Falta de clareza em critérios do concurso da PM do Pará pode gerar questionamentos jurídicos

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O concurso público para preencher 4,4 mil vagas na Polícia Militar do Pará, que recentemente foi autorizado a prosseguir pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após correções no edital, ainda enfrenta possíveis desafios legais devido à falta de clareza em alguns critérios, alerta um advogado especializado em concursos.

O certame, que atraiu mais de sete mil inscritos e terá suas provas objetivas realizadas nos dias 10 e 17 de dezembro, já havia sido suspenso anteriormente pelo STF devido à ausência de igualdade no número de vagas para homens e mulheres. Após as devidas correções, a mais recente decisão do STF permitiu a retomada do processo seletivo.

No entanto, segundo o advogado consultado, outras irregularidades e inconsistências presentes no edital podem se tornar motivo de questionamento judicial. A falta de clareza em alguns critérios pode gerar frustração entre os candidatos que, mesmo após passarem nas provas, podem ser impedidos de assumir as vagas devido a interpretações dúbias ou decisões equivocadas da banca julgadora.

Falta de clareza em critérios do concurso da PM do Pará pode gerar questionamentos jurídicos | Juristas
Ministro Luiz Fux preside sessão plenária por videoconferência. Foto: Nelson Jr./SCO/STF (27/05/2020)

A busca por correção de injustiças em concursos públicos tornou-se uma realidade para muitos brasileiros, que depositam anos de estudo e dedicação na esperança de alcançar a tão almejada vaga. Um dos problemas mais gritantes no edital diz respeito à tatuagem. O edital elenca como causa incapacitante para aprovação que o candidato tenha tatuagens “de grandes dimensões”. Este impeditivo, contudo, já foi alvo de julgamento no STF e, ainda que esteja previsto na legislação paraense, pode ser alvo de ação judicial. “O legislador não pode escudar-se em uma pretensa discricionariedade para criar barreiras legais arbitrárias e desproporcionais para o acesso às funções públicas e a impossibilidade de escolha, pela Administração, daqueles que são os melhores”, entendeu o ministro Luiz Fux ao julgar Recurso Especial relacionado, justamente, ao uso de tatuagens por aprovado em concurso público.

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advogado Israel Mattozo

Conforme o advogado Israel Mattozo, especialista em Direito Administrativo, “O STF entende que é direito fundamental do cidadão preservar sua imagem como reflexo de sua identidade e que é indevido ao Estado desestimular a inclusão de tatuagens no corpo. Como julgou o próprio ministro Fux, o Estado não pode agir como adversário da liberdade de expressão”. No acórdão, o STF decidiu que editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais. “Qualquer candidato que tiver sua aprovação negada por esse motivo certamente encontrará guarida na Justiça, ainda que nos tribunais superiores, como prevê o acórdão”, completa o advogado.

Índice de Massa Corporal

O peso e a altura dos candidatos podem suscitar questionamentos judiciais. O edital estabelece o exame antropométrico como critério de aprovação, que avalia o Índice de Massa Corpórea (IMC) dos candidatos, calculado pela divisão do peso pelo quadrado da altura. A aprovação é limitada a candidatos com IMC entre 18 e 25 kg/m², enquanto aqueles com IMC entre 25 e 30 kg/m², devido à hipertrofia muscular, serão avaliados individualmente.

Apesar de ser frequentemente utilizado, o emprego do IMC em concursos públicos tem sido alvo de questionamentos nos tribunais. Em 2018, o ministro Napoleão Nunes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi categórico: “Pelo IMC, um fisiculturista pode facilmente ser classificado como obeso. Por outro lado, um triatleta ou maratonista pode ser enquadrado como desnutrido. Desta forma, o mais importante é como está a saúde da pessoa em geral, e não o seu IMC, que nem sempre corresponde à realidade em relação às taxas de exames”.

Para o advogado Israel Mattozo, as empresas responsáveis pelos concursos deveriam seguir critérios mais técnicos na avaliação dos candidatos. “Apesar do IMC apresentar razoável acurácia, é preciso cautela, já que o índice não é capaz de mensurar diretamente a gordura corporal. Há métodos mais eficazes, considerados padrão-ouro pela ciência, como a pesagem hidrostática. Isso pode afastar um candidato perfeitamente apto para a função já dos testes físicos, o que é um absurdo”, critica o especialista.

Gestantes e testes de aptidão física

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Créditos: Zinkevych | iStock

Outra falha grave refere-se às gestantes. O edital estabelece que, em caso de gravidez, o exame de aptidão física será realizado após no mínimo 30 e no máximo 90 dias do término da gravidez. Essa norma, conforme a legislação paraense, entra em conflito não apenas com a legislação federal, mas também com a jurisprudência dos tribunais. No Brasil, a licença-maternidade, fixada pela CLT, é de 120 dias, o prazo mínimo que deveria ter sido observado no edital. O STF, em julgamento de Recurso Especial, negou o pedido do Estado do Paraná e manteve a sentença do TJPR que concedeu a uma candidata o direito de realizar os testes 180 dias após o parto.

No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 2429/2019, que regula a realização de testes de aptidão física e a apresentação de exames médicos em concurso público por candidatas gestantes ou lactantes, tramita. O PL foi modificado após exame da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, incluindo o parecer da então deputada federal Major Fabiana (PSL-RJ), que fixou um prazo de no mínimo 180 e no máximo 360 dias para a realização dos testes, contados a partir da alta hospitalar pós-parto da candidata e/ou do filho recém-nascido, o que ocorrer por último.

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advogado Israel Mattozo

“O prazo imposto pelo edital é inconcebível. O direito de a mãe acompanhar os primeiros dias de seu filho é inviolável, isso sem mencionar o direito à recuperação física e emocional após o parto. A maternidade tem especial proteção na Constituição”, comenta Mattozo. “O edital não pode criar barreiras arbitrárias para o acesso às funções públicas, mas sim respeitar preceitos constitucionais e legais”, acentua o advogado.

Com atuação em todo o território nacional especialmente na defesa de candidatos injustiçados em concursos públicos, Mattozo faz um alerta: “O Estado não tem o direito de expor milhares de brasileiros que almejam uma vaga em um concurso público a editais com tantas falhas. A cada dia, aumenta o número de ações judiciais propostas para corrigir injustiças desse tipo e, pelo visto, não será diferente no concurso da PM paraense. Os editais precisam estar em consonância com o momento em que vivemos, o que se reflete nas decisões dos tribunais. Felizmente, os candidatos que se considerarem prejudicados sempre poderão contar com a Justiça para corrigir esses erros”.

Com informações de assessoria.


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Ricardo Krusty
Ricardo Krusty
Comunicador social com formação em jornalismo e radialismo, pós-graduado em cinema pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

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