Introdução
A ação monitória constitui o procedimento especial de jurisdição contenciosa, de natureza cognitiva, que objetiva a formação de título executivo judicial a favor de quem tiver prova escrita na qual se reconheça obrigação de pagar quantia em dinheiro, entregar coisa fungível ou infungível, bem móvel ou imóvel e ainda adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer como se depreende do art. 700 e seus incisos I, II e III.[1]
A Lei n. 9.079, de 14 de julho de 1995, foi a responsável pela reintrodução do modelo da presente ação monitória no âmbito do processo civil pátrio, visto já ter vigorado entre nós e em outras épocas[2] procedimentos em sintonia com peculiaridades inclusas na demanda monitória, v.g., a “ação decendiária”, essa desde as Ordenações Filipinas até os Códigos Processuais dos Estados, bem como a denominada “ação cominatória”[3], existente no Código de Processo Civil de 1939.
Por outro lado, interessante notar que a forma adotada em nosso sistema processual para a ação monitória contém peculiaridades que, realmente, a faz destacar de outras figuras, não somente daquelas supracitadas, mas também do direito alienígena, ainda que pese eventuais cargas comparativas ao estudo de modelos processuais sem levar em conta conjecturas políticas, econômicas e realidades sociais vigentes em dado espaço e tempo.[4]
Observa-se, no entanto, que antes do advento da supracitada Lei, no que diz respeito às opções de cobrança, tinha o credor duas:
1ª) Sendo portador de título executivo (judicial ou extrajudicial), lhe era facultado exercer o seu direito por meio do processo de execução.
2ª) Caso não possuísse o devido título executivo, o portador deveria recorrer aos procedimentos ordinários, com o fito de se conseguir uma sentença (título executivo judicial), restando-lhe, por conseguinte, o manejo da respectiva ação de execução, caso não fosse o crédito reconhecido judicialmente, cumprido de forma voluntária pelo condenado.
Com a introdução em nosso ordenamento processual civil da Lei n. 9.079, incorporada ao CPC/1973 pelos arts. 1.102-A, 1.102-B e 1.102-C, contemplou-se ao credor, detentor de título sem eficácia executiva, porém dotado dos requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade, isto é, prova escrita da qual seria possível conter tais requisitos, o direito de recorrer ao procedimento monitório, no qual o réu não seria citado para contestar a ação, mas, sim, para saldar a dívida (pagar ou entregar a coisa) no prazo estipulado em lei (15 dias), podendo, de outro modo, também embargá-la.
O novel CPC/2015 continua na mesma toada, salvo quanto ao alargamento das matérias aptas a ensejar a propositura da ação monitória (obrigação de pagar quantia em dinheiro, entregar coisa fungível ou infungível, bem móvel ou imóvel e adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer) e que, de certo, deverão constar de prova escrita para o seu reconhecimento judicial de natureza obrigacional.
Requisitos
A ação monitória cabe àquele que solicitar, fundamentado em prova escrita sem eficácia de título executivo, obrigação de pagar quantia em dinheiro, entregar coisa fungível ou infungível, sendo bem móvel ou imóvel (art.700 e seus parágrafos I, II e III do CPC/2015). Nota-se, portanto, três requisitos fundamentais para o uso da via procedimental monitória:
- a) prova documental escrita que contenha obrigação líquida, certa e exigível;
- b) documento sem eficácia executiva;
- c) a pretensão objetive o recebimento de um pagamento em quantia, entrega de coisa fungível ou infungível ou determinado bem móvel ou imóvel bem como de adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer.
No procedimento monitório, de maneira contrária ao que acontece na ação de conhecimento pelo rito comum, na qual é possível pleitear o direito baseando em início de prova por escrito ou mesmo em prova exclusivamente testemunhal[5], necessário é ter, indubitavelmente, prova escrita, ex vi do caput do art.700, valendo destacar que pode a prova escrita ser oriunda de prova oral documentada, esta colhida em sede de “Produção antecipada de Provas” (art. 381-383 do CPC/2015), conforme autoriza reluz do §1º do art. 700. No mesmo compasso, não custa lembrar ainda que, deve a prova ser apta a alicerçar pedido de cunho monitório, isto é, que contemple obrigação certa, líquida e exigível.
São exemplos de provas escritas, aptas a instruir pedido em ação monitória, dentre outras, confissão de dívida não firmada por duas testemunhas, contrato sem os requisitos que o caracterizam como título executivo, carta escrita pelo devedor reconhecendo essa sua qualidade, título cambiário prescrito,[6] contas de água, energia elétrica e telefone, duplicata sem o comprovante de entrega da mercadoria,[7] sendo fundamental que demonstrem a existência de obrigação líquida, certa, exigível.
Objeto
A constituição de título executivo contra o devedor é o objeto imediato da ação monitória. A constituição do título, contudo, não acontece pela mera declaração e condenação proferida pelo magistrado, como se dá na ação de cognição, mas, sim, devido à inércia do devedor que não efetua o pagamento, não opõe embargos ou devido à rejeição desses.
Já no tocante ao objeto mediato, pode ele se referir a uma soma em dinheiro, à coisa fungível ou infungível, mesmo a determinado bem móvel ou imóvel ou ao adimplemento de obrigação de fazer e de não fazer, como já avençado em itens anteriores.
Procedimento
O procedimento monitório é instituído por meio da petição inicial, onde, além de respeitar os requisitos fundamentais dos arts. 319 e 320 do CPC/2015 deverá explicitar, conforme o caso, o seguinte:
Art. 700 (…)
- 2º
I – a importância devida, instruindo-a com memória de cálculo;
II – o valor atual da coisa reclamada;
III – o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.
-
3º O valor de causa deverá corresponder à importância prevista no § 2º, incisos I a III.
Vale lembrar que a prova escrita sem eficácia de título executivo constitui documento essencial para se requerer a ação com os requisitos já mui referendados.
Uma vez não contemplados os requisitos essenciais na exordial será a mesma indeferida (§4º do art. 700).
Por outro lado, em nítido incremento legislativo e em compasso com a instrumentalidade das formas, o NCPC dispõe da possibilidade de adaptação da petição inicial solicitada como de natureza procedimental monitória em demanda de procedimento comum.
Isto se dará quando pairar dúvidas do juízo sobre a idoneidade da prova documental – requisito essencial – apresentada nos autos pelo autor. Neste caso, será o aludido autor intimado para, querendo, emendar a petição inicial, a fim de adaptá-la ao procedimento comum, ou seja, adequar elementos já exteriorizados e/ou acrescentar outros, tais como notoriamente, o próprio pedido imediato.
Há de supor que pela natureza procedimental breve da monitória, já desde os seus idos legislativos, poderia ser um óbice a que o magistrado desse ao autor da ação, lapso temporal para , ao invés de emendar a inicial, trazer elementos para o convicção de que a prova, mesmo que em um segundo momento, pudesse ser-lhe convincente quanto a sua idoneidade, procurando permitir resguardar o procedimento monitório no interesse da parte.
Certamente, por tais motivos, entendemos não se configurar óbice algum, pois que se trataria não de uma valoração meritória e antecipada da prova escrita, mas sim do reconhecimento ético de sua produção, por isso, relacionado com a sua própria idoneidade No entanto, quis o legislador diferente.
O juiz, diante da inicial corretamente instruída e sendo evidente o direito do autor, deferirá de plano, a expedição do mandado para pagamento, entrega da coisa ou execução de obrigação de fazer ou de não fazer por parte do devedor (art. 701, caput do CPC/2015).
