Aprendizagem era, na verdade, intermediação de mão de obra
Uma sentença do Juizado Especial da Infância e da Adolescência (Jeia) de Bauru condenou a Legião Mirim de Pederneiras e, subsidiariamente, o Município de Pederneiras, denunciado à lide, em ação movida por uma adolescente de 16 anos que, teoricamente, era aprendiz, engravidou e foi dispensada após cinco meses de trabalho, sob o argumento de desempenho insuficiente e inadaptação. A reclamante obteve indenização substitutiva e por danos morais, dentre outros direitos.
Em sua sentença, a juíza Ana Cláudia Pires Ferreira de Lima, coordenadora do Jeia, viu clareza no fato de que “a primeira reclamada não cumpriu seus deveres como entidade educacional, agindo, lamentavelmente, como mera intermediadora de mão de obra no caso da reclamante”. A adolescente foi contratada pelo Município como aprendiz, por meio da Legião, para depois se ativar no Detran da cidade.
Ana Cláudia anotou que “a única testemunha ouvida em juízo era chefe do setor em que a reclamante trabalhou como aprendiz e declarou que nunca receberam orientação da Legião Mirim sobre as atividades que a reclamante poderia exercer, não tendo sido apresentado qualquer plano de aprendizagem”. A testemunha afirmou também que a adolescente “ia à Legião apenas para almoçar”. Disso se denota, concluiu a magistrada, “a inexistência de atividade teórica formativa, não havendo ministração de aulas à reclamante”.
Para a juíza, “é estarrecedor o descaso da primeira reclamada com a adolescente reclamante, uma vez que a única testemunha ouvida em juízo, que seria a ‘coordenadora da aprendiz’, mal tinha contato com a adolescente, não sabendo sobre a existência de qualquer plano de aprendizagem, não tendo recebido qualquer orientação da Legião Mirim ou da Prefeitura sobre quais atividades deveriam/poderiam ser realizadas pela reclamante. Ademais, a finalidade da aprendizagem é a educação formativa do adolescente e jovem, aliada à prática. Assim, jamais poderiam ser imputadas à reclamante atividades de limpeza do balcão e do chão do estabelecimento ao cumprir sua jornada de aprendizagem no estabelecimento do Detran”.
Restou claro nos autos, entendeu a magistrada, que a reclamante não recebia qualquer orientação sobre as atividades a serem prestadas, nunca sendo “ensinada” sobre como deveria proceder no atendimento das pessoas.
A magistrada ponderou mais: “Além de não restar comprovado nos autos o fato, imputado à reclamante, de postagem de Carteira Nacional de Habilitação (CNH), nas redes sociais, verifica-se que a coordenadora da reclamante no Detran mal tinha contato com ela, apenas tendo ciência dos fatos mencionados através dos funcionários locais, não constatando, por si própria, o modo como a reclamante desempenhava as funções. Assim, não houve acompanhamento e nem avaliação periódica das atividades desempenhadas pela reclamante, à qual houve simplesmente a atribuição de serviços de atendimento ao público e de limpeza. Constatado qualquer problema nas atividades práticas, cabia à coordenadora verificar com a reclamante sua causa e relatar à entidade responsável pela aprendizagem, para a busca da solução, observando-se o objetivo maior da aprendizagem, que é educacional, proporcionando a formação profissional. Entretanto, a própria coordenadora, que seria responsável pela aprendizagem da reclamante no Detran, desconhecia a existência de plano de aprendizagem, ou seja, não havia qualquer orientação formativa destinada à reclamante. Evidentemente, não foi cumprida a finalidade da aprendizagem, que é permitir a atividade prática com o acompanhamento de um monitor, em conformidade com o programa de aprendizagem, nos termos do artigo 23, parágrafo 1º, do Decreto 5.598/2005”.
A sentença reforçou: “No caso em exame, é patente o não preenchimento dos requisitos do contrato de aprendizagem, os quais deveriam ter sido observados tanto pela entidade de assistência ao adolescente (Legião Mirim – primeira reclamada), quanto pela entidade contratante (Prefeitura Municipal de Pederneiras – segunda reclamada), tendo ambas praticado ato ilícito, nos termos do caput do artigo 37, que impõe à Administração Pública a observância ao princípio da legalidade, e dos artigos 186 e 927 do Código Civil”.
Particularmente quanto à gravidez da jovem, a juíza reconheceu “que a autora fazia jus à estabilidade gestante no período compreendido entre o dia imediatamente posterior à rescisão contratual, 3/11/2014, até cinco meses após o nascimento de seu filho (que ocorreu em 30/06/2015), ou seja, até 30/11/2015. Porque ultrapassado o período estabilitário, devida a respectiva indenização substitutiva, ao invés da reintegração, indenização essa que compreende os salários do período de 3/11/2014 a 30/11/2015, 13º salário, férias (+1/3) e FGTS”.
Ao abordar o dano moral, o julgado externou que “além de não ter recebido a orientação adequada para a execução de suas atividades práticas e nem sequer ter tido orientação teórica, a reclamante foi dispensada por justa causa indevidamente, no momento em que se encontrava grávida, tendo seus direitos suprimidos. A dispensa indevida da reclamante grávida, com apenas 16 anos, causou-lhe desamparo, tratando-se de verdadeiro atentado à sua dignidade, que deve ser preservada em qualquer relação humana, principalmente na de emprego, passível de indenização, nos termos dos artigos 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, e dos artigos 186, 927, 932, inciso III, e 933, todos do Novo Código Civil”. Uma vez ferida a dignidade do trabalhador, por ato ilícito praticado pelo empregador, cabe a reparação dos danos, ainda que só moral. Pacífico atualmente na doutrina que o dano moral é indenizável, não obstante toda a dificuldade na fixação da indenização”. Dessa forma, a magistrada fixou em R$ 5.000 o valor da indenização. (Processo 0011867-79.2015.5.15.0144, JEIA de Bauru, sentença em 27 de novembro de 2016).
Autoria: João Augusto Germer Britto