Fabricante vai indenizar arquiteto pelo uso de imagem de casa em latas de tinta

Data:

Crédito: Mizin Roman/Shutterstock.com
Crédito: Mizin Roman/Shutterstock.com

Um arquiteto conseguiu na Justiça o direito de ser indenizado pela fabricante de tintas que usou a imagem de uma casa projetada por ele nas latas do produto e em material publicitário, sem sua autorização nem indicação de seu nome como autor do projeto. O uso da imagem havia sido permitido pelo proprietário do imóvel.

Ao analisar o caso, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a criação intelectual “guarda em si aspectos indissociáveis da personalidade de seu criador”, razão pela qual “a mera utilização da obra sem a devida atribuição do crédito autoral representa, por si, violação de um direito da personalidade do autor” e é, portanto, sujeita a indenização, como afirmou o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze.

A fabricante de tintas alegou que foi autorizada pelo proprietário, mediante pagamento de R$ 30 mil, a reproduzir, com fins comerciais e durante 20 anos, a imagem da fachada de sua casa. Sustentou ainda que a imagem havia sido captada em logradouro público, o que é permitido pelo artigo 48 da Lei 9.610/98.

No processo, o arquiteto requereu reparação por danos morais e patrimoniais no montante de 5% sobre a venda das latas de tinta e de 10 % sobre o gasto com o material publicitário que continha a imagem da casa.

Direito exclusivo

O ministro Bellizze explicou que os direitos morais e patrimoniais sobre a obra pertencem exclusivamente ao seu autor e que a proteção ao direito autoral do arquiteto abrange tanto o projeto e o esboço confeccionados, como a obra em si, materializada na construção.

Para ele, a utilização da imagem da casa, “representada, por fotografias, em propagandas e latas de tintas fabricadas pela demandada, encontra-se, inarredavelmente, dentro do espectro de proteção da Lei de Proteção dos Direitos Autorais”.

Segundo o relator, a simples contratação do projeto arquitetônico ou a compra do imóvel construído pelo proprietário “não transfere automaticamente os direitos autorais, salvo disposição expressa em contrário e ressalvado, naturalmente, o modo de utilização intrínseco à finalidade da aquisição”.

Conforme o processo, o contrato firmado entre o arquiteto e o proprietário foi omisso nesse ponto, portanto o proprietário da casa “não incorporou em seu patrimônio jurídico o direito autoral de representá-la por meio de fotografias, com fins comerciais, tampouco o de cedê-la a outrem”, disse o ministro. Assim, acrescentou, “a autorização por ele dada não infirma os direitos do arquiteto”.

Finalidade lucrativa

Com relação à argumentação da fabricante de tintas, de que a fotografia foi captada em logradouro público, Bellizze esclareceu que, em princípio, a representação por meio de pinturas, desenhos ou fotografias de obras situadas permanentemente em logradouros públicos, por qualquer observador, não configura violação de direito autoral, por integrarem o meio ambiente, compondo a paisagem como um todo.

Porém, o caso analisado não é de mera representação da paisagem em que a obra arquitetônica está inserida, “mas sim de representação unicamente da obra arquitetônica, com finalidade lucrativa”. Tal fato, segundo o relator, “refoge, em absoluto, do âmbito de aplicação do artigo 48 da Lei 9.610”, sendo a utilização comercial da obra “direito exclusivo de seu autor”.

Quanto ao valor solicitado pelo arquiteto, o ministro afirmou que os danos materiais devem ser certos e determinados, não sendo adequada a adoção de percentuais que, no caso dos autos, além de não expressar os prejuízos suportados, proporcionariam “indevido enriquecimento sem causa”.

A turma condenou a fabricante de tintas a reparar os danos materiais em R$ 30 mil, com juros moratórios e correção monetária a partir do evento danoso, e manteve a indenização do dano moral, fixada na sentença.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1562617