O devedor será devidamente citado por qualquer dos meios admitidos no procedimento comum, para em 15 dias, efetuar o pagamento, entregar a coisa ou cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer bem como quitar os honorários advocatícios, estes que corresponderão a 5% do valor da causa, sendo isento do pagamento das custas caso cumpra, devidamente, o mandado no prazo supracitado. Poderá o devedor, no entanto, após citado validamente, adotar as seguintes condutas:
I) continuar inerte: nessa hipótese, restando silente, forma-se o título executivo de natureza judicial, transformando o mandado inicial em mandado executivo e dando continuidade à execução para entrega de coisa, por quantia certa ou execução da obrigação de fazer ou de não fazer, tudo por meio do procedimento do cumprimento da sentença (art. §2º do art.701).
Insta ressaltar que o mais coerente é que, uma vez decorrido prazo de 15 dias sem apresentação de embargos pelo réu, seja expedido novo mandado, citando-se agora o devedor para entregar coisa, para pagar quantia determinada, propiciando oportunidade para oferecimento de bens à penhora e embargos à execução.
Importante observar que no procedimento em tela, os efeitos são mais gravosos que no procedimento comum. Isso se deve ao fato de que no rito monitório a rebeldia do réu resulta de imediato, a emissão de provimento favorável ao autor, constituindo o título executivo de maneira abreviada.
Ainda em tal hipótese em comento, optou o novel CPC por destacar o cabimento de ação rescisória (ex vi do §3º do art. 701), ainda que despiciendo, já que por ter força na formação de um título judicial, de per si, seria o suficiente para tal, tendo aí o reconhecimento da pretensão autoral.
II) cumprir o mandado, entregando a coisa, pagando a soma em dinheiro ou executando a obrigação de fazer ou de não fazer: ocorrendo, nesse caso, a devida extinção do processo, isentando-se o réu das custas e honorários advocatícios, consoante o § 1º do art. 701.
Convém nesta hipótese sobrelevar o §5º do art.701, este autorizador de novidade em sede de ação monitória, com a possibilidade do réu, uma vez reconhecendo o crédito do autor e comprovando o depósito de 30% do valor cobrado, mais custas e honorários advocatícios, requerer que seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais acrescidas de correção monetária e juros de 1% ao mês (art.916, caput do CPC/2015).
Neste caso, será o autor intimado para se manifestar sobre o preenchimento dos pressupostos acima aludidos (reconhecimento da dívida e referido depósito parcial), tendo o juiz 5 (cinco) dias para decidir sobre o requerimento do réu.
Enquanto não apreciado dito requerimento, o réu deverá depositar as parcelas vincendas, facultado ao autor seu levantamento.
Uma vez deferida a proposta, objeto do requerimento, o autor levantará a quantia depositada e será suspenso o processo até a completa quitação do débito, cabendo exclamar que o não pagamento de qualquer das prestações, acarretará de forma cumulativa, de acordo com o §5º do art. 916, aplicando-se no que couber à ação monitória:
I – o vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato reinício dos atos executivos;
II – a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas.
Com o reconhecimento do crédito do credor será possível ao magistrado homologar o reconhecimento da procedência da ação (art.487, III, a do CPC/2015), traduzindo-se aí então em título executivo judicial;
III) opor embargos monitórios: tais embargos têm por objetivo suspender a eficácia do mandado, impedindo a efetiva formação de título executivo, ou seja, mirando a própria desconstituição da dívida.
Tal como acontece com os embargos à execução, a interposição dos embargos monitórios não depende de segurança do juízo e ainda, de maneira particular, são processados nos próprios autos do processo monitório (art. 702, caput).
O título executivo será efetivamente constituído se os embargos forem rejeitados, tornando-se, a partir daí, possível ao credor executar o título pela via satisfativa do “Cumprimento da Sentença” (art. §8º do art.702), conforme já entendíamos sob a luz de comentários ao CPC/1973.
Os Embargos Monitórios e sua Natureza Jurídica
Ainda que a natureza dos Embargos Monitórios pese como matéria sempre controvertida em sede doutrinária, visto a dissonância em torno da similitude ou não dos destes com a contestação, levando, inclusive, o STJ editar a Súmula 292[8] a qual se reconhece o cabimento da reconvenção em sede de ação monitória, pois que, uma vez opostos os embargos monitórios, o procedimento tornar-se-ia ordinário, o CPC/2015 não perdeu a oportunidade de regular dita questão em seu texto.
