A decisão da Presidência do TJRJ que permitia a apreensão de livros que tratam do tema homotransexualidade na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, foi suspensa pelo ministro Dias Toffoli, no STF, após pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). A Bienal terminou ontem, domingo.
A Prefeitura do Rio de Janeiro notificou organização da Bienal sobre os livros que abordavam o tema da homotransexualidade. Na visão da municipalidade, os livros poderiam ser apreendidos, porque estavam sendo comercializados sem embalagem lacrada e advertência quanto ao conteúdo. A prefeitura ainda advertiu a organização sobre o risco de cassação da licença para a realização da feira.
Na Suspensão de Liminar 1248 apresentada ao Supremo, a PGR alega que “o ato da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro discrimina frontalmente pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero, ao determinar o uso de embalagem lacrada somente para obras que tratem do tema do homotransexualismo”.
Para a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, a decisão questionada “fere frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação”.
O ministro justificou sua decisão na SL com base na violação à ordem pública e jurídica. Para ele, a decisão questionada, ao entender que o conteúdo homoafetivo nas publicações infanto-juvenis exige prévia indicação de seu teor, “findou por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude, ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o princípio da igualdade, em disposição que – sob pretensa proteção da criança e do adolescente – se pôs na armadilha sutil da distinção entre proteção e preconceito”.
Na concessão da medida, Toffoli ainda ressaltou que o STF possui jurisprudência, baseada no princípio constitucional que veda qualquer discriminação em virtude de raça, cor ou sexo, sobre a equivalência da união civil de casais formados por pessoas do mesmo sexo e de casais heterossexuais.
Para o ministro, o regime democrático pressupõe o livre trânsito de ideias, em que todos têm direito a voz. Toffoli ressaltou que “a democracia só se firma e progride, de fato, “em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo”.
E concluiu: “Além desse caráter instrumental para a democracia, a liberdade de expressão é um direito humano universal – previsto no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 –, sendo condição para o exercício pleno da cidadania e da autonomia individual”.
A GL Events Exhibitions Ltda., organizadora da Bienal, ajuizou Reclamação (RCL) 36742 contra a decisão do presidente do TJRJ. O relator, ministro Gilmar Mendes, também pontuou que os requisitos para a concessão da liminar estavam presentes, especialmente porque ontem era o último dia do evento.
Para o ministro a discussão não se limita à interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que fundamentou a restrição imposta pelo Tribunal estadual. Mendes disse que a ação versa também sobre “a própria conformação dos limites da ação estatal em promover o controle do conteúdo veiculado em obras artísticas, considerando a garantia constitucional de liberdade de expressão, manifestação e pensamento”.
Acerca desse aspecto, ele destacou que a jurisprudência do STF no julgamento da ADPF 130 garante a liberdade plena de informação e de imprensa, que somente podem ser integralmente preservadas se entendidas como proibitivas de qualquer tipo de censura prévia.
E concluiu: “Ao determinar de forma sumária o recolhimento de obras que tratem do tema do homotransexualismo de maneira desavisada para público jovem e infantil, a ordem da Administração Municipal consubstanciou-se em verdadeiro ato de censura prévia, com o nítido objetivo de promover a patrulha do conteúdo de publicação artística”, concluiu.
Processos: SL 1248 e RCL 36742
(Com informações do Supremo Tribunal Federal)
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