Proprietário será indenizado por ter fazenda invadida por incêndio em canavial ao lado
Um proprietário de terra será indenizado em R$10.640,00 (dez mil, seiscentos e quarenta reais), por prejuízos materiais e transtornos de ordem moral, devido aos estragos causados em sua fazenda por um incêndio iniciado na propriedade vizinha. O dono do imóvel, que o arrendava à Usina Cerradão Ltda., e a empresa foram responsabilizados pelo ocorrido.
A Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) modificou decisão da Comarca de Frutal e condenou os réus de maneira solidária.
O fazendeiro alegou que sua propriedade rural se limita com área arrendada para a usina Cerradão para plantio de cana de açúcar. Na manhã de 29 de julho de 2010, identificou-se uma queima no canavial, provavelmente iniciada pelos funcionários da usina.
O demandante da ação judicial afirma que as chamas invadiram sua propriedade, destruindo cercas e pastagens. O incêndio foi controlado pelos caminhões-pipa da usina, porém inviabilizou a manutenção de 33 cabeças de gado, que tiveram que ser vendidas, com urgência, já que não havia alimento para elas.
Além da perda da cerca, para formar novamente o pasto, foi necessário comprar 2 sacos de semente da gramínea brachiaria, o que lhe custou a quantia de R$ 640,00 (seiscentos e quarenta reais). Ele alega também ter tido prejuízo pela morte de galinhas e de plantações no terreiro de casa, e que a mulher, que estava grávida, e os filhos entraram em pânico na ocasião.
Ao todo, ele reivindicou a condenação dos réus ao ressarcimento dos danos emergentes, no valor de R$ 16.460,00 (dezesseis mil, quatrocentos e sessenta reais).
O vizinho, por sua vez, se defendeu sob o argumento de que não existia prova de que o fogo se originou em sua propriedade, mesmo porque nela se praticava a colheita mecânica, como também alegou a usina. A empresa acrescentou que inspecionou o canavial no exato dia do incêndio.
A tese foi acolhida em primeiro grau, já que a Justiça entendeu que não restou comprovada a autoria nem a causa do incêndio. Além disso, o morador da fazenda próxima demonstrou que a colheita era mecanizada.
O juiz de direito considerou também que a usina não se beneficiou do incêndio na plantação, tendo em vista que o processamento da cana cozida tem custo mais elevado que o da crua. O fogo trouxe prejuízo à empresa e a colocou igualmente como vítima do ocorrido.
O proprietário rural apresentou recurso de apelação no TJMG. A relatora, desembargadora Shirley Fenzi Bertão, reformou a decisão. Segundo a magistrada, o depoimento da testemunha, funcionária da usina, não é suficiente para comprovar as alegações da empresa.
A relatora avaliou que é sabido serem comuns, naquela região, queimadas nas plantações de cana para facilitar seu aproveitamento na usina. Ficou comprovado também que a árvore responsável por levar o fogo até a propriedade do autor da ação estava caída dentro do canavial do vizinho.
A desembargadora ponderou que, mesmo utilizando-se colheita mecânica, a cana é de fácil combustão, o que obriga todos os que a cultivam a manter mecanismos para debelar qualquer tipo de incêndio.
Por isso, ela acatou o pedido quanto aos danos morais, estipulando-os em R$ 10.000,00 (dez mil reais). No entanto, considerando que os danos materiais só poderiam ser ressarcidos mediante a comprovação nos autos, limitou o valor aos dois sacos de semente para replantio do capim.
Os desembargadores Adriano de Mesquita Carneiro e Marcos Lincoln votaram de acordo com a relatora.