Primeiro, ao afirmar, literalmente, que podem os embargos monitórios fundar em matérias passíveis de alegação usadas para defesa em sede de procedimento comum, v.g. aquelas contidas no art. 337 do CPC/2015.
Acresce-se a estas, ônus ao réu quando alegar em sua defesa, que o autor está a pleitear quantia superior à devida.
Neste caso, cumprir-lhe-á declarar, de imediato, o valor que entender como correto, isso através de demonstrativo discriminando o valor da dívida devidamente atualizado (§3º do art. 702).
Uma vez não apontando o valor correto, inclusive com a apresentação do supracitado demonstrativo, os embargos serão rejeitados liminarmente, caso seja somente este o argumento de defesa. Caso seja colacionado(s) outro(s), serão os embargos processados, no entanto, o magistrado deixará de analisar a aludida alegação de quantia excessiva.
Segundo que, admite-se também expressamente, a admissibilidade do manejo da reconvenção, sendo vedada a oferta da reconvenção da reconvenção, nos termos do §6º do art. 702:
“§ 6º Na ação monitória admite-se a reconvenção, sendo vedado o oferecimento de reconvenção à reconvenção.”
Ainda não se exclui a possibilidade das modalidades de intervenção de terceiros (ideia não uníssona na doutrina)[9], plenamente possível, sobretudo em casos de denunciação à lide ou chamamento ao processo[10], mesmo que tal ideia tenha sido fundamentada à luz do CPC/1973.
Apenas a título de se ratificar a natureza dos embargos monitórios e sua estreita relação com as características da peça contestatória em sede de processo de conhecimento, acosta-se a seguir, ementa de decisão do STJ elucidativa da presente questão:
Processual Civil. Recurso Especial. Ação Monitória. Reconvenção. Admissibilidade.
Segundo a mens legis, os embargos na ação monitória não têm ‘natureza de ação’, mas se identificam com a contestação. Não se confundem com os embargos do devedor, em execução fundada em título judicial ou extrajudicial, vez que inexiste ainda título executivo a ser desconstituído.
Não pagando o devedor o mandado monitório, abre-lhe a faculdade de defender-se, oferecendo qualquer das espécies de respostas admitidas em direito para fazer frente à pretensão do autor.
Os embargos ao mandado de pagamento ordinarizam o procedimento monitório e propiciam a instauração da cognição exauriente, regrados pelas disposições de procedimento comum. Não se vislumbra, por isso, qualquer incompatibilidade com a possibilidade de o réu oferecer reconvenção, desde que seja esta conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
A tutela diferenciada introduzida pela ação monitória, que busca atingir, no menor espaço de tempo possível, a satisfação do direito lesado, não é incompatível com a ampla defesa do réu, que deve ser assegurada, inclusive pela via reconvencional.
Recurso provido, na parte em que conhecido (STJ, 2ª Seção, REsp 222.937/SP, Relª Ministra Nancy Andrighi, data do julgamento: 09/05/2001, DJ 02/02/2004, p. 265).
Fundamental pontuar que, de acordo com a cabeça do art. 702, os embargos monitórios serão opostos sem prévia segurança do juízo, e mais: serão processados nos próprios autos do processo pelo que, com o CPC/2015, indubitavelmente, coteja-se a admissibilidade de reconvenção e certamente, ao nosso entender, da intervenção de terceiros.
Terá ainda o condão de suspender “o curso do processo até o julgamento em primeiro grau” (art. 702, §4º).
Caso os embargos monitórios sejam parciais, i.e., atacando apenas parte da pretensão autoral, a critério do juiz, poderão ser processados em apartado, constituindo-se aí, de pleno direito, o título executivo judicial em relação à parcela não embargada, nos exatos termos do §7º do art. 702.
