Limitação da liberdade de informação, opinião e crítica jornalística

Data:

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ampla liberdade de informação, opinião e crítica jornalística, reconhecida constitucionalmente à imprensa não é um direito absoluto, encontrando limitações, tais como a preservação dos direitos da personalidade. Jurisprudência em Teses – Edição nº 137

Esse posicionamento se revela no seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. NARRAÇÃO DOS FATOS COM ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR. AFRONTA AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CONJUNTO FÁTICO DELINEADO PELO TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, para situações de conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, entre outros, os seguintes elementos de ponderação: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, aí incluídos os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi). 1.1. Alinhando-se à jurisprudência desta Corte, o acórdão a quo, após a análise de todo o conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que as informações divulgadas pelo órgão de imprensa foram aquelas colhidas no momento do acidente pelos elementos ali constantes e das informações prestadas pelas testemunhas do evento, o que afasta a pretensão de difamar. 2. A fixação da indenização por danos morais baseia-se nas peculiaridades da causa, exigindo, para sua revisão, o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado em recurso especial, nos termos do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1514105/CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/10/2019, DJe 05/11/2019)

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, assegurada a proteção dos direitos do nascituro, desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil (CC).

De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; x) direito autoral de personalidade.[1]

Sobre a questão da liberdade de imprensa, Eros Grau assinalou que “(…) algumas vezes o Magistrado está sob forte pressão da imprensa, que patrocina linchamentos no tribunal de exceção erigido sobre a premissa de que todos são culpados até prova em contrário. A imprensa, entre nós, atua como um quarto poder, à margem de qualquer controle, de molde a influenciar de modo determinante a formação da opinião pública. Somos uma sociedade à qual deve ser esclarecido que a garantia de imunidade à censura se destina a tolher não apenas o controle da informação pelo Estado, mas em especial a distorção da informação promovida pelo proprietário do veículo de informação, pelo redator-chefe, pelo editorialista, pelo repórter; uma sociedade à qual se deve ensinar que o titular da liberdade de imprensa não é o jornal, a emissora de rádio ou televisão, mas o povo. A imparcialidade, por fim, é expressão da atitude do Juiz em face de influências provenientes das partes nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das partes. Aqui nos colocamos sob a abrangência do princípio da impessoalidade, que a impõe. ” [2]

Nos termos do art. 20 do Código Civil, salvo se houver autorização, necessidade da administração da justiça ou da manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a requerimento do interessado. Isso sem prejuízo da eventual indenização, caso atinjam a honra, a boa fama, a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Caso essas violações atinjam pessoas mortas ou ausentes, os cônjuges, ascendentes ou descendentes, terão legitimidade para pretender as correspondentes tutelas jurídicas.

Nesta perspectiva, Dotti ressaltou que “(…) a evolução dos mecanismos técnicos que tornaram possível o aproveitamento da informática criou no homem uma necessidade de reação contra algo de extraordinário que há bem pouco tempo não passaria de ficção, mas que hoje ameaça gravemente o desenvolvimento natural da personalidade. Não se trata apenas da existência de meios capazes de levar à destruição material da humanidade, mas também, e fundamentalmente, da colocação à disponibilidade de certos órgãos, instrumentos tecnológicos aptos, por si sós, a reduzir o homem à qualidade de simples peça de uma máquina de produção burocrática.”[3]

O art. 21 do Código Civil também indica que a vida privada da pessoa natural é inviolável. Nesse caso, sempre que necessário, o interessado poderá requerer ao Poder Judiciário a adoção de providências para impedir ou fazer cessar violações a esse preceito.

O enunciado número 279 das Jornadas de Direito Civil do CJF prevê que: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações”.

Convém lembrar que os citados artigos 20 e 21 do Código Civil foram objetos da Adin 4815. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido da Adin para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, e “em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de  pensamento  e  de  sua expressão, de criação artística, produção  científica,  declarar  inexigível  o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou  de  seus  familiares,  em  caso  de  pessoas  falecidas).

