De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral. (Enunciado n. 4 da I Jornada de Direito Civil do CJF) Jurisprudência em Teses – Edição nº 137
Esse posicionamento consta do seguinte julgado:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO À IMAGEM. PUBLICAÇÃO EM JORNAL DO TERMO “ACUSADO” PARA REFERIR-SE AO RECORRENTE. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE ABUSO. 1. A imagem é forma de exteriorização da personalidade inserida na cláusula geral de tutela da pessoa humana (art. 1°, III, da CF e En. 274 das Jornadas de Direito Civil), com raiz na Constituição Federal e em diversos outros normativos federais, sendo intransmissível e irrenunciável (CC, art. 11), não podendo sofrer limitação voluntária, permitindo-se a disponibilidade relativa, desde que não seja de forma geral nem permanente (En. 4 das Jornadas de Direito Civil). 2. Mesmo nas situações em que há alguma forma de mitigação, não é tolerável o abuso, estando a liberdade de expressar-se limitada à condicionante ética do respeito ao próximo e aos direitos da personalidade. 3. Compulsando os autos, é possível verificar, em consonância com a moldura fática estabelecida pela instância ordinária, que a simples utilização do termo “acusado” para referir-se ao recorrente não tem o condão de acarretar dano à imagem e à honra, fazendo parte do animus narrandi e informandi. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1586380/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 18/06/2019)
A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, assegurada a proteção dos direitos do nascituro, desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil (CC).
De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; e x) direito autoral de personalidade.[1]
No que se refere às características, os direitos da personalidade são oponíveis erga omnes, embora as pretensões sejam dirigidas a determinadas pessoas.
Além disso, os direitos são universais, atribuídos a todas as pessoas.
Outra característica dos direitos da personalidade é a ausência de conteúdo patrimonial direto, aferível objetivamente. Essa natureza extrapatrimonial subsiste mesmo que a lesão ao direito provoque efeitos patrimoniais.
Os direitos da personalidade também são indisponíveis. A indisponibilidade abrange a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade.
Pontes de Miranda ressalta que direito de personalidade, os direitos, as pretensões e as ações que dele decorrem são irrenunciáveis, inalienáveis e irrestringíveis.[2]
A indisponibilidade, no entanto, poderá ser relativizada, nos termos do art. 11 do Código Civil.
A liberdade para dispor desse direito está condicionada a alguns fatores.[3]
Primeiramente, só poderá haver disponibilidade desses direitos se o ato de disposição não for genérico.
Além disso, o ato não pode ser permanente, logo, a disponibilidade deverá ser transitória.
Por fim, para que seja válido, o ato de disposição não pode ofender a dignidade do titular do direito correspondente.
Nesse sentido, o enunciado 236 das Jornadas de Direito Civil do CJF prevê que: “Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes. ”
Sobre ética e dignidade, cumpre destacar que, “(…) a dignidade da pessoa humana representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira o ordenamento jurídico dos Estados de Direito, traduzindo-se, inclusive, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Entretanto, se por um lado hodiernamente existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana (seja no plano doméstico, seja no plano internacional), por outro, evidencia-se que lesões de toda ordem são processadas e aviltam a dignidade humana.”[4]
Na mesma perspectiva, de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, “dignidade humana é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.”[5]
Por não possuírem conteúdo econômico, os direitos da personalidade também são impenhoráveis. Essa constatação não afasta a possibilidade de penhora sobre os créditos decorrentes desses direitos.
A respeito dos conflitos envolvendo pacientes que se negam a receber transfusão de sangue por motivos religiosos, prevalece o entendimento de que a liberdade de crença do paciente se sobrepõe à orientação médica.
Outra questão relevante sobre os direitos da personalidade é a que diz respeito ao testamento vital, também referido como diretivas antecipadas ou living will. Trata-se da possibilidade de o paciente manifestar antecipadamente, de maneira expressa, o desinteresse em se submeter a tratamentos terapêuticos infrutíferos. Essa matéria está disciplinada na Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina.
Referências
GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006.
LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.
[2] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012, p. 255.
[3] Não temos dúvida de que, “(…) tanto a liberdade moderna, quanto a antiga, estão igualmente ligadas à teoria das formas de governo, e é, portanto, no problema do governo e do Estado que reside a ponte para o encaminhamento do tema. Ademais, a liberdade moderna e privada do não-impedimento e a liberdade antiga e pública da autonomia coletiva, provenientes da participação democrática são ambas situações prescritivamente desejáveis, ou seja, valores que motivam a ação. ” LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 25.
[4] GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006, p. 394-395.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.