, é o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe, quando bem compreendida, e aplicada com bom senso e moderação, relevando o bem-estar da criança, é razoável e salutar para a criança.
Autoria: Secretaria de Comunicação do TJMS
Fonte: Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul