Inaplicabilidade das medidas previstas nos artigos 4º e 5º da Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça a condenados por crimes de lavagem de dinheiro, contra a administração pública, hediondos e de violência doméstica contra a mulher.

Data:

A Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça recomenda que todos os Tribunais e magistrados brasileiros adotem medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.[1] Entre as medidas preventivas, destacam-se as regras dos artigos 4º e 5º, que permitem a concessão de certos benefícios prisionais.

Antes mesmo das alterações promovidas pela Recomendação CNJ nº 78/2020, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça já havia se posicionado no sentido de que os benefícios indicados nos artigos 4º[2] e 5º[3] da Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça não se aplicariam aos condenados por delitos equiparados a crimes hediondos.

Nesse sentido, o art. 5º-A da Recomendação CNJ nº 62/2020, incluído pela Recomendação CNJ nº 78/2020, passou a estabelecer o seguinte:

Art. 5-A. As medidas previstas nos artigos 4º e 5º não se aplicam às pessoas condenadas por crimes previstos na Lei nº 12.850/2013 (organização criminosa), na Lei nº 9.613/1998 (lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores), contra a administração pública (corrupção, concussão, prevaricação etc.), por crimes hediondos ou por crimes de violência doméstica contra a mulher.

Confira a seguinte ementa sobre a aludida decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PARCIAL CONHECIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, USO DE DOCUMENTO FALSO E RESISTÊNCIA. PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR EM VIRTUDE DO COVID-19. GRUPO DE RISCO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA BENESSE LEGAL. RECOMENDAÇÃO N. 62/2020 DO CNJ, ALTERADA PELA RECOMENDAÇÃO N. 78/2020. CONDENAÇÃO EM REGIME FECHADO POR CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO (TRÁFICO DE DROGAS). POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO TRATAMENTO ADEQUADO NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

  1. Parcial conhecimento do recurso. A questão da legalidade da fundamentação da prisão preventiva do agravante não será conhecida porque representa inovação recursal (esta matéria não foi debatida na decisão agravada).
  2. A recomendação contida na Resolução n. 62, de 18 de março de 2020, do CNJ não representa direito subjetivo à prisão domiciliar e, por conseguinte, não implica automática substituição da segregação preventiva do agente, mantida na sentença condenatória. É necessário que o eventual beneficiário do instituto demonstre: a) sua inequívoca adequação no chamado grupo de vulneráveis da COVID-19; b) a impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra; e c) risco real de que o estabelecimento em que se encontra, e que o segrega do convívio social, cause mais risco do que o ambiente em que a sociedade está inserida, inocorrentes na espécie.
  3. O fato do paciente pertencer a grupo de risco (asma), sem a comprovação da presença dos demais requisitos, quais sejam, “b) a impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra; e c) risco real de que o estabelecimento em que se encontra, e que o segrega do convívio social, cause mais risco do que o ambiente em que a sociedade está inserida”, não permite a revogação da sua prisão preventiva ou a concessão de prisão domiciliar. As instâncias ordinárias e o relatório médico revelam que o agravante recebeu, da equipe de saúde do estabelecimento prisional, o tratamento e os medicamentos necessários aos seus cuidados, quando apresentou uma crise asmática.
  4. Ademais, o agravante cumpre pena pela prática, dentre outros, de crime equiparado a hediondo (tráfico de drogas), o que impossibilita a prisão domiciliar em razão da pandemia relativa ao coronavírus, conforme entendimento desta Superior Corte de Justiça que vem considerando constitucionais as restrições impostas na Recomendação n. 78/2020 do Conselho Nacional de Justiça: A atual redação do Art. 5-A da Recomendação n. 62/CNJ, dispõe que “As medidas previstas nos artigos 4º e 5º não se aplicam às pessoas condenadas por crimes previstos na Lei n. 12.850/2013 (organização criminosa), na Lei n. 9.613/1998 (lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores), contra a administração pública (corrupção, concussão, prevaricação etc.), por crimes hediondos ou por crimes de violência doméstica contra a mulher. (Incluído pela Recomendação n. 78, de 15.9.2020) (AgRg no HC 610.013/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 09/12/2020, DJe 11/12/2020).
  5. Além do mais, quanto à matéria, vale a pena recordar as ponderações do eminente Ministro Rogério Schietti: […] a crise do novo coronavírus deve ser sempre levada em conta na análise de pleitos de libertação de presos, mas, ineludivelmente, não é um passe livre para a liberação de todos, pois ainda persiste o direito da coletividade em ver preservada a paz social, a qual não se desvincula da ideia de que o sistema de justiça penal há de ser efetivo, de sorte a não desproteger a coletividade contra os ataques mais graves aos bens juridicamente tutelados na norma penal (STJ – HC n. 567.408/RJ).
  6. Agravo regimental não provido.

(AgRg no RHC 147.983/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 14/06/2021)

[1] O documento pode ser acessado no seguinte endereço: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3246>

[2] Art. 4º Recomendar aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas: I – a reavaliação das prisões provisórias, nos termos do art. 316, do Código de Processo Penal, priorizando-se: a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco; b) pessoas presas em estabelecimentos penais que estejam com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, que estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus; c) prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa; II – a suspensão do dever de apresentação periódica ao juízo das pessoas em liberdade provisória ou suspensão condicional do processo, pelo prazo de 90 (noventa) dias; III – a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias.

[3] Art. 5º Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas: I – concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, nos termos das diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em relação às: a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência e demais pessoas presas que se enquadrem no grupo de risco; b) pessoas presas em estabelecimentos penais com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão de sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus; II – alinhamento do cronograma de saídas temporárias ao plano de contingência previsto no artigo 9º da presente Recomendação, avaliando eventual necessidade de prorrogação do prazo de retorno ou adiamento do benefício, assegurado, no último caso, o reagendamento da saída temporária após o término do período de restrição sanitária; III – concessão de prisão domiciliar em relação a todos as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução; IV – colocação em prisão domiciliar de pessoa presa com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19, mediante relatório da equipe de saúde, na ausência de espaço de isolamento adequado no estabelecimento penal; V – suspensão temporária do dever de apresentação regular em juízo das pessoas em cumprimento de pena no regime aberto, prisão domiciliar, penas restritivas de direitos, suspensão da execução da pena (sursis) e livramento condicional, pelo prazo de noventa dias; Parágrafo único. Em caso de adiamento da concessão do benefício da saída temporária, o ato deverá ser comunicado com máxima antecedência a presos e seus familiares, sendo-lhes informado, assim que possível, a data reagendada para o usufruto, considerando as orientações das autoridades sanitárias relativas aos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do novo coronavírus.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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