Da decisão cabe recurso.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0271.11.006990-0/002 – Acórdão (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG)
Inteiro teor do acórdão:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – PRELIMINAR – INOVAÇÃO RECURSAL – REJEITAR – AÇÃO INDENIZATÓRIA – INCÊNDIO CANAVIAL – PROPAGAÇÃO À IMÓVEL VIZINHO – DANOS MATERIAIS PARCIALMENTE COMPROVADOS – DANO MORAL – POSSIBILIDADE. – De acordo com o disposto no art. 1013, §1º, do NCPC, apenas constituirão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal as questões “suscitadas e discutidas no processo”, não se admitindo, portanto, inovação recursal. – Quando se trata de danos de ordem material, é indispensável a prova objetiva de sua ocorrência, não bastando mera expectativa, pois não se trata de dano hipotético, devendo fundar-se em bases seguras, como preceitua o art. 402 do Código Civil. – Para que haja caracterização do dever de indenizar, é imprescindível a evidência de uma circunstância gravemente injuriosa, relevante o suficiente para ocasionar ao ofendido dano em seu patrimônio moral, em razão de sentimento negativo causado por vexame, constrangimento, humilhação, dor. – Não há dúvida de que os estragos ocasionados ao imóvel do autor acarretou-lhe evidente sensação de insegurança, aflição, intranquilidade, medo, devendo ser indenizados também pelos danos imateriais.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0271.11.006990-0/002 – COMARCA DE FRUTAL – APELANTE(S): CHAUDES NEI PEREIRA – APELADO(A)(S): USINA CERRADÃO LTDA, JOÃO HEROS RIBEIRO ATANES
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO>.
DESA. SHIRLEY FENZI BERTÃO
RELATORA.
DESA. SHIRLEY FENZI BERTÃO (RELATORA)
V O T O
Trata-se de apelação interposta por CHAUDES NEI PEREIRA contra a sentença de ff.388/391, proferida pela MM. Juíza de Direito Pollyanna Lima Neves Lopo, da 1ª Vara Cível da Comarca de Frutal, que, nos autos da ação indenizatória por ele movida em face de Usina Cerrradão Ltda e João Heros Ribeiro Atanes, julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial, o que faço com fundamento no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil de 2015.
Condeno o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, atento aos elementos dispostos no art. 85, §2º, do CPC. Suspensa a exigibilidade, uma vez que lhe foram deferidos os benefícios da justiça gratuita.
Assim fundamentou o juiz sentenciante:
Por sua vez, a prova oral produzida (ff. 365/368) evidencia que o incêndio, na verdade, iniciou-se às margens da rodovia e posteriormente atingiu o canavial de propriedade e posse dos réus para, em seguida, atingir o imóvel da parte autora.
Conforme se infere, não é possível afirmar de forma segura que o incêndio teve início na terra de propriedade e posse dos réus.
Desse modo, o caderno processual carece de elementos aptos a configuração da responsabilidade civil, pois a prova oral produzida evidencia que o incêndio que atingiu a propriedade do autor não se originou efetivamente da propriedade e posse da parte ré.
Ressalta-se que, designada audiência de instrução, a parte autora deixou de produzir provas aptas a amparar a sua assertiva no sentido de que o incêndio teve início na plantação de cana da parte ré e não às margens da rodovia como alega a testemunha ouvida nos autos.
Não restou comprovada no feito a autoria do incêndio, cuja causa remanesce desconhecida, sendo que restou demonstrado que a colheita na fazenda da parte ré é mecanizada.
Assim, inexistem elementos que demonstrem a autoria por parte dos réus, bem como o nexo de causalidade entre a atividade-fim da parte ré e o incêndio.
Chaudes Nei Pereira, em suas razões recursais (ff.392/404), aduz, em suma, que a prova oral produzida em audiência de instrução e julgamento foi conclusiva em demonstrar que a apelada Usina Cerradão foi responsável pelo incêndio que acabou atingindo a propriedade do apelante.
Alega que o canavial arrendado para a apelada Usina Cerradão não fica às margens da rodovia.
Assevera que a propriedade do apelante é que fica às margens da rodovia e o canavial que foi incendiado fica do lado oposto, fazendo divisa pela parte de trás da propriedade.
Argumenta que o incêndio começou na propriedade dos apelados e posteriormente atingiu a propriedade do apelante.
Pondera que a testemunha do réu, bem como sua preposta afirmaram que “naquele ano houveram diversas queimadas nas plantações de cana da Usina Cerradão”.
Ressalva que pela prova produzida pela ré, é recorrente o fato das plantações de cana de açúcar dos apelados sofrerem incêndios criminosos justamente à época da colheita.
