O juiz Luís Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, condenou a Fazenda do Estado a pagar R$ 300 mil de indenização por danos morais aos familiares de um jovem, vítima de bala perdida.
Os dois autores – irmãos da vítima – contaram que ele foi atingido durante tiroteio entre policial militar e assaltantes. Além de indenização por danos morais, pediram o ressarcimento material pelos anos de trabalho que a vítima teria até sua aposentadoria. A Fazenda contestou alegando que o policial envolvido no evento estava fora de suas funções e por isso o Estado não poderia ser responsabilizado.
O magistrado explicou que se o policial respondeu à tentativa de assalto e durante o evento houve troca de tiros com terceiro atingido, seu ato deve ser imputado ao Estado, independente de culpa. “A bala que atingiu a vítima partiu da arma do policial militar. Entre a vítima e o policial estavam os sujeitos que tentaram o assalto e, ao trocarem tiros, policial e assaltantes, atrás destes últimos, na calçada oposta, estava a vítima, que foi atingida pelo policial que tentava se defender. O ato é imputado ao Estado que se torna responsável.”
Quanto aos danos materiais pleiteados, o magistrado afirmou que não há prova de dependência econômica dos autores que justifique a fixação de algum valor – o que só deveria ocorrer se a vítima, por algum motivo, fosse responsável pela subsistência permanente de seus irmãos, fato não informado.
Cabe recurso da decisão.
Processo nº 1046324-47.2015.8.26.0053
Autoria: Comunicação social TJSP – AG
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo
Teor do ato: Vistos.Trata-se de ação na qual se afirma que o irmão dos autores foi vítima de bala perdida de arma de fogo em tiroteio entre policial militar e assaltantes na alameda Barão de Piracicaba, n. 695, em Santa Cecília, capital; o evento ocorreu em 5 de agosto de 2015, e apesar de ser socorrido no local por bombeiros civis, não conseguiu sobreviver. Pede-se, em síntese, a condenação em danos morais no valor de R$ 394.000,00 para cada autor, e indenização por danos materiais pelos anos de trabalho que a vítima teria até sua aposentadoria. A ré contestou (fls. 159-172) arguindo quanto ao mérito que o policial envolvido no evento havia deixado suas funções, era cidadão comum, por isto o Estado não pode ser responsabilizado; refuta as indenizações postuladas, a sua não comprovação. Houve réplica (fls. 179-186). Foi produzida a prova oral (fls. 197-200) e facultada a manifestação por memoriais.É o relatório. Decido.Cuida o mérito em saber se o Estado é responsável pelo fato de o irmão dos autores ter sido atingido em tiroteio entre criminosos e policial militar fora do exercício da função durante tentativa de assalto, e na hipótese afirmativa, qual a dimensão da indenização a ser conferida.O art. 37, § 6º, da Constituição Federal prescreve a responsabilidade civil do Estado ou de quem lhe faça as vezes. Isto significa dizer que para a apuração de eventual responsabilidade da Administração Pública ou de quem a substitui é necessário: a) identificar o comportamento do Poder Público; b) aferir o dano, seja este material ou moral; c) revelar o nexo causal entre o comportamento e o dano, e ainda a imputação normativa correspondente. E um esclarecimento deve ser feito: o nexo causal explica-se pelo modal apofântico, próprio das leis da natureza, sob a função descritiva (a definição do ser), logo, só é possível em relação à ação; a imputação normativa estrutura-se sob o modal deôntico, pois regula as condutas humanas, destarte, é prescritiva (estipula o que deve ser), e sempre é claro deve estar presente, tanto na ação quanto na omissão, pois imprescindível à qualificação jurídica do fato. Os três elementos acumulam-se e são indispensáveis. Sem qualquer um deles não há falar-se em responsabilidade civil do Estado.