Lavanderia consumiu menos gás do que o mínimo contratado com a distribuidora
Constatado o descumprimento contratual por parte da adquirente dos produtos da distribuidora, aquela deve arcar com os ônus do seu inadimplemento.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou a Lavanderia Flor da Acácia Ltda. a pagar multa à Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda. De acordo com o TJMG, como foi “verificado o descumprimento contratual por parte da adquirente dos produtos da distribuidora, aquela deve arcar com os ônus do seu inadimplemento.”
A Décima Quarta Câmara Cível modificou decisão da 5ª Vara Cível da Comarca de Contagem (MG), reduzindo em 50% (cinquenta por cento) a multa, com a alegação de que o pagamento do valor integral geraria desequilíbrio contratual.
A distribuidora de gás, no mês de maio do ano de 2015, ajuizou demanda judicial contra a lavanderia pleiteando o recebimento de multa devido ao descumprimento do contrato.
De acordo com a Nacional Gás, restou firmado entre as partes, em fevereiro de 2013, o fornecimento de gás liquefeito de petróleo (GLP) num patamar determinado e o comodato de instalação de materiais e equipamentos.
Também de acordo com a distribuidora, uma das cláusulas obrigava a compradora, se não houvesse o consumo mínimo ou se fosse rompido o contrato antecipadamente, a pagar o volume faltante multiplicado pelo valor do GLP vigente à época.
Devido ao consumo baixo, a lavanderia contraiu uma dívida de R$ 85.806,60 (oitenta e cinco mil, oitocentos e seis reais e sessenta centavos), acrescida da despesa de R$ 4.818,40 (quatro mil, oitocentos e dezoito reais e quarenta centavos), referente ao desmonte e ao transporte do maquinário, o que totalizou R$ 90.625,00 (noventa mil, seiscentos e vinte e cinco reais).
A Lavanderia Flor da Acácia, em sua defesa, alegou que era cliente da distribuidora desde 2007, quando o fornecimento era feito pela antecessora, a Ultragás.
A lavanderia alegou que sempre consumiu volume de gás inferior ao contratado, sem qualquer penalidade. No entanto, em fevereiro de 2012, foi procurada por um representante da Nacional Gás, que a induziu a erro ao propor um novo contrato, pois não informou sobre a cláusula.
A distribuidora ajuizou recurso contra a decisão de primeira instância, que entendeu não ser cabível a aplicação da cláusula penal.
Cobrança pela metade
O relator, desembargador Valdez Leite Machado, considerou sem fundamento o argumento de que a lavanderia já tinha contrato com a distribuidora desde 2007, tendo em vista que a Ultragás e a Nacional Gás são empresas concorrentes e não parceiras ou do mesmo grupo econômico.
De acordo com o magistrado, não haveria razão para um representante da Nacional Gás procurar os clientes se a companhia já fosse fornecedora da mercadoria. Por isso, ele reconheceu o direito da distribuidora de receber o valor referente à cláusula penal.
O relator entendeu que a lavanderia passou a consumir produtos da distribuidora em 2013 e não em 2007, por um período de 36 (trinta e seis) meses. Entretanto, ele avaliou que era excessiva a quantia a ser paga pelo consumo abaixo do combinado, de uma só vez, e a quitação do débito causaria um desequilíbrio contratual. Assim ele reduziu a cobrança à metade do valor.
As desembargadoras Evangelina Castilho Duarte e Cláudia Maia votaram de acordo com o relator.
Apelação Cível 1.0079.15.028817-7/001 – Acórdão (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG)
Inteiro teor do acórdão:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO DE FORNECIMENTO DE GÁS GLP DE PETRÓLEO – AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONTRATAUAL – CONSUMO AQUÉM DO PACTUADO – DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL VERIFICADO – CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA – INCIDÊNCIA – VALOR EXCESSIVO – REDUÇÃO – POSSIBILIDADE.
– Verificado o descumprimento contratual por parte da adquirente dos produtos da autora, aquela deve arcar com os ônus do seu inadimplemento.
– Nos termos do art. 408 do CC, incorre o devedor na cláusula penal em caso de descumprimento de cláusula contratual previamente estabelecida entre as partes ou se constitua em mora.