Ressalta que não há prova nos autos que a colheita da cana é feita de forma mecanizada.
Afirma que a colheita de cana de açúcar de forma manual, através de trabalhadores braçais é extremamente mais prática e menos onerosa que a colheita mecanizada e que a manual possui o requisito de haja a queima da palha da cana de açúcar em momento anterior ao início daquela colheita.
Esclarece que a prática de queimada é proibida e, por isso, as grandes usinas se utilizam de um suposto incêndio criminoso justamente à época de colheita da cana de açúcar.
Elucida que, ainda que os apelados não tivessem efetuado a queimada de forma direta, estes possuem responsabilidade de fiscalizar e garantir que não haja incêndio ou que este se propague.
Explica que as usinas devem realizar aceiros (desbastamento da vegetação de divisas) para evitar o alastramento de focos de incêndio.
Requer o provimento do recurso.
Sem preparo por litigar sob o palio da justiça gratuita.
Usina Cerradão apresentou contrarrazões às fls. 426/432, alegando, preliminarmente, a inovação recursal.
Joao Heros Ribeiro Atanes apresentou contrarrazões às fls. 434/439.
O apelante foi intimado para se manifestar quanto a preliminar de inovação recursal levantada em contrarrazões.
É o relatório.
Passo à análise do recurso.
PRELIMINAR
INOVAÇÃO RECURSAL
Alega a apelada, em contrarrazões, preliminar de inovação recursal, ao argumento de que o apelante não trouxe em sua inicial os seguintes argumentos:
A realização de incêndio em época de colheita com posterior colheita da cana de açúcar; vantagens na colheita de cana queimada conforme pesquisa EMBRAPA; vantagem na colheita da cana queimada; obrigação da usina em fiscalizar e impedir a realização das queimas; responsabilidade civil da usina apelada em indenizar danos decorrentes de incêndio; obrigação da realização de aceiros; indenização em casos análogos; obrigação de indenizar quando a usina se beneficia da queima da cana de açúcar.
Razão não assiste ao apelado.
Sabe-se que a admissibilidade dos recursos exige a observância dos requisitos intrínsecos, quais sejam, cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, assim como os extrínsecos, consistentes no preparo, tempestividade e regularidade formal.
De acordo com o disposto no art. 1013, §1º, do NCPC, apenas constituirão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal as questões “suscitadas e discutidas no processo”, não se admitindo, portanto, inovação recursal.
A propósito:
EMENTA: AÇÃO REVISIONAL – SENTENÇA CONFORME O PEDIDO – COMBATE – INOVAÇÃO RECURSAL – IMPOSSIBILIDADE.
A sentença conforme o pedido não é passível de combate por meio de matéria que representa flagrante inovação recursal. Recurso não provido. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.10.283362-1/001, Relator(a): Des.(a) Saldanha da Fonseca , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/01/2015, publicação da súmula em 05/02/2015)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DE DÉBITO. INOVAÇÃO RECURSAL – CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO. ILEGALIDADE DE NEGATIVAÇÕES PREEXISTENTES. FATO CONSTITUTIVO. ÔNUS DO AUTOR. COMUNICAÇÃO PRÉVIA. DEVER DA ADMINISTRADORA DO BANCO DE DADOS. – Não se conhece de parte de recurso que se traduza em inovação recursal. – Ao não comprovar o ajuizamento de ações contestando as negativações preexistentes, no momento oportuno, a parte autora deixa de observar o seu ônus probatório, de demonstrar o fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do novo CPC. – A responsabilidade pelo envio da notificação prévia ao consumidor para fins de inclusão de seu nome no cadastro de negativação é da empresa administradora do banco de dados e, não, do credor. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.11.287035-7/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/08/2016, publicação da súmula em 19/08/2016)
No caso vertente, o cotejo das razões recursais com as demais peças do caderno processual permite aferir que as questões acima referidas não podem ser consideradas como inovação recursal, uma vez que, independentemente de terem ou não feito parte do corpo da exordial, é certo que se tratam de argumentos que, ainda que não tenham sido trazidos pelo apelante em sua peça recursal, poderiam, eventualmente, fazer parte dos fundamentos utilizados pelo julgador para se chegar ao resultado do julgamento.
