O novo Coronavírus (Covid-19) e as relações comerciais

Data:

Contratos Comerciais
Créditos: ilkercelik / iStock

Com o agravamento da pandemia da COVID-19, o famoso Coronavírus, por medidas de prevenção e segurança à saúde da população, após indicação da Organização Mundial de Saúde (OMS), determinou-se o quarentena, com o distanciamento social, o que resultou na paralisação em massa de diversos segmentos da economia, mantendo-se ativos apenas os  que prestam serviços públicos e/ou atividades essenciais.

A paralisação das atividades acarretou impactos à economia, afetando diretamente diversos segmentos empresariais.  Estão dentre os afetados o comércio, indústrias, fábricas, trabalhadores Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trabalhadores autônomos/informais, dentre outros, com exceção dos estabelecimentos empresariais que prestam serviços públicos e/ou atividades essenciais, fecharam as portas e suspenderam os serviços até que haja permissão para o retorno das atividades.
Dentre os diversos impactos provocados pela pandemia, os que já são sentidos hoje, no curso da crise financeira, são: a dificuldade e/ou a impossibilidade de cumprimento de obrigações trabalhistas, fiscais e de contratos comerciais.
Sob a ótica dos contratos comerciais realizados entre particulares, nas hipóteses de dificuldade e/ou a impossibilidade de cumprimento das obrigações consignadas nos instrumentos, cogita-se a possibilidade de renegociação e revisão das cláusulas contratuais, sob pena de resolução contratual.
Inicialmente, o indicado é que as partes que integram o preâmbulo contratual, com base nas peculiaridades do caso e de forma amistosa, avaliem a situação, conversem e cheguem a um consenso para dar continuidade e/ou extinção da obrigação que seja conveniente para todos.
Isso porque as relações devem ser pautadas na boa-fé contratual e na cooperação entre as partes, de modo que deve haver tal flexibilização para que os direitos e obrigações sejam equilibrados, visando evitar a resolução do contrato por onerosidade excessiva.
Caso a tentativa extrajudicial não seja exitosa, pode-se recorrer ao judiciário para se tentar a discussão e revisão das cláusulas contratuais que possibilite o parcial cumprimento ou inviabilizem o seguimento do contrato.
Tal possibilidade tem sido admitida porque os motivos que prescrevem a discussão sobre a renegociação  das cláusulas  são advindos de caso fortuito e força maior, ou seja, aquelas situações que ocorrem por fatores alheios à vontade das pessoas, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir, como a crise econômica alastrada pelo coronavírus.
Embora o parágrafo único, do artigo 421, do Código Civil, estabeleça que “nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”, o artigo 317 prescreve  que “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível  o valor real da prestação”.
Na mesma linha o artigo 478 do mesmo diploma legal que consigna a possibilidade de resolução por onerosidade “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”.
Além disso, sobre as penalidades ajustadas para o caso de descumprimento contratual também poderão ser revistas se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, nos termos do artigo 413, do Código Civil.
Por ser advindo de um fato recente, ainda não há jurisprudência formada nos Tribunais brasileiros sobre o tema especificamente pautado, qual seja, o coronavírus. A possibilidade de revisão e/ou extinção do contrato dependerá da comprovação efetiva das causas que ensejaram o descumprimento parcial e/ou total da obrigação.
Já na esfera fiscal, no âmbito federal foi concedida prorrogação do recolhimento de tributos e apresentação de declarações para as empresas optantes do SIMPLES, para as contribuições de Programas de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), bem como já houve o anúncio que será regulamentada a prorrogação de INSS.
O Município de São Paulo possui dois projetos de lei visando a prorrogação de tributos municipais, contudo, ainda se encontram em tramitação inicial. Até o presente momento não houve adoção de medidas para prorrogação de obrigações tributárias pelo Estado de São Paulo.
Na área trabalhista, houve a publicação da Medida Provisória 936, de 01 de abril de 2020, que versa sobre a redução de jornada e salário e da suspensão do contrato de trabalho, medidas visando a manutenção das atividades empresariais, manutenção de empregos e giro da economia.
Visando medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), foi editada a Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, concedendo auxílio emergencial aos trabalhadores que exerçam atividades na condição de: trabalhadores informais, microempreendedores individuais e contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social.
Em 03 de abril de 2020, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n° 1179, de 2020, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado (rjet) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Alguns dos destaques do referido projeto  são:  (i) Não se consideram fatos imprevisíveis o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário afastamento; (ii) as consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, resultantes de caso fortuito ou força maior, não terão efeitos jurídicos retroativos,  salvo para casos consumeristas;  (iii) Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do direito de arrependimento , previsto no Art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, na hipótese de produto ou serviço adquirido por entrega domiciliar (delivery); (iv) permite assembleias virtuais de empresas, (v) adiantamento da vigência da Lei de Proteção de Dados – LGPD,  dentre outros.  O documento foi encaminhado à Câmara para votação.
Além das medidas expostas, há em nosso ordenamento jurídico um remédio judicial – a Recuperação Judicial, que nos termos do artigo 47 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, serve para respaldar e “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Tal medida judicial visa garantir fôlego ao empresário para que ele consiga seguir operando a empresa e por meio de um plano conseguirá dar cumprimento ao pagamento das dívidas e pagamento de credores.
Assim, conclui-se que em tempos de crise financeira, todas as partes da relação negocial serão afetadas direta ou indiretamente, sendo necessário que haja flexibilidade, que entendam os problemas e necessidades umas das outras e cheguem a um consenso.  A conciliação entre os contratantes é medida que se impõe nesse momento ímpar visando a manutenção dos trabalhadores e empresas em operação conseguindo cumprir com as suas obrigações tempestivamente. Do contrário, as relações serão abaladas e terão de ser disciplinadas pela justiça.
*Artigo de autoria de Gabriela Sirotsky Gershenson, que é advogada formada pela Pontifícia Faculdade do Rio Grande do Sul. Especialista em direito Empresarial e Consumerista. Coordenadora jurídica da área empresarial, consumerista e tributário do Escritório Karpat Sociedade de Advogados
Juristas
Juristashttp://juristas.com.br
O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Direitos do Passageiro: Saiba Seus Direitos em Viagens

Conheça seus direitos do passageiro em viagens aéreas, terrestres e marítimas. Saiba como resolver problemas com bagagens, atrasos e cancelamentos de forma prática

Reembolso de Passagens Aéreas: Prazos e Procedimentos Garantidos pela Lei

O reembolso de passagens aéreas é um direito garantido aos passageiros em diversas situações, como cancelamento de voos, desistência de viagem ou alterações na programação. No Brasil, as normas que regulam esse direito estão previstas na Resolução nº 400 da ANAC e no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Este artigo aborda as principais situações em que o passageiro pode solicitar o reembolso, os prazos estabelecidos pela legislação e os procedimentos necessários para garantir esse direito.

Danos Morais por Cancelamento de Voo em Cima da Hora: Direitos do Passageiro

O cancelamento de um voo em cima da hora é uma das situações mais frustrantes que um passageiro pode enfrentar. Além dos transtornos práticos, como perda de compromissos e gastos inesperados, o passageiro pode sofrer danos emocionais que configuram o chamado dano moral. Este artigo aborda os direitos dos passageiros em casos de cancelamento de voo de última hora, explicando quando é possível exigir indenização por danos morais, o que diz a legislação brasileira e como proceder para garantir seus direitos.

Overbooking: Direitos do Passageiro em Casos de Recusa de Embarque

O overbooking, prática em que as companhias aéreas vendem mais passagens do que o número de assentos disponíveis no avião, é uma estratégia comum no setor de aviação para evitar prejuízos decorrentes de no-show (passageiros que não comparecem ao voo).