– A multa, ou cláusula penal compensatória, deve obedecer ao princípio da proporcionalidade, cabendo ser adequada até mesmo com vistas a afastar o ganho injustificado de uma das partes contratante em prejuízo da outra.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0079.15.028817-7/001 – COMARCA DE CONTAGEM – APELANTE(S): NACIONAL GAS BUTANO DISTRIBUIDORA LTDA. – APELADO(A)(S): LAVANDERIA FLOR DA ACACIA LTDA -ME
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.
DES. VALDEZ LEITE MACHADO
RELATOR.
DES. VALDEZ LEITE MACHADO (RELATOR)
V O T O
Cuida-se de recurso de apelação interposto por Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda., contra a sentença de f. 146-147, integrada pela decisão de f.186-187, proferida pela MMa. Juíza da 5ª Vara Cível da Comarca de Contagem, que, nos autos da ação de cobrança de multa contratual ajuizada pela apelante em face de Lavanderia Flor da Acácia Ltda., julgou improcedente o pedido, condenando a autora no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.
Consubstanciado o seu inconformismo nas razões de f. 189-201, a autora busca a reforma da r. sentença, sustentando, em síntese, tratar-se de ação de cobrança de multa contratual decorrente de descumprimento do determinado na cláusula 12ª, item 10.7 do Contrato de Fornecimento de GLP e Comodato de Instalação BT 195/2013, firmado em 15-2-2013 entre as partes, no valor de R$90.625,00.
Aduz ser fantasiosa e desprovida de comprovação a alegação da apelada de que possuía relação jurídica com a apelante desde 2007, época em que esta fornecia GLP com a razão social “Cia Ultragás S/A”, e que em 2012 foi induzida a erro por seu representante legal, assegurando que as exigências de consumo mínimo e custos de instalação e desmontagem dos equipamentos não foram pactuadas.
Destaca que não houve comprovação das alegações trazidas pela apelada na peça de contestação, especialmente no tocante à suposta unicidade contratual da apelante com outra sociedade empresarial, desde os idos de 2007, porquanto ausente prova de que esta tenha incorporado a Brasilgás/Cia Ultragaz S/A.
Alega se tratar de empresa distinta da Cia Ultragaz S/A, cujo CNPJ é diverso, inexistindo qualquer relação societária com a aludida empresa, não sendo sequer a hipótese de empresas do mesmo grupo econômico, ao contrário, tratando-se de empresas concorrentes, de quem a recorrida adquiria produtos independentemente da recorrente, conforme se infere da fatura anexada aos autos referente ao ano de 2012 (f. 196). Assim, ressalta que, se considerar a hipótese de as empresas litigantes manterem relação comercial desde os idos de 2007, não haveria motivos para que a recorrente enviasse proposta da prestação de seus serviços para a recorrida em 2012.
Com tais fundamentos, afirma a apelante que o contrato que instrui a inicial ocorreu sem vício de consentimento ou qualquer outro que o maculasse, tendo a apelada tomado conhecimento integral de seus termos, com os quais se anuiu ao firmá-lo.
No tocante ao consumo médio previsto em contrato, alega que a quantidade de GLP estimada no contrato, de 450 kg mensalmente, foi aferida mediante a realização de cálculos com base em estudos do estabelecimento comercial da recorrida, com o seu devido acompanhamento e anuência, levando em consideração a dimensão dos equipamentos e as horas trabalhadas, não se tratando de imposição contratual, com vistas à vantagem indevida.
Concluiu ter cumprido integralmente as obrigações contratuais assumidas, estando evidenciado que a rescisão se deu por culpa exclusiva da apelada, pelo que, com respaldo nos artigos 389 e 422, ambos do Código Civil, pretende seja aplicada a multa prevista contratualmente, acrescida dos consectários legais, conforme valor apurado na inicial.
Requereu o provimento do recurso, para julgar procedente o pedido inicial.
A ré ofertou contrarrazões às f. 205-215, pugnando pelo desprovimento do recurso interposto pela autora.
É o relatório, em resumo.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e o recebo em ambos os efeitos.