O direito à privacidade[4], intimamente relacionado à dignidade da pessoa humana, diz respeito à vida particular das pessoas naturais.

A propósito, de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, “dignidade humana é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.”[5]

Já o direito à intimidade, decorrente do direito à privacidade, se refere ao direito de estar só, de não ser violado no seu recesso privado. Nesse aspecto, o direito à intimidade é mais profundo que o direito à privacidade.[6]

O enunciado número 405 das Jornadas de Direito Civil do CJF indica que: “As informações genéticas são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular”.

Por fim, vale lembrar que, a despeito da semelhança, imagem retrato e imagem atributo são conceitos distintos.

A imagem retrato corresponde à reprodução dos traços característicos, da forma plástica de uma determinada pessoa, como numa fotografia.

Já a imagem atributo, equivalente à honra objetiva, corresponde à impressão que as demais pessoas da sociedade têm de uma pessoa determinada.

Referências

DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980.

GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006.

HIRATA, Alessandro. Direito à privacidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.

[2] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 298.

[3] DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980, p. 251.

[4] De acordo com HIRATA, “A origem do termo privacidade no campo jurídico remete ao “right to privacy”. A privacidade (privacy) pode ser definida como o direito de estar só ou, talvez mais preciso, o direito de ser deixado só (“right to be let alone”). Assim, entende-se que a privacidade pode sofrer ataques, podendo gerar desgastes e dores muito maiores que uma injúria corporal. Ainda que bastante vaga, essa primeira concepção de privacidade deve ser interpretada como sendo o “direito de ser deixado só”, que remete à não interferência pelo Estado na vida do indivíduo. Todavia, deve-se entender a privacidade não apenas como a não interferência do Estado na vida do indivíduo, mas também como o poder de se reivindicar ao Estado a tutela dessa privacidade, protegendo o indivíduo de terceiros.   Na sociedade contemporânea, porém, a noção de privacidade extravasa os conceitos de isolamento ou tranquilidade. O “right to be let alone” revela-se insuficiente em uma sociedade em que os meios de violação da privacidade caminham paralelamente aos diversos e importantes avanços tecnológicos. ” HIRATA, Alessandro. Direito à privacidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/71/edicao-1/direito-a-privacidade

[5] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

[6] HIRATA explica que “Outra forma de tratamento desses conceitos é dada pela chamada teoria das esferas (Sphärentheorie do direito alemão).  Assim, entende-se que a necessidade de limitação da liberdade individual no plano social inter-relacional gera a sua tutela jurídica. Assim, a intensidade dessa tutela jurídica deve variar de forma inversamente proporcional à sociabilidade do comportamento analisado. Ou seja, quanto mais interno dentro das esferas estiver o comportamento, mais intensa deverá ser a proteção jurídica. A teoria das esferas divide, desse modo, a noção de privacidade em três esferas concêntricas chamadas de PrivatsphäreIntimsphäre Geheimsphäre (esfera privada, íntima e secreta). Na primeira, a esfera privada, estão contidas as outras duas esferas. Nela se encontram aspectos da vida da pessoa excluídos do conhecimento de terceiros. Aproxima-se, de certa forma, da noção de privacidade ou privacy. A esfera íntima é a segunda, intermediaria às outras duas, contendo os valores do âmbito da intimidade, com acesso restrito a determinados indivíduos com os quais a pessoa se relaciona de forma mais intensa. Por fim, a menor e mais interna esfera, a do segredo, referindo-se ao sigilo. Desse modo, quanto mais interna for a esfera, mais intensiva deve ser a proteção jurídica da mesma. Contudo, a teoria das esferas enfrenta também críticas, apesar de sua aplicação pelos tribunais alemães. Aponta-se a impossibilidade de se determinar cientificamente as fronteiras que dividem as fatispécies nas três esferas, PrivatsphäreIntimsphäre Geheimsphäre. Ainda, pode-se falar na falta de relevância prática na divisão em esferas, não resultando em proteção jurídica diversa. ”  HIRATA, Alessandro. Direito à privacidade. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/71/edicao-1/direito-a-privacidade

 

 

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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