Além disso, as normas de distribuição do ônus probatório continuam sem alteração, sendo importante ressaltar, que o embargante possui o ônus de comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor da monitória.
Tem-se como recurso cabível contra a sentença que acolhe ou rejeita os embargos, a apelação (§9º do art. 702), sendo ela acolhida em ambos os efeitos, isto é, devolutivo e suspensivo. Aliás, com acerto bem nota Wambier[11] sob a égide do CPC/1973, no sentido de que, doutrinariamente, vozes negam que a sentença contra a rejeição dos embargos tenha efeito suspensivo. Invocam a aplicação analógica do art. 520, V (que trata da sentença que rechaça os embargos à execução). Mas as hipóteses de apelação sem efeito suspensivo do art. 520, em nosso sistema atual, são exceções à regra geral – motivo por que não parece apropriado interpretá-la ampliativamente (ainda que se reconheça que seria melhor se o legislador tivesse negado o duplo efeito para a sentença que rejeita os embargos ao mandato)’, numa referência ao mandado para que o réu pague ou entregue a coisa, conforme estabelece o art. 1.102-B.
Em respeito à boa-fé processual e nos trilhos do que se espera da cooperação dos partícipes do processo para uma efetiva prestação jurisdicional qualitativa, inclusive em seu conteúdo, estabelece o legislador que uma vez interposto os Embargos de má-fé, o juiz condenará o réu ao pagamento de multa de até 10% sobre o valor atribuído a causa, sendo esta em favor do autor.
No mesmo passo, uma vez proposta indevidamente e de má-fé a ação monitória, o autor será condenado à multa de até 10% sobre o valor da causa, esta em benefício do réu (§10 do art. 702).
Questões Pertinentes à Ação Monitória
Dentre questões sempre suscitadas com certa divergência, coloca-se em destaque a possibilidade de cabimento de ação monitória em face da Fazenda Pública.
O NCPC, de forma clara e inequívoca sustenta no art.700, §6º:
“É admissível ação monitória em face da Fazenda Pública.”
Sob a égide do CPC1973, ainda que se sustente, como o faz Greco Filho[12], ao se posicionar pela inadmissibilidade da ação em tela diante de tal ente público, por entender que contra esse deverá existir título sentencial, com duplo grau de jurisdição, para pagamento por meio de ofício requisitório, tal como previsto e sede constitucional (art. 100), inclusive com dotação orçamentária, data venia, não pensamos, de todo modo, na inviabilidade absoluta da presente ação monitória empregada nessa hipótese, leia-se, incompatibilidades totalmente razoáveis para “mais esta exclusão” em face da Fazenda Pública.
Ainda que pese o já reconhecimento da lex novata acerca da temática, fato é que o procedimento monitório, da mesma forma que no rito comum, possibilitará a cognição plena verdadeiramente, desde que o próprio ente público ofereça, como de direito, os respectivos embargos monitórios, ratificando, nas palavras Nery Júnior, que o óbice “de que não haveria título executivo contra a Fazenda não pode ser aceito porque a decisão que defere a expedição do mandado tem eficácia de título executivo judicial, caso não haja interposição de embargos.”[13]
O problema que deve ser colocado aqui se refere não propriamente ao cabimento em si, mas a utilidade da via monitória nesses casos, dado que, por ser caracterizado como um procedimento hábil para a consecução com brevidade da satisfação da obrigação reconhecida em prova escrita ou, diante da inércia do réu, a obtenção de título executivo judicial, difícil seria prever tal comportamento por parte da Fazenda Pública, seja no aspecto da vontade e mesmo “voluntariedade” no cumprimento satisfativo, seja em meio à questão de ordem legal, essa, ressaltada por Theodoro Júnior, lembrando o festejado autor que, a revelia não produz contra a Fazenda Pública o efeito de confissão aplicável ao comum dos demandados, conforme o art. 320, II, do CPC/1973,[14] correspondendo ao art. 344, II do CPC/2015.
Para o enfrentamento da questão, optou o legislador do novel Ordenamento Processual Civil pátrio garantir a possibilidade de remessa necessária da sentença em sede de ação monitória face da Fazenda Pública, quando esta deixar de apresentar os respectivos embargos monitórios, logicamente, desde que não alcance as limitações disposta para tanto, prevista no art. 496 do CPC/2015.[15]
Assim, reconhece o §4º do art.701:
“§ 4º Sendo a ré Fazenda Pública, não apresentados os embargos previstos no art. 702, aplicar-se-á o disposto no art. 496, observando-se, a seguir, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.”
Em sede jurisprudencial, durante bom tempo permaneceram acórdãos em sentidos destoantes quanto ao cabimento da ação monitória diante da Fazenda Pública, até vir o Superior Tribunal de Justiça consolidar a questão na Súmula n.339, aos termos de que:
“É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”
Por outro lado, de possível cabimento é a tutela provisória (art. 294 e ss. do CPC/2015) no âmbito do rito monitório.
No caso daquela tipificada como provisória de “urgência de natureza antecipada” (art.300) poderá ela se dar tanto liminarmente (a antecipação ocorrendo no próprio momento da expedição do mandado, caso a urgência da situação, realmente, justificar) ou mesmo se requerida em caráter antecedente (arts. 303-304 do CPC/2015). Neste caso, insta ressaltar que a possibilidade de estabilização da decisão, nos moldes do art. 303, estará condicionada ao regime da remessa necessária, esta regida pelo art. 496 do CPC/2015.
Deve-se compreender que a utilidade prática da ação monitória se revela claramente quando: 1) o réu, mediante mandado, satisfaz a obrigação, quitando, entregando ou adimplindo a mesma; 2) permanece ele inerte, constituindo aí, automaticamente, um título executivo judicial, apto à satisfação direta e imediata pela via do cumprimento da sentença.
Notas de fim:
[1] É de se ressaltar que o NCPC trouxe um alargamento formal nas matérias sensíveis ao manejo da ação monitória, tendo em vista que no CPC/1973 tínhamos limitações quanto ao objeto da referida actio, pois que além da soma em dinheiro, era possível a querelar somente acerca de entrega de coisa fungível e relativa a bem móvel.
[2] Sobre o assunto, ver por todos, GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao Procedimento Sumário, ao Agravo e à Ação Monitória. São Paulo: Saraiva, 1996; TALAMINI, Eduardo. Tutela Monitória: A Ação Monitória (Lei 9.079/95). 2. ed. São Paulo: RT, 2001.
[3] Especificamente, sobre um estudo acerca da Ação Cominatória, bem como suas características, num nítido contributo construtivo ao que temos hoje, notadamente, no âmbito das Tutelas Específicas, ver o nosso Tutela Específica das Obrigações de Fazer. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2016.
[4] Sobre a ação monitória e sua regulação e aplicabilidade em nível de Direito Comparado, ver por todos, GUTIÉRREZ-ALVIZ Y CONRADI, Faustino. El procedimiento monitório – estúdio de derecho comparado. Anales de la Universidad Hispalense. Sevilla: Universidad, 1972.
[5] “Art. 444. Nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível a prova testemunhal, quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova.”
[6] Súmula 299 (STJ): “É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.”
[7]Súmula 247 (STJ): “Contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.”
[8] Súmula 292 (STJ): “A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário.”
[9] WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. Vol. II. 8. ed. São Paulo: RT, 2006.p. 237.
[10] Ib.
[11] Idid, p. 238.
[12] Ob. cit., p. 52.
[13] NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Comentários ao Código de Processo Civil.. São Paulo: RT, 2015, p. 1520.
[14] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 364.
[15] “Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;
II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
- 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.
- 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária.
- 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I – 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II – 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;
III – 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.
- 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:
I – súmula de tribunal superior;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.”