Assim, diferente do que faz crer o apelado (réu), verifica-se que não há que se falar em inovação do recorrente, motivo pelo qual rejeito a preliminar.
MÉRITO
Cuidam, os autos, de ação de indenização decorrente de incêndio ocorrido em propriedade rural, supostamente causado pelo requerido, o qual teria gerado danos materiais e morais ao seu proprietário.
Narrou, o autor, na exordial, que é proprietário de um imóvel rural lindeiro à fazenda de propriedade do requerido João Heros Ribeiro Atanes, a qual encontra-se arrendada para a ré Usina Cerradão para plantio de cana-de-açúcar; que no dia 29/07/2010, no período da manhã, foi visto os veículos da usina inspecionando o canavial, sendo que logo em seguida deu-se início a uma queima; que tudo leva a crer que o fogo foi colocado pelos funcionários da usina; que o fogo transcendeu ao canavial e invadiu a propriedade do autor, danificando cercas e pastagens, entre outros objetos que estavam no local; que o incêndio foi controlado pelos caminhões pipa da usina, quando já havia causado prejuízos de grande monta às propriedades vizinhas; que sua esposa, grávida, e seus filhos entraram em estado de pânico; que trabalha com compra e venda de gado, sendo que naquela ocasião existiam 33 cabeças de gado que tiveram que ser vendidas, com urgência, pois não havia, devido ao incêndio, pastagem disponível para mantença destes gados, causando-lhe um prejuízo de R$5.000,00; que grande parte de sua cerca foi destruída pelo fogo, causando-lhe um prejuízo em torno de R$8.343,00 mais R$2.000,00 de mão de obra; que o pasto foi todo queimado e para ser novamente formado, foi necessária a aquisição de dois sacos de brachiara, o que lhe custou a quantia de R$640,00; que teve prejuízo em razão da morte de várias galinhas e plantações que existia no terreiro de sua casa; que experimentou danos morais, os quais devem também ser ressarcidos.
Requereu a condenação dos réus ao ressarcimento dos danos emergentes, no valor de R$ 16.460,00; e dos danos morais.
Joao Henrique de Andrade apresentou defesa às ff. 40/45v por meio da qual arguiu, preliminarmente, a ilegitimidade ativa e passiva e, no mérito, sustentou que o incêndio sobre o canavial teve origem desconhecida e provavelmente criminosa; que na época dos fatos a colheita da cana pelos funcionários da Usina estava sendo feita mecanicamente; que tanto o condomínio agrícola quanto a Usina Cerradão não adotam o fogo como método facilitador e preparador da colheita de cana de açúcar justamente em razão dos prejuízos ambientais; que os supostos danos materiais não restaram devidamente comprovados; que não há que se falar em indenização por danos morais.
Usina Cerradão apresentou contestação às fls. 110/115 alegando que a produção da cana de açúcar implantada na propriedade, cuja palha restou queimada, estava sendo explorada em regime de parceria agrícola firmada entre o proprietário do imóvel que confronta com a propriedade do pai do requerente, com terceiros, existindo com a Usina requerida apenas um contrato de fornecimento da cana de açúcar ali produzida para a industrialização de álcool e açúcar; que não tinha qualquer responsabilidade sobre o imóvel; que em momento algum a queimada foi colocada por seus funcionários, inexistindo qualquer ato ilícito da sua parte; que na época dos fatos a colheita dessa cana estava sendo feita mecanicamente, tanto que o próprio requerente afirma a existência de veículos inspecionando o canavial; que o incêndio iniciou-se às margens da rodovia, vindo posteriormente avançar sobre o canavial e atingir a propriedade do requerente; que foram observadas todas as medidas protetivas para a realização da colheita da cana, com a correta manutenção dos asseiramentos limítrofes do canavial, objeto da colheita, bem como dos limítrofes do imóvel rural; que não há prova dos danos materiais nem morais.
Contestação apresentada pelos réus Florêncio Queiroz Neto, Jose Pedro de Andrade e Raphael Queiroz Neto às fls. 167/172.