Inicialmente, registro que, considerando que já estava em vigor o novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/15) quando foi publicada a sentença, os requisitos de admissibilidade do presente recurso serão examinados sob as regras da norma vigente, sendo esta a melhor interpretação que se extrai do art. 14 do novo CPC, in verbis:
A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Continua vigorando, portanto, o princípio do tempus regit actum, de modo que a nova lei não pode atingir os atos já praticados, em observância ao sistema de isolamento dos atos processuais.
Não obstante, embora a nova lei processual deva ser aplicada imediatamente aos atos e fatos ocorridos na sua vigência, aplicando-se assim aos processos em curso, devem ser respeitadas as situações jurídicas já consolidadas, realizadas na vigência da lei processual antiga, tratando-se referidos atos de direitos processualmente adquiridos.
Diante dessas considerações, passo ao exame do recurso.
Depreende-se dos autos que a autora ajuizou a presente ação aduzindo que, em 15-02-2013, as partes firmaram contrato de fornecimento de gás liquefeito de petróleo e comodato de instalações, tendo por objeto o fornecimento de GLP e granel pela Nacional Gás Butano à empresa ré, com prazo de vigência de três anos, conforme cláusula 8.1. Afirma que, na cláusula 10.7 as partes estabeleceram que, na hipótese da compradora, ao final dos meses de contrato, ou em caso de rescisão antecipada, não tiver consumido a quantidade mínima combinada de GLP, pagará a fornecedora a diferença do volume faltante, multiplicado pelo valor do GLP vigente à época.
Todavia, noticia a autora que a ré não vem consumindo a quantidade estipulada contratualmente, sendo que o status de seu consumo consta “em giro zero”, conforme tabela constante dos autos. Assim, pugna pelo recebimento da multa contratual avençada (cls. 10.7), pelos motivos expostos, bem como o pagamento das despesas pela desmontagem do equipamento e o seu traslado de volta para o estabelecimento da fornecedora (cls. 10.6).
Por fim, aponta a recorrente como total devido na monta de R$90.625,00, levando em consideração os parâmetros contratuais declinados.
Contestando o pedido, a requerida, por sua vez, alega que é cliente da autora desde os idos de 2007, e não de 2013, como consta da inicial, época em que a autora tinha outra denominação social (Cia Ultragás S/A), cuja contratação jamais previu consumo mínimo do produto negociado, sendo certo que sempre consumiu quantidade muito inferior daquela estabelecida pela autora como mínima, desde o início da contratação até os tempos atuais. Alega que, em 21-03-2012 o representante comercial da autora encaminhou proposta de fornecimento de GLP por um período de 36 meses, e que, embora a previsão de instalação de equipamentos, a requerida já os tinha instalados, não incidindo, portanto, os custos de instalação, bem como não havia nenhuma menção a patamar mínimo de consumo na proposta ofertada pelo representante da ré, tendo tomando conhecimento de tal exigência apenas com a rescisão do contrato, assim, defende que aludidas condições não foram avençadas. Assegura que consumiu 50% do produto disponibilizado e que a cobrança por produto que não consumiu é indevida.
A partir de tais considerações, o pedido foi julgado improcedente.
Pois bem.
Em primeira análise, deve-se considerar que consta dos autos o “Contrato de Fornecimento de Gás Liquefeito de Petróleo Granel e Depósito de Instalações”, f. 09-12, firmado pelas partes no ano de 2013, sem data expressa de dia e mês no documento, embora devidamente assinado pela autora e o representante legal da ré, Vicente Rodrigues dos Santos.
A propósito, todavia, cumpre ponderar que, ao exame da nota fiscal/fatura de f. 74 (n. 115319), constata-se a aquisição do produto da autora pela ré, pelo menos, a partir de 15-02-2013, corroborando a afirmação constante da inicial acerca da data de início da contratação. Logo, mencionada data deverá prevalecer em caso de reconhecimento de validade da respectiva avença.
Retomando o exame do contrato supramencionado, além da participação inequívoca de ambos os litigantes na sua celebração, consta daquele o prazo de validade de 60 meses, bem estabelecidas as regras para o consumo mínimo do produto negociado. Confira:
8.1. O prazo de vigência deste contrato é de 60 meses, a partir de sua assinatura, renovado automaticamente, por igual período, caso não seja denunciado, mediante aviso prévio por escrito, por qualquer das partes, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias do seu término, ou de cada renovação.
