Preclusão temporal da arguição de nulidade por ausência de intimação do Processo Penal

Data:

Coautor: Jeffrey Chiquini. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal do Paraná.

O Superior Tribunal de Justiça definiu que a nulidade decorrente da ausência de intimação – seja a pessoal ou por diário oficial – da data de julgamento do recurso não pode ser arguida a qualquer tempo, sujeitando-se à preclusão temporal. – Jurisprudência em teses edição nº 69

Esse entendimento se demonstra no seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. NÃO CONHECIMENTO. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO QUANTO À DATA DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. PROFISSIONAL QUE FOI CIENTIFICADO DO ACÓRDÃO. NÃO IMPUGNAÇÃO DA INOBSERVÂNCIA DA ALUDIDA FORMALIDADE. MÁCULA SUSCITADA POR OUTRO PROFISSIONAL MAIS DE 18 (DEZOITO) ANOS APÓS A PROLAÇÃO DO ARESTO QUE SE PRETENDE ANULAR. PRECLUSÃO. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. DESPROVIMENTO DA INSURGÊNCIA.

  1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.
  2. A despeito de acarretar nulidade, por cerceamento de defesa, a ausência de intimação pessoal do defensor dativo para a sessão de julgamento do recurso de apelação, há hipóteses peculiares em que a preclusão se torna óbice ao reconhecimento da eiva articulada. Precedentes.
  3. Na espécie, não obstante não haja nos autos quaisquer peças processuais que evidenciem que o defensor dativo não foi pessoalmente intimado para a sessão de julgamento, ainda que tal formalidade efetivamente não tenha sido implementada, o certo é que o referido causídico foi devidamente cientificado do acórdão proferido na apelação, não arguindo, em momento algum, a mácula em questão, que só veio a ser suscitada no ano de 2018, quando da impetração deste mandamus, isto é, mais de 18 (dezoito) anos após a prolação do aresto que se pretende anular, o que importa no reconhecimento da preclusão. Doutrina. Precedentes.
  4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC 485.184/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/02/2019, DJe 26/02/2019)

Introdução

Segundo a tipicidade do processo penal, os atos devem ser praticados de acordo com a orientação da norma correspondente[1].

Nulidade é uma sanção aplicada aos casos de descumprimento da tipicidade processual penal, que impede a produção de efeitos de atos praticados sem atenção aos limites normativos.

Alguns doutrinadores divergem sobre a natureza sancionatória da nulidade.

Paulo Rangel, Juarez Távora, Renato Brasileiro, e outros, entendem que a nulidade corresponde mesmo a uma sanção. Já Guilheme Nucci compreende que a nulidade é um vício do ato, ou seja, uma característica intrínseca dele mesmo. Apenas o reconhecimento da invalidade (ou ineficácia) do ato seria uma sanção, segundo Nucci. Júlio Fabrini Mirabete, de outro lado, defende que a nulidade tem natureza dúplice, além de ser um vício é uma sanção imposta ao ato.

Espécies de atos processuais

Se considerarmos a congruência dos atos com as orientações das normas jurídicas, é possível apresentar uma classificação nos seguintes termos.

Atos perfeitos

Os atos perfeitos são aqueles praticados com de acordo com os parâmetros normativos. Logo, são atos existentes válidos e eficazes.

Atos meramente irregulares

Atos meramente irregulares são praticados sem a estrita observância da norma, contudo, os seus defeitos não produzem efeitos negativos no processo. Eventualmente os atos meramente irregulares podem apenas implicar sanções de natureza extraprocessual.

Esses atos são existentes, válidos e eficazes, a despeito da irregularidade.

O enunciado 366 da súmula da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, reconhece não ser nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que se trata de ato meramente irregular.

Da mesma forma, há entendimento de que também correspondem a meras irregularidades a realização de interceptação telefônica nos autos principais, a ausência de recibo do preso ao condutor do flagrante, entre outros.

Atos nulos

Os atos nulos são aqueles praticados sem a observância de alguns requisitos normativos essenciais. Por não atender a alguns padrões mínimos da norma, esses atos deverão receber censura correspondente a escala do vício.

Dependendo na natureza relativa ou absoluta da nulidade, esses atos poderão ou não produzir efeitos no processo penal. Ainda que existentes ou mesmo inválidos, os atos nulos poderão produzir efeitos processuais até o reconhecimento do vício. É possível que os atos, relativamente ou absolutamente nulos, também sejam convalidados.[2]

Atos inexistentes

Atos inexistentes são aquelas que não possuem qualquer referência com as normas processuais. Ainda que possam ter existência fenomenológica, como a transcrição de texto em um papel, esses atos não são considerados existentes para o direito. Exemplo bem ilustrativo de ato inexistente é a prolação de uma sentença penal condenatória por um particular. Os atos inexistentes nunca poderão corrigidos e independem de reconhecimento pela autoridade judiciária.[3]

É relevante lembrar que a jurisprudência reconhece a validade de sentença proferida por magistrado durante o gozo de férias.

Momento para alegação

As nulidades só podem ser alegadas pela parte que possa ter interesse no seu reconhecimento. Assim, a parte não poderá pretender o reconhecimento de nulidade pelo descumprimento de uma formalidade que só interessaria à parte contrária.

Também não se admite que a parte pretenda o reconhecimento da nulidade de um ato praticado por ela mesma, ou seja a parte não pode arguir uma nulidade causada por ela própria[4].

Ainda é relevante destacar que, conforme indicado no art. 566 do Código de Processo Penal, não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. Essa disposição segue a orientação de que só será possível reconhecer a nulidade que causar prejuízos.

Momento para arguição das nulidades relativas

As nulidades relativas[5] da primeira fase instrutória do procedimento de competência do tribunal do júri, ocorridas após a apresentação da resposta à acusação, sob pena de preclusão temporal, devem ser arguidas nas alegações finais orais.

As nulidades relativas da instrução dos procedimentos de competência do juiz singular, ocorridas entre o oferecimento da denúncia e a citação do acusado, sob pena de preclusão, devem alegadas por ocasião do oferecimento da resposta à acusação. Já as nulidades relativas que ocorrerem após a apresentação da resposta à acusação devem ser arguidas nas alegações finais, orais ou por memoriais, sob pena de preclusão.

As nulidades relativas da decisão de pronúncia devem ser alegadas no recurso em sentido estrito.

Nos procedimentos de competência do tribunal do júri, as nulidades relativas ocorridas após a preparação do processo para julgamento em plenário deverão ser arguidas logo após o anúncio do julgamento em plenário do júri.

As nulidades relativas ocorridas durante a instrução dos processos de competência originária dos tribunais devem ser arguidas nas alegações escritas, conforme previsto no art. 11 da lei nº 8038/90, ou na sustentação oral, de acordo com o art. 12, inciso I, da lei nº 8038/90.

As nulidades relativas na sentença de primeiro grau, ou em momento posterior, deverão ser alegadas nas razões de recurso ou logo depois de anunciado o julgamento do recurso.

Por fim, as nulidades relativas praticadas durante o julgamento em plenário do júri, em audiência ou em sessão de julgamento, devem ser arguidas imediatamente depois de sua ocorrência, sob pena de preclusão.

Limites para o reconhecimento das nulidades no primeiro e segundo graus de jurisdição

No primeiro grau o juiz poderá reconhecer de ofício a existência de qualquer tipo de nulidade, de natureza absoluta ou relativa.

O art. 251 do Código de Processo Penal assinala que o juiz deve manter a regularidade do processo podendo, inclusive, requisitar a força pública.

Além disso, nos procedimentos do júri, segundo o art. 423 do Código de Processo Penal, o juiz presidente deve ordenar as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa.

