A 2ª Turma Cível do TJDFT manteve sentença da 6ª Vara da Fazenda Pública, que condenou o Distrito Federal a pagar indenização por danos morais aos genitores de uma menor nascida após a realização de laqueadura na mãe. Segundo os magistrados, no caso em tela, restou configurada violação ao direito de planejamento familiar e ao direito de informação adequada e suficiente. A decisão foi unânime.
Os autores contam que possuíam um casal de filhos quando, em 2009, a requerente engravidou de gêmeos. Narram que o parto dos gêmeos foi realizado na rede pública distrital de saúde, sendo que, previamente, foi realizada conferência médica e acertada a realização de laqueadura tubária bilateral. Passados 45 dias da cesariana, houve retorno da requerente ao médico, o qual confirmou a realização da laqueadura. Todavia, após cerca de um ano e meio, a autora constatou estar grávida novamente.
O Distrito Federal afirma ter sido realizada reunião com a autora sobre os procedimentos para a prática de esterilização, tendo sido informada quanto à inexistência de método 100% seguro. Alega que da reunião decorreu a assinatura de Termo de Consentimento Informado, no qual há expressa menção à ocorrência de uma gestação para cada 200 laqueaduras realizadas. Por fim, negou a ocorrência de erro médico, visto ser possível a ocorrência de recanalização espontânea de trompas após o procedimento cirúrgico.
Ao analisar as provas, a julgadora originária destaca que, a despeito do alegado pelo réu, na Ata de Conferência Médica não consta nenhum alerta à paciente acerca das possibilidades de falta de êxito no procedimento de esterilização. Paralelamente a isso, em seu testemunho judicial, o médico que realizou a laqueadura afirmou que “não foi falado nem cogitado o risco de nova gravidez, uma vez que não costuma acontecer; que o termo de consentimento informado é a mesma coisa que a ata de laqueadura, é o mesmo documento”.
Diante disso, a juíza entendeu que houve omissão na transmissão das informações necessárias para assegurar o êxito do serviço prestado à requerente. Tal conduta, acrescenta, “desvela a negligência do profissional ao deixar de observar os procedimentos aos quais estava obrigado nos termos da Lei nº 9.263/96, notadamente aquele previsto em seu artigo 10, §1º: ‘é condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes’.”
Assim, “vislumbrada a presença da conduta omissiva e da negligência do agente público, e não tendo o réu se desincumbido do ônus de comprovar a presença de elementos excludentes do nexo de causalidade nos moldes do artigo 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor”, a magistrada julgou procedentes os pedidos para condenar o Distrito Federal ao pagamento de indenização nos seguintes termos: a) R$ 20 mil reais à autora/genitora, que além de ter se submetido à nova gestação, com as intercorrências inerentes, teve o procedimento de laqueadura indicado como necessário em razão de risco de vida para mãe e filho; b) R$ 10 mil ao autor/genitor, visto que também ele teve sua esfera jurídica extrapatrimonial violada, “na medida em que o direito ao planejamento familiar é assegurado não apenas à mulher, mas ao casal, conforme o artigo 2º, caput, da Lei nº 9.263/96”; c) pagamento de pensão de um salário mínimo à criança, desde a concepção até o seu 24º aniversário, diante dos presumidos prejuízos materiais a serem arcados pelos genitores nos cuidados de mais um filho.
Em sede recursal, os desembargadores ratificaram a decisão, por entenderem configurada a violação do dever legal que caracteriza a culpa do agente público e, por conseguinte, a falha no serviço pela omissão, ainda mais pelo fato de a paciente ser de baixa renda e de baixo grau de instrução.
AB
Processo: 2012.01.1.037121-5 – Sentença / Acórdão
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT
Ementa:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. RECURSO JULGADO DE ACORDO COM AS REGRAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/1973. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. HOSPITAL PÚBLICO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. REJEIÇÃO. LAQUEADURA TUBÁRIA. GRAVIDEZ POSTERIOR. POSSIBILIDADE DE REVERSÃO ESPONTÂNEA. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO À PACIENTE. VIOLAÇÃO DO DEVER LEGAL. CULPA CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL PRESUMIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. No julgamento do presente recurso deve ser observada a disciplina do Código de Processo Civil/1973, porquanto a decisão impugnada foi publicada ainda em sua vigência.
2. Remessa Oficial e Apelação do Réu contra sentença na qual foi reconhecida a responsabilidade do Estado por omissão, em decorrência da falta de informação à paciente submetida a procedimento de laqueadura, condenando-se o Distrito Federal a reparar as partes autoras por danos morais e a pagar pensão até o 24º aniversário da filha.
3. Na ação de reparação de danos, movida contra o Estado por paciente da rede pública de saúde que engravidou após realizar procedimento de laqueadura tubária, o marido da paciente e pai da criança tem legitimidade ativa ad causam, tendo em vista a alegada violação do direito ao planejamento familiar (art. 226, § 7º, CF/88 e art. 1º, Lei 9.263/1996), bem como o dever de sustento, guarda e educação do filho, que lhe impõe o Código Civil (artigos 1.566, IV, e 1.634).
4. Aconduta omissiva do Estado não se rege pela teoria da responsabilidade objetiva, pressupondo o elemento culpa para fins de responsabilização Estatal, ou seja, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva.
5. Comprovada nos autos a violação ao dever de informar a paciente sobre os riscos da esterilização voluntária, mediante a laqueadura tubária, notadamente sobre a possibilidade de reversão espontânea e inexistência de eficácia absoluta do procedimento, conforme exige o art. 10 da Lei 9.263/1996, fica caracterizada a culpa do preposto do Estado e, por consequência, a conduta omissiva, que gera o dever de indenizar.
6. Estabelecendo a Constituição da República o direito do cidadão ao planejamento familiar, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana, o dano decorrente da violação desse direito é presumido, prescindindo de elemento probatório.
7. Remessa Oficial e Apelação desprovidas.
(Acórdão n.969319, 20120110371215APO, Relator: CESAR LOYOLA 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 28/09/2016, Publicado no DJE: 06/10/2016. Pág.: 165/208)