10.3. As partes determinam na hipótese da COMPRADORA, ao final dos 60 meses de contrato, ou em caso de rescisão antecipada não tiver consumido o mínimo de 27.000 KG de GLP, pagará a fornecedora à diferença do volume faltante, multiplicado pelo valor do GLP vigente à época.
À mesma época, foram firmados dois outros compromissos pelo representante legal da ré, quais sejam: “Auto de Depósito e Termo de Investidura de Fiel Depositário”, do qual consta o recebimento de 03 recipientes transportáveis de aço para GLP, identificado pela marca BUTANO, com descrição P190, além do Anexo I, com descrição dos materiais/equipamentos recebidos em comodato, f. 13-14.
Logo, evidenciada a instalação dos equipamentos de armazenamento do produto negociado na sede da empresa da requerida, mediante a assinatura do mesmo representante legal que assinou o contrato já declinado.
Por outro lado, confere-se que a ré, com o propósito de corroborar sua assertiva de ter sido induzida a erro na alteração da avença, alega que o contrato foi firmado desde os idos de 2007. Apresentou ainda um registro de manutenção preventiva realizado por Ultragaz/Brasilgás, emitido em 12-7-2007, empresa que a requerida alega ter contratado nos idos de 2007, apontando como antiga denominação social da autora (f. 67).
De igual modo, apresentou a ré uma proposta emitida pela autora em 21 de março de 2012, de fornecimento de GLP, com indicação do preço do produto e prazo de vigência da contratação por 36 meses, cujos termos reputa distinguir do contrato que instrui a petição de ingresso. Consta da aludida proposta o prazo de validade por 05 dias (f. 64-65).
Pois bem, a respeito do fato de a recorrida afirmar que mantinha contrato com a ré muito antes da contratação apresentada pela autora na inicial, sustentando, a partir de tal premissa, que foram modificadas as condições contratuais sem a sua anuência e que foi induzida a erro com a nova proposta do fornecimento do produto, importa registrar que não há comprovação nos autos de que a empresa Ultragaz ou Brasilgás, trata-se de antiga denominação social da autora ou do mesmo grupo econômico.
Anote-se que, além da ré não ter produzido prova acerca dos fatos alegados, pode-se constatar que as aquisições por parte da ré do produto da autora, a Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda., foram faturadas a partir de 15 de fevereiro de 2013, a exemplo da nota fiscal/fatura de f. 74-75, além daquelas dos meses subsequentes (f. 69-72).
Já as notas fiscais em nome da Cia Ultragaz S/A, consta dos autos uma fatura datada de março de 2013, f. 73, e as demais datam do ano de 2012 para trás, das quais não se extrai qualquer relação com a autora, sequer o endereço é comum, observando que as notas fiscais emitidas pela Ultragaz indicam seu endereço na cidade de Ibirité-MG, diferente daquele indicado pela autora, cuja filial indicada é na cidade de Betim-MG, o que se confirma por intermédio de seus contratos sociais.
Aliás, o exame criterioso dos atos constitutivos da autora, da 107ª ao 157ª alterações do contrato social, do período de 2003 a 2013 (f. 229-613), apresentados a pedido deste Relator, não se verifica qualquer indício da presença da Cia Ultragaz S/A na cadeia social de constituição da Nacional Gás, não tendo a requerida se desincumbido de fazer prova nesse sentido.
Mencionados atos constitutivos, apontam, inicialmente, suas filiais, no Estado de Minas Gerais, nas cidades de Juiz de Fora, Betim, Uberlândia e Governador Valadares, em 2003 (f. 26-34), e, em 2013, verificasse a exclusão da cidade de Governador Valadares, com o acréscimo de mais uma filial na cidade de Uberlândia, mantendo-se as demais filiais.
Aliás, embora não vislumbre a relevância da questão tendo em vista o que se extrai do cenário probatório, com o único propósito de rechaçar as alegações da requerida, importa concluir pela ausência de prova da vinculação jurídica entre a autora e a Cia Ultragaz S/A, com quem a requerida alega ter contratado desde os idos de 2007 e defende a manutenção das condições outrora contratadas, sem consumo mínimo, a despeito do contrato firmado em 2013. Ademais, sequer o contrato firmado com a aludida empesa (Ultragáz), a recorrida fez juntar aos autos.
Esgotada tal circunstância, deve-se pontuar que não há prova também que a ré foi induzida a erro por qualquer conduta da autora ou de seus representantes comerciais, como alegado, visto que o contrato foi firmado pelas partes com cláusulas contratuais claras, tendo o representante legal da ré chancelado todas as páginas do contrato, inclusive a que trata do prazo de vigência e a que estabelece o consumo mínimo ao final da contratação ou rescisão antecipada.
A respeito da proposta juntada pela ré (f. 64), deve-se considerar que esta, como já observado, foi emitida pela autora em 21 de março de 2012, com prazo de validade de 05 dias, estabelecendo, de fato, o prazo de 36 meses como prazo mínimo de vigência do contrato, diferente daquele efetivamente firmado pelas partes, em fevereiro de 2013, nada estabelecendo a respeito do consumo mínimo do produto a ser adquirido.
Ora, não desconhece este Julgador o preceito normativo contido no art. Art. 427 do Código Civil, dispondo que “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”.
Todavia, a proposta só surte efeitos jurídicos entre as partes se verificada a aceitação, de modo que vinculam aqueles que a expressa, nos exatos termos da expressão exteriorizada, dando validade ao negócio jurídico.
No caso concreto, a requerida não comprovou qualquer indício de ter aceitado as condições descritas na proposta ofertada inicialmente pela autora em 21 de fevereiro de 2012, no prazo de sua validade (5 dias). Aliás, é sabido que o contrato só foi firmado, efetivamente, em fevereiro de 2013, quase um ano depois da aludida proposta.
Logo, ressalvada a possibilidade de reconhecimento de excesso da multa contratual, a proposta que instrui a peça de contestação (f. 64) não tem o condão de vincular as condições lá ofertadas na relação jurídica estabelecida concretamente, mormente para modificar as condições efetivamente contratadas.
Assim sendo, não vislumbro motivos para desconsiderar o contrato firmado pelas partes, que instrui o pedido inicial, cujas regras se submetem a contratante.
A propósito:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENI-ZAÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFE-SA. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE GÁS LIQUE-FEITO DE PETRÓLEO (GLP). CLÁUSULAS DE EXCLUSIVIDADE E RENOVA-ÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO. LEGALIDADE. MULTA POR INFRAÇÃO CONTRATUAL. VALIDADE. I – A não produção de prova pericial, por ser desnecessária ao julgamento da lide que versa sobre questão exclusivamente de direito, não enseja a nulidade da sentença, haja vista que os elementos necessários ao convencimento do julgador estão presentes no contrato entabulado entre as partes. II – O fato de o contrato celebrado entre as partes conter cláusula de exclusividade relativa à aquisição do produto, bem como prevendo a renovação automática do pacto, não autoriza o rompimento do pacto de forma unilateral e em desrespeito ao teor das cláusulas contratuais instituídas e mutuamente aceitas pelas partes contratantes. III – A quebra injustificada do contrato, consistente na aquisição de gás a outro fornecedor, acarreta para o infrator o pagamento da multa expressamente estabelecida no instrumento contratual. E assim porque a cláusula penal tem caráter imperativo, destinando-se compelir o contratante a cumprir o avençado e também fixar antecipadamente o valor das perdas e danos devidos ao contraente inocente, no caso de não execução do ajuste.” (Apelação Cível 1.0024.12.085848-5/001, Relator: Des. Vicente de Oliveira Silva, 10ª Câmara Cível, julgado em 19/09/2017, com publicação no DJe de 29/09/2017)
Todavia, nota-se que a recorrida se insurge acerca do volume do produto estabelecido como quantidade mínima de consumo exigido ao final da contratação, como forma de penalidade pela aquisição de quantidade aquém daquela contratada, destacando que sempre trabalhou com volume muito aquém daquele exigido pela autora. De igual modo, deduziu pretensão em sede de contestação para a redução do seu “quantum”, com fundamento no art. 413 do Código Civil.
De certo que não se pode permitir o enriquecimento de um em detrimento do outro, sob pena de a multa contratual ganhar contornos de abusividade, bem como não se pode reduzir o valor avençado ao ponto de estimular o descumprimento da obrigação ajustada pelas partes.
A questão é estabelecer o equilíbrio entre as partes, pois a cláusula penal, analisado caso a caso, deve atender ao princípio da razoabilidade, sem significar locupletamento pelo credor, tão pouco, ou prejuízo para este.
É cediço que a redução da multa decorre de disposição de ordem pública, coibindo a iniquidade do indivíduo pela imposição de penas elevadas ou desproporcionais, evitando o enriquecimento imotivado, que o ordenamento jurídico proíbe.
Assim, a adequação do valor da pena prescinde de pedido do litigante interessado, podendo ser realizada de ofício pelo magistrado.
O contrato, por sua vez, estabelece, para a hipótese de rescisão contratual, como clausula penal compensatória, que, na hipótese da compradora, a ora ré, ao final dos 60 meses de vigência do contrato, ou em caso de rescisão antecipada, não tiver consumido o mínimo de 27.000 KG de GLP, pagará a fornecedora à diferença do volume faltante, multiplicado pelo valor do GLP vigente à época.
Tendo em vista o baixo consumo, a requerida apurou uma dívida, a título de multa pela ausência de consumo mínimo do produto, na cifra de R$85.806,60 e pela desmontagem antecipada dos equipamentos, na monta de R$4.818,40, totalizando a multa rescisória no valor de R$90.625,00.
De tal contexto, embora a pertinência da pretensão deduzida na petição inicial, porquanto se tratar de obrigação decorrente do contrato livremente firmado pelas partes, descumprido pela recorrida, exigindo a aplicação da penalidade pactuada (art. 408, CC), eventual verificação de excesso no pacto, cabível a sua redução.
Deve-se ponderar que a multa tendo por parâmetro o consumo mínimo, na modalidade contratada, não se revela desmedida ou aviltante, posto que praticados preços do kg do gás em conformidade com o volume contratado, sendo óbvio que a parte que se compromete a um consumo mínimo por mês ou por período da contratação, terá preços mais interessantes no mercado, levando em consideração a necessidade de sua atividade comercial.
Não obstante isso, levando em consideração o resultado final da multa cobrada e o tempo de efetiva execução do contrato, constata-se que a multa tornou-se excessiva no caso concreto.
Assim, fazendo um apanhado do contrato com o propósito de estabelecer os critérios na fixação da multa, observo que as partes celebraram o contrato em fevereiro de 2013, pelo prazo de 60 meses, e a rescisão ocorreu, segundo cálculos da autora, em 15-2-2015 (f.08), observando que foi manejada a demanda em maio de 2015, revelando-se correta a data indicada, não impugnada de modo específico pela ré, impondo concluir que os meses restantes, a partir de 12-2-2015, até 15-2-2018, resultam em 36 meses faltantes para o vencimento do prazo ajustado (60 meses).
Pelos cálculos da apelante, em face dos preços e quantidade mínima contratada para o período da contratação – 27.000 kg de GLP, tendo a ré, supostamente, consumido o correspondente a 998 kg de GLT, deixando de consumir a quantidade de 26.002 kg, considerando o preço do gás em R$3,30, apurou-se o “quantum” devido a título multa pelo critério de ausência do consumo mínimo, correspondente a R$85.806.60, além da desmontagem pelos equipamentos, R$4.818,40, f. 08.
O valor apurado pela autora, a título de consumo mínimo, representa, aproximadamente, 96,30% do “quantum” faltante para o término do contrato, embora a duração da avença tenha sido superior a 1/3 (um terço) do seu prazo total de vigência, revelando-se, a meu ver, substancialmente excessiva a multa cominada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, exigindo a aplicação do disposto no art. 413 do Código Civil, ‘in verbis’:
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”
Desse modo, verifica-se que o art. 413 do atual Código Civil determina a redução da cláusula penal em razão de dois fatos distintos, quais sejam: a) cumprimento parcial da obrigação; b) excessividade da cláusula penal. Quanto à primeira hipótese, nada mais é exigido, para que se opere a redução, além do cumprimento parcial da obrigação. Não há discricionariedade e o juiz deverá determinar a redução proporcional da cláusula penal em virtude do parcial cumprimento da avença. A recomendação de que se tenha em vista a ‘natureza’ e a ‘finalidade’ do negócio somente se aplica à segunda hipótese, de excessividade da cláusula penal. (Direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações / Carlos Roberto Gonçalves. – 12. ed. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 421).
A questão é estabelecer o equilíbrio entre as partes, pois a cláusula penal, analisada caso a caso, deve atender ao princípio da razoabilidade, sem significar locupletamento pelo credor, tão pouco, ou prejuízo para este.
Na hipótese versada nos autos, verificado o excessivo valor apurado pela autora ao final da multa compensatória, levando em consideração que o negócio entabulado na espécie – fornecimento de gás liquefeito de petróleo – seria pago ao longo dos meses e por período considerável, em valores bem menores se comparados à multa apurada, sem onerar substancialmente o devedor, com a cobrança de uma só vez. “In casu”, a incidência da penalidade prevista no contrato compromete sobremaneira a atividade do comerciante, levando em consideração, especialmente, o perfil da atividade desenvolvida pela requerida, a essencialidade do produto sob enfoque – gás liquefeito de petróleo – para a sua sobrevivência no mercado que atual (lavanderia), como o é para diversos estabelecimentos comerciais, sem falar para o uso doméstico.
Diante dessas considerações, entendo por bem reduzir a multa prevista na cls. 10.3 – critério do consumo mínimo, para 50% do valor a ser apurado nos termos previstos em contrato, em liquidação de sentença, considerando que previsão contratual da multa em destaque não é de fácil compreensão e cálculo, diante das variáveis de preço, e, em especial, o tempo de cumprimento do pacto e o efetivo consumo da recorrida. Deve-se considerar ainda que, como consumo mínimo da requerida ao longo da contratação, aquele apurado pela autora na inicial, de 998Kg de gás GLP, salvo na hipótese de se apurar consumo superior pela ré ao sobredito consumo indicado pela fornecedora. Por outro lado, por se tratar de fato comprovado, fixo o período restante da contratação, conforme fundamento constante deste “decisum”, entre a data de 15-2-15 a 15-2-2018, que corresponde a 36 meses restantes.
Mantenho, outrossim, a multa fixada pela desmontagem dos equipamentos tal como avençado pelas partes, na cls. 10.2, item V (f. 11), que também deverá ser apurada em liquidação de sentença, haja vista a impugnação apresentada pela requerida. Todavia, o critério a ser adotado é aquele estabelecido contratualmente, visto que comprovada a instalação dos equipamentos, cujo termo se apresenta chancelado pela ré, conforme já consignado neste julgamento.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso, para julgar procedente em parte o pedido formulado na incial, fixado a multa compensatória, a título de consumo mínimo em 50% sobre o valor a ser apurado segundo o critério estabelecido na cláusula 10.3, considerando como período restante da contratação entre 15-2-2015 a 15-02-2018, e o consumo mínimo pela requerida correspondente a 998 kg, ressalvado se quantia superior de consumo mínimo pela ré for constatada para efeitos de cálculo. Incidirá ainda a multa decorrente da desmontagem antecipada dos equipamentos, conforme estabelecido na cl. 102, item V, do mesmo ajuste.
Os valores deverão ser apurados em liquidação de sentença, e deverão ser atualizados com incidência de correção monetária, pelos índices da CGJ, a partir da publicação do presente julgamento, e juros de mora, de 1% ao mês, contados da citação.
Condeno as partes ao pagamento das custas processuais, inclusive recursais, na proporção de 60% a cargo da requerida e 40% de responsabilidade da ré. Arcarão as partes pelo pagamento dos honorários advocatícios dos patronos da parte contrária, equivalente a 15% sobre o valor da condenação, na mesma proporção fixada para o pagamento das custas, já considerando o disposto no art. 85, §§1º, 2º e 11º, do CPC/15.
DESA. EVANGELINA CASTILHO DUARTE – De acordo com o(a) Relator(a).
DESA. CLÁUDIA MAIA – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.”