Hospital é condenado por troca de bebê

Data:

O juiz Fernão Borba Franco, da 14ª Vara da Fazenda Pública da Capital, condenou hospital a pagar 100 salários mínimos de indenização por danos morais a um casal que teve o corpo do filho trocado antes do velório.

Os autores contaram que o filho faleceu instantes após o nascimento e o corpo foi levado ao sepultamento pelo Serviço Funerário. No entanto, houve troca de corpos com outra criança recém-nascida, o que só foi percebido durante o velório. A investigação apurou que a troca foi realizada no hospital, e não durante o transporte, e que o corpo de menina, entregue aos autores, estava vestido com roupas destinadas ao seu filho.

Na sentença, o magistrado explicou que é evidente a existência de danos morais aos autores, “pela dor e sofrimento causados com a troca e a dúvida a respeito do destino do filho, sendo devida a indenização pelos danos morais”. Cabe recurso da sentença.

Processo nº 101220107.2014.8.26.0005

Autoria: Comunicação Social TJSP – AG
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Sentença:

Erika Mariana Xavier da Silva e Marcos Joaquim de Azevedo movem esta demanda em face da Organização Social de Saúde Santa Marcelina, Giuseppina Raineri, Maria Thereza Lorenzzoni, Monique Marie Marthe Bouget, Rosane Ghedin e do Serviço Funerário do Município de São Paulo, alegando que 30/03/2013 a autora deu à luz, no Hospital Santa Marcelino, gerido pelos rés pessoas físicas, o neomorto Gabriel Xavier da Silva Azevedo, cujo corpo foi levado a sepultamento pelo Serviço Funerário. No entanto, houve troca de corpos, com o de outra criança recém nascida, o que foi percebido no velório no dia 16/02/05. Quando do ajuizamento da demanda, ainda não havia sido localizado o corpo do menor. Pretendem indenização por danos morais. Citadas, as rés contestaram. As pessoas físicas arguiram ilegitimidade passiva, pois não praticaram diretamente qualquer ato, sendo apenas membros do corpo diretivo da OSS. No mérito, reiteram essa alegação. O Hospital Santa Marcelina alega que prestou o devido atendimento à co-autora Erika, embora seu filho, nascido com vida, tenha falecido posteriormente. Com a certidão de nascimento, foi providenciada a declaração de óbito pela ré, liberando-se o corpo para sepultamento. Noticiou-se, entretanto, que teria havido troca desse corpo pelo de outra criança falecida, troca essa que não foi de responsabilidade do hospital, pois devidamente identificados os corpos, e reconhecidos pelos pais. Imputa a responsabilidade pela troca ao Serviço Funerário.O Serviço Funerário, autarquia municipal, sustenta que a troca teria ocorrido no Hospital, pois o transporte dos corpos ocorreu regularmente.Citada, a ré apresentou tempestiva resposta. Argüiu preliminares, posteriormente repelidas. No mérito, impugnou as indenizações pretendidas e seus valores.Saneado o processo, foram excluídas do pólo passivo, por ilegitimidade, as pessoas físicas. Deferiu-se prova oral. Constatou-se que o corpo da criança enterrada indevidamente era mesmo o do filho dos autores (laudo de novembro de 2013, fls. 538). Inquiridas as testemunhas arroladas, as partes debateram a causa.É o relatório.Passo a fundamentar.Incontroverso o fato da troca de corpos, bem como o de que o filho dos autores nasceu com vida, falecendo posteriormente. Incontroverso, ainda, que detectada a troca houve demora para localização e identificação (por DNA) do corpo correto. Evidente, de outro lado, o sofrimento moral dos pais, seja pelas próprias circunstâncias do ocorrido, seja pela dúvida, expressa na inicial, a respeito de que seu filho efetivamente teria falecido (que foi solucionada algum tempo depois, mas ainda assim existiu).Necessário determinar qual das rés foi a responsável pela troca. Possível ter ocorrido no hospital ou no caminho para o cemitério, com a responsabilidade da primeira ou da segunda ré.Inviável a procedência da demanda com fundamento em uma responsabilidade solidária, pois não existe, no caso, solidariedade. A cada ré corresponde uma obrigação bastante distinta: a de entregar para o funeral o corpo correto e devidamente preparado (hospital) e o de levar a funeral essa urna (serviço funerário).Esta afirmativa é roborada pela prova produzida, que distingue com bastante certeza essas responsabilidades.A dúvida está em identificar qual das rés errou. Consequentemente, em identificar qual das rés deve ser condenada no pagamento das indenização pelos danos morais ocorridos.Desnecessária consideração detalhada dos depoimentos das testemunhas, a respeito dos procedimentos fixados e como foram seguidos. Não há como, pela sua leitura, determinar onde estava a falha.Circunstâncias devem ser levadas em conta, portanto, para essa finalidade. Eram dois os corpos a serem transportados (no mesmo veículo, pelo Serviço Funerário, circunstância a respeito da qual não há dúvida). O primeiro corpo, do filho dos autores, deveria estar vestido com roupas por eles fornecidas. O segundo corpo, da filha de terceiros (e que nasceu bastante prematura, a propósito) foi enterrado com ‘um paninho’ (fls. 627). Note-se que o pai dessa criança não chegou efetivamente a reconhecer a criança – era, como repetiu várias vezes, muito miudinha, muito novinha – e é pessoa bastante simples; não conferiu os dados da pulseira, acreditando no serviço do Hospital (perguntado a respeito de ter conferido os dados, respondeu “não notei nada, porque quem tem que fazer é os profissionais lá do hospital, não é a gente, eu fui só acompanhando o enterro da minha filha até lá no cemitério” e, sobre a correção dos documentos, disse “o documento estava certo, porque eles falou” fls. 626).A corroborar essa falta de conferência, pelos pais, da correção da entrega dos corpos, o depoimento de fls. 632 é incisivo em dizer que a conferência das pulseiras (colocadas no pulso dos corpos) era feita pelo funcionário do hospital. No mesmo depoimento, caracterizou-se que foi o funcionário da Funerária o responsável pelo fechamento de cada um dos caixões, em momentos diversos, e colocação de documento na urna, para posterior identificação.Note-se que não há, ainda, elementos a distinguir quem teria sido responsável pela troca. Entretanto, outro dado existe a demonstrar que a troca foi feita no Hospital, e não no transporte: o corpo da menina, entregue aos autores, estava vestido com as roupas destinadas ao menino. Este fato, aliás incontroverso, demonstra que o lapso ocorreu no Hospital, uma vez que apenas lá são manuseados os corpos, e colocados nas urnas. Assim, determina-se que foi o Hospital o responsável pela troca. Evidente a existência de danos morais aos autores, pela dor e sofrimento causados com a troca e a dúvida a respeito do destino do filho, esta de relativamente curta duração. Assim, deve ser arbitrada a indenização pelos danos morais.No tocante à reparação pelo dano moral, iremos nos valer do que ensina WILSON MELO DA SILVA: “Na ocorrência da lesão, manda o direito ou a equidade que se não deixe o lesado ao desamparo de sua própria sorte. E tanto faz que tal lesão tenha ocorrido no campo de seus bens materiais ou na esfera daqueles outros bens seus, de natureza ideal. O que importa, o que é mister, é a reparação, pelo critério da equivalência econômica, num caso, ou pelo critério da simples compensação, da mera satisfação, como o queiram, no outro. Está-se diante de um dano a cuja reparação prover-se, esta é que a realidade. E muito embora, na hipótese do dano moral, a reparação se torne um tanto ou quanto dificultosa, não poderíamos, por isso, negar-lhe reparação. Seria ilógico, absurdo e mesmo injurídico que uma dificuldade de ordem material contribuísse para uma injustiça. A pureza de um princípio não poderia, jamais, ser imolada a uma questão contingente. Ao demais, por que negar-se reparação aos danos morais se tais danos são relevantes e se, não raro, preponderam sobre os próprios danos patrimoniais?” (Op. cit., pp. 427/428).E continua o autor: “Mas de que maneira realizar-se essa compensação? Muito simplesmente pela contraposição da alegria à dor. Compensa-se o lesado levando-se-lhe, senão na mesma quantidade, pelo menos na mesma qualidade, bens outros, também ideais, também subjetivos, capazes de neutralizar, nele, a mágoa ou a dor