A 3ª Turma do STJ entendeu ser cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória em fase de saneamento que trata sobre o enquadramento fático-normativo da relação jurídica e sobre questão de mérito sobre prescrição ou decadência. A decisão foi dada em recurso de uma empresa de transportes contra a decisão do TJRJ que não conheceu de seu agravo de instrumento.
A companhia alegou violação do CPC (art. 1.015, II), segundo o qual cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versem sobre o mérito do processo. E disse que a definição da legislação aplicável (CDC ou Código Civil) é questão de mérito.
No acórdão recorrido, o tribunal regional destacou a taxatividade do dispositivo, e disse que “a decisão que entende pela existência de relação de consumo e, consequentemente, pela incidência da Lei 8.078/1990 ao caso concreto não pode ser enquadrada como interlocutória que verse sobre mérito do processo”.
No STJ, a ministra relatora, Nancy Andrighi, ressaltou a diferença entre o mérito da questão (pedido elaborado pela parte em juízo) e o enquadramento fático-normativo da causa de pedir (relação jurídica).
Em sua visão, “as decisões interlocutórias que versam sobre o mérito do processo têm natural aptidão para a definitividade, isto é, formarão coisa julgada material se porventura não forem impugnadas imediatamente, ao passo que o enquadramento fático-normativo, em regra, é suscetível de mutação na medida em que se aprofunda a cognição judicial, podendo ser objeto de ampla modificação ou correção pelo tribunal, se necessário, por ocasião do julgamento do recurso de apelação eventualmente interposto contra a sentença que julgará o mérito do processo.”
Ela reconheceu que “O enquadramento fático-normativo da relação de direito substancial havida entre as partes como sendo de natureza consumerista, por si só, não diz respeito ao mérito do processo”. Mas destacou a estabilidade da questão se a ela estiver associada o exame de outra questão com aptidão para a definitividade, como acontece com a prescrição, “que, pronunciada ou afastada, reconhecidamente versa sobre o mérito do processo e, como tal, pode ser acobertada pelo manto da preclusão ou da coisa julgada material se da decisão interlocutória não for interposto o respectivo recurso”.
A relatora salientou que, diante de decisão sobre a existência de prescrição ou decadência, o enquadramento fático-normativo se incorpora ao mérito do processo, “pois não é possível examinar a prescrição sem que se examine, igual e conjuntamente, se a causa se submete à legislação consumerista ou à legislação civil”.
E finalizou: “Dizer o contrário, aliás, geraria uma paradoxal situação: o exame da prescrição, objeto de decisão interlocutória anterior, deve ser impugnado por agravo de instrumento sob pena de preclusão ou fará coisa julgada material (e se tornará imutável após o esgotamento das vias recursais), mas o enquadramento fático-normativo da relação mantida entre as partes, que confere suporte à prescrição, poderia ser futuramente modificado, em julgamento de recurso de apelação.”
Processo: REsp 1702725
(Com informações do Superior Tribunal de Justiça)
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