A 4ª Turma do STJ entendeu que a regra da impenhorabilidade do bem de família só é aplicável quando não há violação do princípio da boa-fé objetiva. Assim, negou provimento ao recurso de uma proprietária de apartamento que invocava tal impenhorabilidade de bem dado em garantia de empréstimo para empresa pertencente a uma das donas do imóvel.
Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, “não se admite a proteção irrestrita do bem de família se esse amparo significar o alijamento da garantia após o inadimplemento do débito, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais”.
Narram os autos que uma das proprietárias pegou emprestado R$ 1,1 milhão no banco para formar capital de giro na empresa da qual é a única dona. Ela ofereceu o imóvel como garantia, que possui outra co-proprietária, mas ambas assinaram voluntariamente o contrato de alienação fiduciária.
Diante da inadimplência da empresária, o banco entrou com o pedido de execução da garantia. As proprietárias propuseram ação cautelar e conseguiram liminarmente afastar temporariamente as consequências do inadimplemento. O juízo de primeira instância julgou o pedido de nulidade do contrato de garantia improcedente, cassando a liminar. O TJDF manteve a sentença, dizendo que o contrato não possui nenhum defeito e que é inválido o argumento de que o dinheiro recebido não reverteu em favor da família.
As recorrentes alegaram ao STJ que uma das proprietárias não é sócia da empresa e foi beneficiada pelo empréstimo. Por isso, pediram o reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel, por ser bem de família, e a declaração de nulidade da hipoteca instituída sobre ele.
No entanto, o relator destacou que a proteção legal conferida ao bem de família não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, que o único imóvel residencial é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida salvo as exceções legais ou quando há violação da boa-fé objetiva.
Para ele, “o abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário devem ser reprimidos, tornando ineficaz a norma protetiva, que não pode conviver, tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico”. O ministro esclareceu que, segundo entendimento firmado pela 3ª Turma no REsp 1.141.732, é determinante a constatação da boa-fé do devedor para que se possa reconhecer a proteção da impenhorabilidade prevista em lei.
E destacou: “O uso abusivo desse direito, com violação ao princípio da boa-fé objetiva, não deve ser tolerado, devendo, assim, ser afastado o benefício conferido ao titular que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico […] A boa-fé contratual é cláusula geral imposta pelo Código Civil, que impõe aos contratantes o dever de honrar com o pactuado e cumprir com as expectativas anteriormente criadas pela sua própria conduta”.
E concluiu dizendo que, “vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, consequência ulterior, prevista, inclusive, na legislação de regência”.
Processo: REsp 1559348
(Com informações do Superior Tribunal de Justiça)