sofrida” (Op. cit., p. 441).E, por fim, destaca a função do dinheiro na reparação do dano puramente moral: “O dinheiro torna fungível e divisível todas as coisas, escreveu, de uma feita, BRUGI. E, à falta de coisa melhor, como que complementariam COLIN et CAPITANT, serve ele, também iniludivelmente, para curar as feridas e amenizar as angústias. (…) PIRES DE LIMA salientou, também, esse valor compensatório, indireto, do dinheiro propiciador da aquisição de outros bens, com os quais nos possamos dar alegria e prazeres. Denominador comum das permutas, permitindo-nos, assim, por via indireta, a alegria, o dinheiro seria a vara mágica que pusesse, frente à nossa dor, uma certa parcela de alegria, dando-nos, na mesma moeda dos sentimentos, um elemento positivo, moral , capaz de neutralizar o outro elemento moral, negativo, forçando, desta forma, uma verdadeira reparação. (…) E MINOZZI, mais explicitamente e de maneira mais clara, expôs esse princípio da equivalência entre dano moral sofrido e a alegria compensadora, proporcionada, mediata e indiretamente, pelo dinheiro, ao afirmar que “non si tratta di rifare al danneggiato gli identici beni che ha perduti, ma de far nascere in lui una nuova sorgente di felicità e di benessere, capace di alleviare le consequenze del dolore, del male, che ha ricevuto” e isso depois de já haver deixado escrito, linhas atrás, que, no caso da reparação por dano moral, pelo pagamento de uma soma em dinheiro, a equivalência, impossível a prima facie, se simplifica e se explica desde que “alla parola dolore si sostituiscono le sensazioni piacevoli bastanti ad extinguere quel dolore, ed alla parola danaro si sostituiscono le sensazioni piacevoli che una data quantità di danaro è capace di produrre” (Op. cit., pp. 449/450).A brilhante lição torna indiscutível não só a necessidade como também a possibilidade de reparação do dano moral, a ser fixada com base nas qualidades da vítima e do ofensor.A esse respeito, acórdão da lavra do então Desembargador Cezar Peluso: “A indenização por dano moral é arbitrável mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa” (in RT 706/67). E essa estimativa não pode levar em conta os parâmetros fixados no Código Brasileiro de Telecomunicações ou na Lei de Imprensa, dada a diversidade dos danos e de suas causas, previstos nessas normas.No caso, o valor deve ser fixado no equivalente, nesta data, a 100 salários mínimos. Não serve para enriquecer os autores, é certo, mas é compensação significativa pela dor e sofrimento já causados. E também é significativa, levando em consideração a necessidade, já adiantada, de dissuadir o ofensor de práticas semelhantes, sendo completamente injustificável o ocorrido, em vista da relevância dos cuidados com os corpos dos falecidos, uma característica, a propósito, exclusivamente humana. Por todo o exposto, e pelo mais que dos autos consta, decido, para julgar parcialmente procedente a demanda e condenar a Organização Social de Saúde Santa Marcelina – Hospital Geral Santa Marcelina do Itaim Paulista, a pagar aos autores o valor equivalente nesta data a cem salários mínimos, como indenização por danos morais, com juros de mora a partir da citação e correção monetária na forma da Lei 11960/09.Pela sucumbência, praticamente total, a ré arcará com o pagamento das custas e despesas processuais comprovadas e com os honorários advocatícios do patrono do autor, que fixo em 15% do valor da indenização, considerada a complexidade da causa e sua duração.Os autores arcarão com os honorários do patrono do Serviço Funerário de São Paulo, que fixo em 10% do valor da indenização, observando-se que são eles beneficiários da gratuidade.PRI.

Wilson Roberto
Wilson Robertohttp://www.wilsonroberto.com.br
Advogado militante, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Paraíba, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor, palestrante, empresário, Bacharel em Direito pelo Unipê, especialista e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é doutorando em Direito Empresarial pela mesma Universidade. Autor de livros e artigos.

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