Ementa

RECURSOS ESPECIAIS. 1. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE VIOLAÇÃO DE DIREITO MORAL E PATRIMONIAL DO AUTOR DE OBRA ARQUITETÔNICA, REPRODUZIDA EM LATAS DE TINTAS E MATERIAL PUBLICITÁRIO, SEM SUA AUTORIZAÇÃO E INDICAÇÃO DO CRÉDITO AUTORAL. 2. AUTORIZAÇÃO DO PROPRIETÁRIO DA CASA RETRATADA, MEDIANTE CORRELATA REMUNERAÇÃO (CONTRATO DE CESSÃO DE USO DE IMAGEM). IRRELEVÂNCIA. ADQUIRENTE DA OBRA, EM REGRA, NÃO INCORPORA DIREITOS AUTORAIS. 3. ESCUSA DO ART. 48 DA LEI N. 9.610/1998 (OBRA SITUADA EM LOGRADOURO PÚBLICO). INAPLICABILIDADE.
UTILIZAÇÃO DA OBRA COM FINALIDADE COMERCIAL. 4. SANÇÃO CIVIL. SUBSUNÇÃO DO FATO À NORMA SANCIONADORA. NÃO VERIFICAÇÃO. 5. VIOLAÇÃO DE DIREITO PATRIMONIAL DO AUTOR. RECONHECIMENTO. MENSURAÇÃO CERTA E DETERMINADA DO DANO MATERIAL. NECESSIDADE. 6. VIOLAÇÃO DE DIREITO MORAL DO AUTOR. AUSÊNCIA DO CRÉDITO AUTORAL. SUFICIÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. 7. RECURSO ESPECIAL DA FABRICANTE DE TINTAS IMPROVIDO; E RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO AUTOR DA OBRA PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Especificamente em relação às obras arquitetônicas, o projeto e o esboço, elaborados por profissionais legalmente habilitados para tanto, e a edificação são formas de expressão daquelas. A construção consiste no meio físico em que a obra arquitetônica, concebida previamente no respectivo projeto, veio a se plasmar. A utilização (no caso, com finalidade lucrativa) da imagem da obra arquitetônica, representada, por fotografias, em propagandas e latas de tintas fabricadas pela demandada encontra-se, inarredavelmente, dentro do espectro de proteção da Lei de Proteção dos Direitos Autorais. 2. A aquisição, em si, de uma obra intelectual não transfere automaticamente os direitos autorais, salvo disposição expressa em contrário e ressalvado, naturalmente, o modo de utilização intrínseco à finalidade da aquisição. Na hipótese dos autos, ante o silêncio do contrato, o proprietário da casa, adquirente da obra arquitetônica, não incorporou em seu patrimônio jurídico o direito autoral de representá-la por meio de fotografias, com fins comerciais, tampouco o de cedê-lo a outrem, já que, em regra, a forma não lhe pertence e o aludido modo de utilização refoge da finalidade de aquisição. Assim, a autorização por ele dada não infirma os direitos do arquiteto, titular do direito sob comento. 3. Em razão de as obras situadas permanentemente em logradouros públicos integrarem de modo indissociável o meio ambiente, a compor a paisagem como um todo, sua representação (por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais), por qualquer observador, não configura, em princípio, violação ao direito autoral. A obra arquitetônica, ainda que situada permanentemente em propriedade privada, sendo possível visualizá-la a partir de um local público, integra, de igual modo, o meio ambiente e a paisagem como um todo, a viabilizar, nesse contexto (paisagístico) a sua representação, o que, também, não conduziria à violação do direito do autor. A hipótese, todavia, não é de mera representação da paisagem, em que inserida a obra arquitetônica, mas sim de representação unicamente da obra arquitetônica, com a finalidade lucrativa. Refoge, em absoluto, do âmbito de aplicação do art. 48 da Lei n. 9.610/1998, a representação por terceiro de obra arquitetônica com finalidade comercial, que, como detidamente demonstrado, consubstancia direito exclusivo de seu autor. 4.  O art. 103, da Lei n. 9.610/1998, veicula sanção civil específica pela violação de determinado direito autoral (editar fraudulentamente obra sem autorização do titular), e não, propriamente, um parâmetro de reparação pelo dano material percebido pelo autor da obra. Na espécie, não houve edição/reprodução da obra, compreendida esta como a confecção de cópia ou exemplar da obra em si, e, muito menos, reprodução fraudulenta da obra, que pressupõe má-fé, ou seja, deliberado propósito de contrafação. 5. A mensuração do dano material deve ser certa e determinada, não comportando meras conjecturas. In casu, o autor deve obter a reparação pela violação de direito patrimonial, consistente na remuneração pela representação de sua obra ajustada, devidamente atualizada, nos exatos termos em que se deu a contratação entre a fabricante de tintas, de renome no seguimento, e o suposto titular do direito autoral, os proprietários da casa retratada. Inexiste razão idônea para compreender que esta contratação não observou a praxe mercadológica para a concessão dos direitos de utilização da imagem, com a prática de valores igualmente condizentes com o objeto contratado. 6. A criação intelectual é expressão artística do indivíduo; a obra, como criação do espírito, guarda em si aspectos indissociáveis da personalidade de seu criador. Nessa extensão, a defesa e a proteção da autoria e da integridade da obra ressaem como direitos da personalidade do autor, irrenunciáveis e inalienáveis. Por conseguinte, a mera utilização da obra, sem a devida atribuição do crédito autoral representa, por si, violação de um direito da personalidade do autor e, como tal, indenizável. 7. Recurso especial da fabricante de tintas improvido; e recurso especial do autor da obra parcialmente provido. ACÓRDÃO

Juristas
Juristashttp://juristas.com.br
O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Paraíba ganhará este ano Câmara de Mediação e Arbitragem

A Paraíba está prestes a dar uma valorosa contribuição...

Construção irregular em área de preservação permanente deve ser demolida e vegetação recuperada

Construções em áreas de preservação permanente (APP) que envolvam a remoção de vegetação só podem ser autorizadas em casos excepcionais, como em situações de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental. Em casos de degradação, é necessário que a área seja restaurada ao máximo, inclusive com a demolição de edificações existentes e recuperação da vegetação nativa.