“Há nos autos elementos suficientes que dão indícios de que as edificações erguidas verticalmente ao longo da orla marítima do Município de Vila Velha/ES têm ocasionado danos irreparáveis ao meio ambiente”. A partir dessa constatação, a Oitava Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) decidiu confirmar a sentença que determinou à municipalidade que suspenda a concessão de licenças e/ou autorizações para empreendimentos na orla de Vila Velha, até que sejam apresentados ao Juízo, de maneira clara, os parâmetros concretos das limitações e dos critérios que serão utilizados pelo Município em relação a esses novos projetos, a fim de aferir a questão do sombreamento da faixa litorânea.
E era esse mesmo o objetivo da Ação Civil Pública: obrigar o Município a se abster de aprovar novos empreendimentos na orla, salvo quando comprovadamente não for promover qualquer sombreamento da praia até às 17 horas, no mínimo, tendo como referência o primeiro dia do inverno (21 de junho). A demanda foi motivada, segundo o Ministério Público Federal (MPF), pela urbanização da região costeira de Vila Velha que se consolidou sem qualquer diagnóstico acerca dos respectivos impactos urbanos, o que culminou na construção de edifícios que acarretam o sombreamento precoce da faixa de areia ao longo do dia.
No TRF2, o relator do processo, desembargador federal Guilherme Diefenthaeler, entendeu que a sentença revela-se ponderada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. “A decisão se encontra adequada, fazendo incidir dentre os princípios do Direito Ambiental, os da precaução e da prevenção, visando a preservação ambiental da região afetada, para exigir a apresentação de estudos relacionados ao impacto no sombreamento da praia de todos os empreendedores que pretendam erguer edifícios na orla do Município de Vila Velha, inclusive daqueles que possuem requerimentos administrativos em trâmite, pendentes de aprovação”.
Em seu recurso, o Município chegou a sustentar que a decisão “implica indevida interferência do Judiciário no Poder Executivo Municipal, configurando medida frontalmente contrária ao princípio da separação dos poderes”. Entretanto, a forma como o MPF aborda a questão convenceu o juízo. “Tal medida demonstra que o Poder Judiciário não está se imiscuindo na seara do mérito administrativo, pelo contrário, deixou a cargo do Município de Vila Velha/ES a fixação dos critérios concretos para impedir o sombreamento da faixa litorânea, limitando-se a verificar sua efetividade e eficiência”, transcreveu o magistrado.
“Cuida-se de providência temporária e adequada, que permanecerá eficaz enquanto a municipalidade não demonstrar ao Juízo singular que está se utilizando dos parâmetros eficientes para impedir futuros danos ambientais, através de Estudo de Sombreamento da Praia”, finalizou Diefenthaeler.
Processo 0004475-79.2015.4.02.0000 – Acórdão
Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2)
Ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR DEFERIDA. DANOS AMBIENTAIS. DETERMINAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PELA MUNICIPALIDADE DE ESTUDOS RELACIONADOS AO IMPACTO NO SOMBREAMENTO DA PRAIA. SUSPENSÃO DE CONCESSÃO DE LICENÇAS E/OU AUTORIZAÇÕES NOVOS EMPREENDIMENTOS ATÉ ESCLARECIMENTO DE CRITÉRIOS. DECISÃO NÃO TERATOLÓGICA. INTERFERÊNCIA DO JUDICIÁRIO. EXCEPCIONALIDADE QUANDO OMISSO ENTE DA FEDERAÇÃO NO EXERCÍCIO DE POLÍTICA PÚBLICA ESSENCIAL. PRECEDENTES STF E STJ. RECURSO IMPROVIDO. 1-Trata-se de Agravo de Instrumento visando à reforma de Decisão que deferiu a liminar requerida pelo MPF que, entre outras questões, determinou no item “b” do decisum que o Agravante “suspenda a concessão de licenças e/ou autorizações de novos empreendimentos situados na orla do Município de Vila Velha, até que sejam apresentados a este Juízo, de maneira clara, os critérios que serão utilizados para aferir a questão relativa ao sombreamento da faixa litorânea.” 2- Esta Corte tem deliberado que apenas em casos de decisão teratológica, fora da razoabilidade jurídica, ou quando o ato se apresenta flagrantemente ilegal, ilegítimo e abusivo, justificaria a reforma pelo órgão ad quem, em Agravo de Instrumento. E, nesse contexto, a ilegalidade da decisão deve ficar clara e inequívoca, pois, do contrário, tudo deve ser resolvido ao final, no bojo da sentença e pode ser examinado pelo Tribunal competente, em grau de recurso. 3- In casu, não assiste razão ao Agravante, vez que a decisão agravada apreciou a questão com razoabilidade suficiente, não podendo ser caracterizada como teratológica, irrazoável, ilegal ou abusiva, pelo que não resta cabível sua substituição por outra decisão, ainda que prolatada por Órgão Colegiado. 4- Ao Poder Judiciário cabe apenas apreciar a legalidade e constitucionalidade dos atos praticados pela Administração, a fim de que seja preservada a autonomia administrativa de órgãos públicos e mantido inviolável o Princípio Constitucional da Separação dos Poderes, insculpido no art. 2º da CRFB. Todavia, em situações excepcionais, como na hipótese, em que 1 o Ente da Federação mostra-se totalmente omisso no seu exercício de política pública essencial, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o Judiciário pode determinar a adoção de medidas assecuratórias do direito constitucionalmente essencial, sem que isso configure violação ao referido Princípio Constitucional. 5- Considerando a relevância na órbita do direito ambiental em que restou institucionalizado o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225 da CF/88) e que há nos autos elementos suficientes que, a princípio, dão indícios de que as edificações erguidas verticalmente ao longo da orla marítima do Município de Vila Velha/ES tem ocasionado danos irreparáveis ao meio ambiente e ao patrimônio público da União, à evidência, o excessivo sombreamento da praia, impõe-se a manutenção das medidas adotadas pelo Juízo de Origem com o deferimento da liminar em face do ora Agravante. 6- A decisão se encontra adequada, fazendo incidir dentre os princípios de direito ambiental, os da precaução e da prevenção, visando a preservação ambiental da região então afetada, para exigir a apresentação de estudos relacionados ao impacto no sombreamento da praia de todos os empreendedores que pretendam erguer edifícios na orla do Município de Vila Velha, inclusive daqueles que possuem requerimentos administrativos em trâmite, pendentes de aprovação. Também, ato contínuo, a decisão, revelando-se ponderada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que deve se dar em benefício do meio ambiente, determinou a suspensão da concessão de licenças e/ou autorizações de novos empreendimentos situados naquela orla marítima até que sejam apresentados ao Juízo, de maneira clara, os critérios que serão utilizados para aferir a questão relativa ao sombreamento da faixa litorânea. 7- Agravo de Instrumento improvido. (TRF2 – Processo 0004475-79.2015.4.02.0000 – Classe: Agravo de Instrumento – Agravos – Recursos – Processo Cível e do Trabalho Órgão julgador: 8ª TURMA ESPECIALIZADA. Data de decisão 15/04/2016. Data de disponibilização 20/04/2016. Relator: GUILHERME DIEFENTHAELER)