João Heros Ribeiro Atanes, em sua contestação (fls. 266/274), alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que o imóvel de sua propriedade, à época, foi dado em parceria agrícola à Usina Cerradão. No mérito, alegou que o incêndio ocorrido teve origem desconhecida e provavelmente criminosa; que não há provas do dano material, nem moral.
Sentença de fls. 293/294 reconhecendo a ilegitimidade ativa do autor, tendo este Tribunal de Justiça reformado a decisão, conforme acórdão de fls. 347/351.
Decisão saneadora (fls. 354/357) reconhecendo a ilegitimidade passiva dos réus Florencio Queiroz Neto, Jose Pedro de Andrade, Raphael Queiroz Neto e João Henrique de Andrade. A preliminar de ilegitimidade passiva do réu Joao Heros Ribeiro Atanes foi rejeitada.
Audiência de instrução e julgamento realizada às fls. 365/368.
Sobreveio sentença de improcedência do pedido, sendo este o objeto do presente recurso.
Pois bem.
Inicialmente, cumpre salientar que é fato incontroverso, nos autos, que a propriedade do autor foi tomada pelo fogo que atingiu, inicialmente, o canavial vizinho.
Cinge-se, o cerne da questão, então, à análise da responsabilidade dos réus em razão do fogo que atingiu a propriedade do autor.
Para tanto, aplica-se a distribuição do ônus da prova, prevista no artigo 373, do Código de Processo Civil, segundo o qual, incumbe ao autor comprovar o fato constitutivo do seu direito (inciso I), e ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito (inciso II).
A fim de comprovar os fatos constitutivos de seu direito, o autor produziu provas documentais, dentre elas o Boletim de Ocorrência de fl. 10/11, notificação enviada à Usina Cerradão (fl. 16), Fotografias (fls. 19/23 e orçamentos (fls. 24/25).
Sobre os fatos, desde a contestação, os réus negam ser sua a responsabilidade pelo incêndio que atingiu o imóvel de propriedade do autor, já que, segundo eles, este foi de origem criminosa.
Todavia, apesar de os réus insistirem que não possuem responsabilidade sobre o incêndio corrido, o fato é que compulsando as provas dos autos, agregando às convicções, experiências profissionais e de vida, tenho que sem razão os requeridos.
Isso porque, como se sabe, à época dos fatos, a prática de queimada para colheita de cana de açúcar era comum e indiscriminadamente utilizadas pelas usinas, já que a fiscalização, principalmente em cidades de interior, não era tão assídua.
Ressalta-se que seria de fácil comprovação a Usina demonstrar que a colheita era feita pelo processo mecanizado, o que não ocorreu, sendo certo que o depoimento pessoal da ré e de uma testemunha, funcionária da ré, não são convincentes o suficiente para tanto.
Soma-se a isso o fato de que, no feito de número 1.0271.11.010578-7/001, julgado por esta relatora, as testemunhas ouvidas afirmaram que a Usina promovia queima monitorada da cana.
(…) que o depoente se recorda de que na época da queimada a usina Cerradão promoveu a queima da cana e na propriedade havia uma árvore queimando, árvore que estava na beira do canavial, perto da estrada; que no dia seguinte essa árvore continuava a queimar, e dois dias depois da queimada da cana ‘o fogo pulou a estrada’; (…) que perguntado ao depoente se todos falavam que o início do fogo tinha vindo do canavial e da árvore queimada, respondeu: ‘todos doutor sabiam de onde tinha vindo o fogo’ (…) (testemunha Dinomar Souza do Carmo).
(…) que a usina botou fogo na cana no domingo a noite, quando começava a escurecer; que no dia seguinte, o depoente saiu de casa para ir até a casa de seu pai e usou a estrada que vai para o Cem, e quando passou perto do canavial viu uma árvore seca que havia caído depois do fogo, e ficou um pedaço em brasa esfumaçando; que na terça-feira provavelmente levou esse fogo pra o outro lado, o que teria dado início ao incêndio (…); que era consenso entre as pessoas que estavam ali que o inicio do incêndio teria sido provocado por brasas ou fogo dessa árvore seca a que o depoente fez referência; que as pessoas presentes concordavam com essa ideia; que a árvore a que se refere ficava do outro lado da estrada, ‘meia dentro do canavial’ (…) (testemunha Geter Borges).
