A Teoria dos 3Cs. Relações Societárias e seu Impacto no M&A

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Por Gualtiero Schlichting Piccoli, CBO STARK e Professor de M&A na FGV.

Empreendendo desde 1986 e com minha primeira sociedade constituída em 1994, mesmo após participar de 7 grupos completamente distintos, tive o cuidado de fazer uma retrospectiva consolidando uma percepção sobre o comportamento das sociedades e as relações societárias desde seu início, bem como, sua evolução. Invariavelmente, há fases bem definidas e um ciclo a ser observado. Em minhas 7 jornadas como empreendedor, não divido em êxito ou fracasso pelo benefício ou prejuízo econômico. De qualquer forma, tive apenas um default, 5 exits com benefício econômico, sendo que um deles multipliquei em 60 vezes o capital investido em 3 anos (Educação). Atuei em mercados aquecidos e promissores como: Educação, BPO/Contact Center, Terceiro Setor, Engenharia, Biotecnologia, Food Service e Mercado Financeiro (Atual).

Vivi momentos incríveis e períodos desafiadores, desde inauguração de escolas, formaturas, implantação de operações com grandes contingentes de pessoas para atendimentos complexos como cias aéreas, certificação e emprego para milhares de jovens em projetos sociais, tecnologias inovadoras em engenharia e biotecnologia, onde já falávamos em 2010 sobre combate a ameaças biológicas e vírus, até inauguração e fechamento de restaurantes de luxo em SP e RJ. No mercado financeiro e como Advisor, as emoções não são menores. Desde Road Show em Hong Kong até deals que fecham ou caem por uma palavra dita de forma certa ou equivocada, ou até mesmo um documento que subiu errado no dataroom, comprometendo toda uma operação de mais de um ano de trabalho. Nesses quase 30 anos, fui empreendedor, às vezes executivo contratado, mas sempre com uma postura de dono, engajado 24 horas e preocupado com o sucesso do projeto e o cuidado com as pessoas. Claro, passei momentos desafiadores. Conflitos societários estiveram presentes, planos econômicos e instabilidade política e percebi a diferença no comportamento do Grupo em cada um dos desafios. Tive sócios que “cuidavam do caixa” e a grande decepção foi saber que tal cuidado era apenas para benefício próprio. Assim como convivi com pessoas maravilhosas, que fizeram parte da minha formação profissional e pessoal por sua postura, retidão e caráter.

Em 30 anos, dá para viver muita coisa, não é mesmo? Desde 2016 falo da Teoria dos 3Cs. Compatibilidade, Convívio e Crescimento Societário. Após ter mais de 3 dezenas de sócios e trabalhando como Advisor de M&A nos últimos 5 anos para outras 3 dezenas, consigo perceber que há 3 fases distintas em todas as sociedades e cada uma possui seus aspectos próprios. Entendê-las pode significar, na maioria das vezes, o motivo do sucesso ou fracasso de um dado empreendimento. Afinal, tudo são pessoas, não é mesmo? A forma pela qual as pessoas irão interagir e encarar os desafios é o que determina muita coisa, se não tudo… Vejamos a seguir o que Chamo de 3Cs:

Compatibilidade Societária – Na formação da sociedade, a compatibilidade geralmente está ligada à complementaridade de competências técnicas e não necessariamente à compatibilidade das personalidades. Ou seja, pode ocultar um dos maiores desafios entre sócios e sua capacidade de convivência futura. (Pragmáticos, Analíticos, Integradores ou Expressivos, como eles convivem e crescem societariamente?) Temos aqui a fase da inclusão, onde cada um percebe somente o melhor do outro.
Convívio Societário – Após dois anos, inicia a fase do controle, onde cada um começa a estabelecer limites de parte a parte. Alguns optam por ocultar essa agenda, acumulando os pontos que cada um se desagrada com o outro, criando uma bomba que certamente explode em situações de tensão, sacrifício ou divisão de lucro. Outras sociedades já amadurecem por si só ou com o apoio externo e aparam arestas, dividem tarefas e evoluem para o crescimento.
Crescimento Societário – Não confundir crescimento da empresa com crescimento societário (entre os sócios). Sócios que decidem melhorar sua governança, buscam a profissionalização da empresa e seu desenvolvimento pessoal de forma concomitante. Estudam, se qualificam, reconhecem suas fraquezas e se apoiam uns nos outros em busca de um crescimento coletivo, como um time que joga junto e cresce de forma coletiva. Isso é o crescimento societário.

Após entender que há 3 fases distintas nas relações societárias, quais devem ser as armadilhas a serem evitadas?

  1. Não escolher um sócio somente por complementaridades técnicas. Empreender significa tomar risco e é muito comum cada um ter níveis distintos de apetite a risco. Isso sem falar também do que cada um carrega em seu passado. Uma Due na pessoa física é fundamental antes de constituir uma sociedade.
  2. Definir papéis antes de negociar participações societárias. Quem traz cliente e investidor e aporta recurso sempre terá mais valor do quem teve a ideia e desenvolveu o produto. Isso é dado pelo mercado e não é opinião pessoal.
  3. Visões precisam ser alinhadas com frequência. Dois barcos no oceano com apenas 1 grau de diferença, em apenas poucas horas, terão quilômetros de distância entre si.
  4. O alinhamento deve ser feito não só na visão de produto, mercado ou caixa, mas também na postura de cada um em relação ao sentimentos de medo, insegurança e a atitude de cada um frente a cada situação.
  5. Uma empresa que cresce, mas seus sócios não evoluem pode ter um destino complicado.

Mas afinal, qual a relação entre as relações societárias e um processo de atração de investimento ou uma venda de participação?

Vamos pensar em alguns cenários:

Cenário A, uma venda total, onde os sócios possuem participações iguais.

Cenário B, uma venda total, onde um sócio possui uma participação muito maior do que a do outro.

Cenário C, uma venda parcial onde um dos sócios minoritários é nitidamente substituível, como aquele sócio que não está na operação e faz a parte financeira administrativa.

Cenário D, uma captação de recursos, onde um sócio quer recurso para investir na companhia (Cash In) e acelerar crescimento e o outro quer colocar grana no bolso (Cash Out) e desacelerar.

Tenho certeza que mesmo sem discorrer sobre os potenciais conflitos, em cada um dos cenários acima, sirvo-me da breve e singela reflexão para reforçar a importância de chamar atenção para os empreendedores da importância de mapear, cuidar e nutrir as relações com seus sócios, pois, no final do dia, esse ativo será precificado de uma forma ou de outra. Aquilo que pode parecer subjetivo, se tangibiliza quanto mais alinhadas forem as visões e quanto maior for o crescimento dos sócios enquanto time que joga junto. Isso é visto pelo mercado e os investidores sentem de longe onde há harmonia e alinhamento e onde há divergência e conflito. Às vezes, a resposta para “Por que investiram no meu concorrente se meu produto é bem melhor?” está justamente no seguinte ponto: porque eles possuem um captable* mais simples, ajustado e alinhado. Registro aqui minha conclusão. Escolher bons sócios, manter visões alinhadas e crescer juntos, na minha visão, é mais importante do que estar em bons negócios com as pessoas erradas.

*Captable – Termo utilizado, principalmente no setor de tecnologia, para definir participações societárias. Uma frase comum dos empreendedores é: ”Meu cap é todo zuado”. Sim, o empreendedor foi vendendo participação ou fazendo vesting de forma desestruturada e, hoje, mesmo tendo um produto interessante e uma boa base de clientes, tem muita dificuldade em fazer uma nova rodada ou até mesmo um exit, pois gasta muita da sua energia administrando conflitos societários.

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