Na segunda instância o reconhecimento o reconhecimento de nulidades está condicionado ao efeito devolutivo, em razão do qual o poder de reexame da instância superior fica restrito à parte da decisão impugnada pelo recorrente. Essa orientação consagra o princípio da inércia e, por conseguinte, impede a prestação de atividade jurisdicional sem a devida provocação das partes.

O enunciado nº 160 da súmula da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal prevê que é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de reexame necessário.

Portanto, nas hipóteses de reexame necessário, ainda que não haja alegação no recurso, o tribunal poderá reconhecer qualquer nulidade, mesmo que desfavorável ao réu. Nos recursos da acusação o tribunal também poderá reconhecer nulidades desfavoráveis ao réu, desde que tenha havido arguição do vício no recurso correspondente. Independentemente de alegação nos recursos da parte, o tribunal poderá reconhecer nulidades absolutas que sejam favoráveis ao acusado, considerando o princípio da reformatio in mellius.

Referências

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal parte especial, 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Boletim do IBCCrim n. 223, São Paulo, jun. de 2011.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao “Verdade, Dúvida e Certeza”, de Francesco Carnelutti. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Mentalidade Inquisitória e Processo Penal no Brasil. Vol. 3. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria da garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

KHALED JUNIOR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

LOPES JUNIOR, Aury. Prisões Cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal, 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

[1] Tipicidade do ato processual é a qualidade consistente em sua prática em compasso com todas as disposições constitucionais e legais que o regem. Atipicidade do ato processual penal ocorre quando, ao revés, o ato é realizado sem a observância das exigências legais e/ou constitucionais. A nulidade recairá sobre o ato processual atípico, isto é, será a sanção aplicada pelo juiz quando o ato processual for praticado em desconformidade com as leis processuais penais e/ou com a Constituição Federal. Eis a importância de se distinguir tipicidade de atipicidade do ato processual.“ TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1495.

 

[2] “Portanto, crê-se que, também em sede de nulidades absolutas, dependendo do caso, se for possível realizar novamente (outro) ato e não houver prejuízo (especialmente) ao réu, não há de se declarar a nulidade do processo. No máximo, há de se declarar a nulidade apenas do ato, que, repise-se, não admite convalidação. E se houver nulidade do processo, que sejam mantidos hígidos ao máximo os demais atos, respeitando-se, na máxima proporção, a causalidade (art. 573, CPP).”PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 813.

[3] “Atos inexistentes: tamanha a gravidade do vício que sequer podem ser tratados como atos processuais, sendo -considerados pela doutrina como espécie de “não ato”. Nesse caso, não se cogita de invalidação, visto que a inexistência representa um defeito que antecede qualquer consideração sobre a validade do ato processual. É o que ocorre, a título de exemplo, com uma sentença sem dispositivo (conclusão): apesar de existir num plano fático, esta “não sentença” é considerada juridicamente inexistente, já que não se pode conceber uma sentença sem dispositivo, ou seja, uma sentença que nada tenha decidido.” LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1584.

 

[4] “Interesse para o reconhecimento da nulidade: do mesmo modo que é exigido interesse para a prática de vários atos processuais, inclusive para o início da ação penal, exige-se tenha a parte prejudicada pela nulidade interesse no seu reconhecimento. Logo, não pode ser ela a geradora do defeito, plantado unicamente para servir a objetivos escusos. Por outro lado, ainda que não seja a causadora do vício processual, não cabe a uma parte invocar nulidade que somente beneficiaria a outra, mormente quando esta não se interessa em sua decretação.” NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 888.

[5] “[…] a nulidade é matéria privativa de ato processual, não incidindo, portanto, em atos praticados ao longo do inquérito policial, que é mero procedimento administrativo voltado para caracterização da justa causa da ação penal. Se alguma prova produzida no inquérito desatende algum requisito exigido por lei essa prova em específico não terá efeito, será desconsiderada, devendo ser necessariamente repetida em juízo, não contaminando, porém, a futura ação penal a ser oferecida.” ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal parte especial, 7ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 325.

 

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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