Dessa forma, verossímil a alegação do autor de que a Usina ré, usualmente, utilizava da prática de queimada para colheita de cana.
Ademais, ainda que não se reconheça que a Usina utilizava-se da prática de queimada para colheita de cana, bem como que o incêndio originou-se no canavial, é certo que o fogo se alastrou dentro da área arrendada pela usina, atingindo, posteriormente, a propriedade do autor.
Ora, diante de todo histórico de incêndio dentro do canavial (ainda que de forma criminosa), fato este confirmado pela testemunha e preposta da ré (Depoimento Poliana, 2 min – mídia em anexo -) bem como pela testemunha Waldemar (1min 10s) e, considerando-se que incêndios são comuns nas regiões canavieiras, principalmente porque a cultura de cana de açúcar é altamente suscetível à combustão, mesmo nas áreas mecanizáveis, o produtor, ciente de que a queima pode ocorrer de forma involuntária, por ação da natureza, ou de terceiros, de forma acidental ou maliciosa, deve acautelar-se, mantendo ininterruptamente equipes de vigilância devidamente treinadas e equipadas para o controle da propagação do fogo, além da introdução de aceiros e carreadores ao redor das áreas.
Todavia, a Usina ré não comprovou que implementou medidas para a prevenção da propagação do fogo em caso de incêndio, motivo pelo qual deve ser responsabilizada pelos fatos ocorridos.
Ressalta-se que ainda que haja parceria agrícola para fornecimento de cana de açúcar à Usina ré, é certo que a área é de responsabilidade desta (depoimento Waldemar, 4min30s), bem como que a colheita é realizada por esta, conforme por ela mesma afirmado (depoimento Poliana, 053s), motivo pelo qual não há que se afastar sua responsabilidade pelos fatos ocorridos.
Da mesma forma, não há que se afastar a responsabilidade do proprietário do terreno arrendado, já que este entregou o imóvel rural ao parceiro para o desenvolvimento da cultura de cana-de-açúcar, e, portanto, não tem somente o direito de partilhar os frutos, produtos ou lucros havidos, mas também o ônus de partilhar os riscos do empreendimento agrícola, respondendo solidariamente pelos danos causados a terceiros.
Dito isso, cumpre esclarecer que, regra geral, a caracterização da exigibilidade de pretensão indenizatória está condicionada à presença de três requisitos, quais sejam, ato ilícito, dano e nexo de causalidade entre um e outro. Ausente apenas um deles, o direito à indenização deve ser negado.
O art. 186 do Código Civil de 2002 assim dispõe:
Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Por sua vez, o art. 927 do Código Civil prescreve que:
Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Segundo ensina Silvio Rodrigues:
[…] para a configuração da responsabilidade civil, é necessária a composição dos seguintes pressupostos: I) ação ou omissão do agente; II) culpa do agente; III) relação de causalidade; IV) dano experimentado pela vítima”. (Direito civil: responsabilidade civil. 32.ed.,São Paulo: Saraiva, 2002, p. 13).
Assim, demonstrados (i) o ato omissivo do réu, consubstanciado na conduta negligente de não conseguir prevenir a propagação do fogo para o terreno vizinho, (ii) o dano, advindo das lesões, psicológicas e materiais infligidas ao autor e o (iii) nexo causal entre esses elementos, configurada está a responsabilidade do recorrente pela indenização dos abalos sofridos.
Conforme ensina Sergio Cavalieri Filho, “a partir do momento em que alguém viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. (Cavalieri Filho, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª. Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2007).
Demonstrada a existência da responsabilidade civil, passo à análise das demais alegações do recorrente.
Danos emergentes
Verificada a conduta ilícita das rés, resta-nos saber se há danos materiais a serem indenizados.
Para tanto, aplica-se a distribuição do ônus da prova, prevista no artigo 373, do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual, incumbe ao autor comprovar o fato constitutivo do seu direito (inciso I), e ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito (inciso II).
