O tema da responsabilidade civil pela perda do tempo, especificamente a aplicação da teoria do Desvio Produtivo, de autoria de Marcos Dessaune, finalmente chegou ao STJ para julgamento de mérito. Antes, ministros componentes das Turmas de Direito Privado daquele tribunal apenas haviam, indiretamente, reconhecido a aplicabilidade da tese, ao negarem seguimento a recursos interpostos contra decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, as quais, efetivamente, haviam deferido compensações pecuniárias pelo dano temporal.
Na sequência – porém ainda sem aplicar expressamente a teoria -, a ministra Nancy Andrighi, ao relatar o REsp 1.634.851/RJ, julgado pela Terceira Turma do STJ em setembro de 2017, sinalizou que a doutrina nacional já vinha defendendo a responsabilidade civil dos fornecedores pela perda intolerável do tempo para a resolução de demandas de consumo.
Contudo, no dia 05/02/2019, em ação coletiva de consumo movida pela Defensoria Pública do Estado de Sergipe, a Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.737.412/SE, relatado pela mesma ministra, aplicou expressamente a teoria do Desvio Produtivo para condenar o Banco do Estado de Sergipe ao pagamento de R$200 mil, a título de compensação por dano moral coletivo, em razão da demora excessiva no atendimento presencial nas agências bancárias daquela instituição financeira.
A decisão, a nosso juízo, representa um importante avanço no campo da responsabilidade civil, especialmente no âmbito das relações de consumo, em que a ocorrência de lesão ao tempo do consumidor ocorre com maior frequência e de forma acintosa. Além disso, ressalta-se importância da decisão pelo fato de o STJ ser a corte responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal em todo o Brasil, e, embora suas decisões não possuam efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, exercem a relevante função de lhes servir de norte.
Inobstante, deve-se frisar que a jurisprudência do STJ não é uniforme a respeito do tempo de espera em fila de banco como fator apto a desencadear danos morais.
Poucos dias após o julgamento do REsp 1.737.412/SE pela Terceira Turma da corte, a Quarta Turma, no dia 26/02/2019, ao julgar o REsp 1.647.452/RO, fixou o entendimento no sentido de que a espera em fila de banco além do tempo máximo previsto nas legislações municipais não gera dano moral individual, caracterizando-se como “mero desconforto”, segundo expresso no voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, ao examinar pretensão de um consumidor contra o Banco do Brasil.
Há mais de uma década a jurisprudência do STJ vem se firmando no sentido de que, em regra, o simples descumprimento das leis municipais que regulam o tempo máximo de espera em filas bancárias não é suficiente a autorizar o deferimento de compensação por dano moral. Isto é, o tempo excessivo de espera é apenas um fator a ser considerado para a caracterização do dano moral, devendo-se averiguar se outras circunstâncias, como o estado de saúde da pessoa, tornam sacrificante a espera pelo atendimento.
Repare-se que acima dissemos que, em regra, o simples descumprimento das leis municipais que disciplinam o tempo máximo de espera em filas bancárias não é suficiente para caracterizar o dano moral compensável. Isso porque a Terceira Turma do STJ também já decidiu que, se a espera for apenas excessiva, isto é, sem que outras circunstâncias fáticas se somem à subtração do tempo do consumidor, o dano estará configurado.
Do que foi exposto até o momento, verifica-se que os colegiados do STJ responsáveis pelo julgamento de matérias envolvendo direito privado divergem quanto à ocorrência de dano moral individual por espera em fila de banco por período excessivo de tempo. Em síntese, a Terceira Turma do STJ reconhece o dano moral individual, desde que, além do tempo de espera em desacordo com a legislação, também esteja presente alguma circunstância que agrave a espera por atendimento (regra) ou, em casos pontuais, o tempo de espera, isoladamente considerado, seja sobremaneira excessivo (exceção). Por sua vez, a Quarta Turma, até o momento, nega a ocorrência de dano moral individual, mesmo que o tempo de espera para atendimento seja excessivo, conforme decidido no REsp. 1.647.452/RO, em que o consumidor aguardou por mais de duas horas para ser atendido – situação que guarda semelhanças fáticas com o que foi objeto do REsp. 1.662.808/MT, julgado pela Terceira Turma. Ou seja, decisões diferentes para situações praticamente idênticas, fazendo com que o jurisdicionado dependa da sorte para que tenha sua pretensão acolhida pelo Tribunal da Cidadania em casos tais.
Superada a análise da jurisprudência do STJ a respeito da matéria, cumpre destacar que os estudiosos da responsabilidade civil pela perda do tempo, inobstante a existência de divergências a respeito do dano temporal como lesão autônoma, diversa do dano moral – são unânimes em considerar o tempo como valor jurídico, portanto merecedor de tutela pelo Direito.
Comentando especificamente as decisões conflitantes do STJ a respeito do dano moral por espera em fila de banco, Flávio Tartuce, em sua coluna na Rádio Justiça do STF, assevera que discorda do posicionamento da Quarta Turma do STJ, não havendo razão para se diferenciar a lesão coletiva da lesão individual, pois, verificada a subtração abusiva do tempo do consumidor, presente estará o dever de indenizar, O mesmo autor sustenta, ainda, que, inexistindo previsão expressa em legislação local sobre o tempo máximo de espera para atendimento nas agências bancárias, considera razoável o tempo máximo de 1 hora; acima desse tempo, estará configurada a lesão ao tempo do consumidor, posicionamento com o qual estamos de acordo.
Finalmente, após vistos os posicionamentos de ambas as Turmas de direito privado do STJ a respeito do tema aqui tratado, resta aguardar eventual exame pela Quarta Turma daquele tribunal superior quanto à ocorrência de dano moral coletivo por espera em fila de banco por tempo excessivo – se acompanhará o entendimento da Terceira Turma ou se divergirá também quanto a essa hipótese. Igualmente, aguarda-se futuro posicionamento da Segunda Seção do STJ sobre a matéria, já que é o órgão responsável pela pacificação dos entendimentos entre Terceira e Quarta turmas.
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