É inexorável o entendimento de que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal impõe a responsabilidade civil objetiva do Estado em relação ao comportamento comissivo, isto é, aos fatos que decorrem ou dependem de ação. O que equivale a dizer por ser a responsabilidade objetiva que não há necessidade de apurar a culpa da Administração Pública, não há que se investigar se o agente público descumpriu algum dever de cuidado, isto é, se agiu de modo diverso do que era esperado como padrão de comportamento naquela situação. A aferição da imprudência, da negligência e da imperícia é completamente irrelevante no âmbito da responsabilidade objetiva. Basta ter havido o dano e o correspondente nexo causal com o comportamento comissivo.O policial militar detém o dever de atuar, de interferir com o propósito de conter ações criminosas, mesmo fora do seu tempo de serviço. Não é por outra razão que o porte de arma que se lhe confere não é suspenso durante sua folga, férias, ou qualquer outra situação jurídica na qual não esteja fardado.Se assim o é, e se o policial militar respondeu a tentativa de assalto e durante o evento houve troca de tiros, e se uma bala atingiu o irmão dos autores, então o ato deste agente público é imputado ao Estado. Independentemente de culpa. Mesmo que o agente público, no caso, o policial militar, tenha agido em estrito cumprimento de um dever legal, e por isto não se possa, em tese, responsabilizá-lo, ainda assim o Estado, por sua responsabilidade objetiva, deve responder. Nestes termos, o art. 8°, XXXV, Lei Complementar Estadual n° 893/2001, prescreve como dever ético do policial militar:Atuar onde estiver, mesmo não estando em serviço, para preservar a ordem pública ou prestar socorro, desde que não exista, naquele momento, força de serviço suficiente. Sobre o fato em si, relevante a respeito foi o depoimento de Laiane da Silva Ferreira, policial militar em serviço que atendeu a ocorrência. Disse ela e destaco -:Ouviu de seu colega que sofreu injusta agressão, tentava de roubo, quando andava pela calçada e uma moto aproximou-se, parou ainda na via, e o garupa sacou uma arma anunciando o assalto. O colega do depoente reagiu ao assalto, trocaram tiros, e os dois assaltantes conseguiram escapar. (…) Esclarece que o seu colega, policial militar vítima da tentativa de roubo, estava em uma calçada, e a vitima alvejada pela bala perdida na calçada oposta, numa relação perpendicular, e os assaltantes estavam na rua. Diz que “formavam um triângulo”, referindo-se à posição de cada qual: os assaltantes na moto como se fosse o vértice da pirâmide, o policial militar numa calçada, e a vitima da outra. Isto é, entre o policial militar e a vítima Jailson estavam os assaltantes, mas não na mesma linha, e sim um pouco a frente. (fls. 199).A bala que atingiu a vítima partiu da arma do policial militar. Entre a vítima e o policial estavam os sujeitos que tentaram o assalto, e ao trocarem tiros, policial e assaltantes, atrás destes últimos, na calçada oposta, estava a vítima que foi atingida pelo policial que tentava se defender.O ato é imputado ao Estado que se torna responsável.Por danos morais, estimo em R$ 150.000,00 o valor de indenização a cada autor, o que procuro considerar, para este fim, parâmetros encontrados na jurisprudência dos Tribunais superiores.Quanto aos danos materiais, não há prova da dependência econômica dos autores, irmãos da vítima, de modo a justificar a fixação de algum valor o que só deveria ocorrer se a vítima, por algum motivo, fosse responsável pela subsistência permanente de seus irmãos, fato não informado por eles na inicial.Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para fixar, como indenização por danos morais, o valor de R$ 150.000,00 para cada autor, com a incidência de correção monetária segundo a tabela prática do TJSP, vigente por ocasião do início da execução, e juros de mora de 1% ao mês, ambos (juros e correção monetária) a partir da publicação desta sentença no DJE. Em relação à sucumbência, condeno o vencido a suportar as custas processuais e a verba honorária da parte contrária que fixo no percentual mínimo do valor da condenação, a ser apurada em execução, nos termos do artigo 85, §3º do Código de Processo Civil.P.R.I. Advogados(s): Mariana de Carvalho Sobral (OAB 162668/SP), Mirna Cianci (OAB 71424/SP)