No presente caso quanto à extensão dos danos, é de se anotar que a despeito das fotografias de fls. 19/23 não possuírem data, a testemunha da ré afirmou, categoricamente, que o incêndio atingiu os mourões das cercas do imóvel do autor, bem como o pasto (depoimento Waldemar, 5min10s, 6min 55s).
Assim, tendo o fogo atingido o pasto, por óbvio restou impossibilitado que os gados dela se utilizassem.
Todavia, a despeito de o fogo ter atingido o pasto, não há prova do efetivo prejuízo sofrido no que diz respeito às cabeças de gado, sendo certo que, quando se trata de danos de ordem material, é indispensável a prova objetiva de sua ocorrência, não bastando mera expectativa, pois não se trata de dano hipotético, devendo fundar-se em bases seguras, como preceitua o art. 402 do Código Civil.
Assim, tenho que, quantos aos danos materiais somente os relativos ao pasto e às cercas restaram comprovados, conforme depoimento da testemunha do autor, as fotos de fls. 19/23, bem como os documentos de fls. 24/25, que não foram desconstituídos pela ré.
Danos morais
Sobre o tema, elucida Flávio Tartuce:
Os direitos da personalidade têm por objeto os modos de ser, físicos ou morais do indivíduo e o que se busca proteger com eles são, exatamente, os atributo específicos da personalidade, sendo personalidade a qualidade do ente considerado pessoa. Na sua especificação, a proteção envolve os aspectos psíquicos do indivíduo,além de sua integridade física, moral e intelectual, desde a sua concepção até a sua morte. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. 2009, p. 163.)
No caso dos autos, a amplitude do susto sofrido pelo autor e seus familiares, ultrapassa o mero dissabor do dia a dia, a que todos estamos sujeitos.
Assim, a meu ver, é indiscutível o dano moral causado ao autor, já que evidente que um incêndio que destrói cercas e área de pastagem, ainda que sem danos físicos, é capaz de lhe gerar angústia, traumas, medo e tristeza.
Isso posto, diante da configuração dos danos morais infligidos ao recorrido, resta analisar o quantum a ser arbitrado a título de indenização.
A dificuldade inerente à fixação da compensação por danos morais reside no fato de a lesão a bens meramente extrapatrimoniais não ser passível de exata quantificação monetária, vez que seria impossível determinar o exato valor da honra, do bem estar, do bom nome ou da dor suportada pelo ser humano.
Não trazendo, a legislação pátria, critérios objetivos a serem adotados, a doutrina e a jurisprudência apontam para a necessidade de cuidado, devendo o valor estipulado atender de forma justa e eficiente a todas as funções atribuídas à indenização: ressarcir a vítima pelo abalo sofrido (função satisfativa) e punir o agressor de forma a não encorajar novas práticas lesivas (função pedagógica).
Tomando-se por base aspectos do caso concreto – extensão do dano, condições socioeconômicas e culturais das partes, condições psicológicas e grau de culpa dos envolvidos – entendo que o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) faz jus às funções compensatória e punitiva da indenização por dano moral.
Diante do exposto, REJEITO a preliminar, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais e condenar os réus, Usina Cerradão Ltda e João Heros Ribeiro Atanes, solidariamente, a pagarem ao autor os danos materiais emergentes por ele sofridos, no valor de R$640,00 (seiscentos e quarenta reais) a ser corrigido desde 05/04/2011 e R$ 8.343,00 (oito mil trezentos e quarenta e três reais) que deverá ser corrigido desde 01/03/2011, ambos acrescidos de juros de mora desde a citação. Condeno os réus, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser corrigido pelo índice adotado pela Corregedoria-Geral de Justiça a contar desta data, e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) a partir do evento danoso.
Diante do resultado do presente julgamento, condeno o autor a pagar 30% e o réu 70% das custas e honorários, incluindo os recursais, estes ora fixados em 10% sobre o valor da condenação, e, nos termos do artigo 85, §§1º e 11º do CPC, majoro-os para 12%, suspensa a exigibilidade do autor por litigar sob o palio da justiça gratuita.
<>
DES. ADRIANO DE MESQUITA CARNEIRO – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. MARCOS LINCOLN – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO”