Decisão do STF pode colocar em xeque doações de gametas

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Decisão do STF pode colocar em xeque doações de gametas | Juristas
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Julgado do Supremo diz que paternidade socioafetiva não impede o reconhecimento do vínculo de filiação. Para advogado, pode ser o fim do tratamento de Fertilização in vitro heteróloga

Um homem de meia idade, interpretado pelo ator Vince Vaughn, descobre ter sido pai de 533 crianças, através da doação de esperma. Ele passa a enfrentar problemas quando algumas dezenas destas crianças, já crescidas, passam a sentir a enorme necessidade de conhecer o pai biológico. O enredo é de um filme “De repente pai”, lançado em 2014.

No final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. Ou seja, por maioria de votos, os ministros definiram que um pai biológico tem responsabilidades, com efeitos patrimoniais, independentemente do vínculo com o pai socioafetivo.

No final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a existência de paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. Ou seja, por maioria de votos, os ministros definiram que um pai biológico tem responsabilidades, com efeitos patrimoniais, independentemente do vínculo com o pai socioafetivo.

“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Portanto, aqueles que doaram seus espermatozoides, de forma anônima, têm agora motivos para se preocuparem com eventual reconhecimento do vínculo de filiação advindo da ascendência genética, e suas consequências, como direito à sucessão, à alteração do nome de família e até mesmo aos alimentos”, disse Danilo Montemurro,  especialista em Direito de Família e Sucessões.

Segundo o especialista, a partir do momento que o STF fixa essa tese, cuja decisão é objeto de repercussão geral, há reconhecimento de vínculo de filiação baseado simplesmente na ascendência genética, mesmo que exista prévia filiação socioafetiva anterior.

“A decisão nada disse sobre a relação jurídica existente entre as pessoas geradas por tratamento de FIV Heteróloga e os doadores dos gametas. Obviamente que esta hipótese é mais específica do que aquele caso concreto tratado no julgado, mas há na doação de gametas um negócio jurídico entabulado entre o médico ou banco de gametas e o doador, outro negócio jurídico entabulado ente o médico e os pacientes (pais), que protegem os doadores de gametas de eventual vínculo de filiação”, salientou Montemurro.

Sobre a decisão, o representante do pai biológico sustentou que a preponderância da paternidade socioafetiva sobre a biológica não representa fuga de responsabilidade, mas sim impede que a conveniência de um indivíduo, seja o filho ou o pai, opte pelo reconhecimento ou não da paternidade apenas em razão de possíveis efeitos materiais que seriam gerados. Defendeu que fosse mantido apenas vínculo biológico sem reconhecimento da paternidade, portanto, sem efeitos patrimoniais, pois, no caso levado ao Supremo, a própria filha afirmou que não pretendia desfazer os vínculos com o pai socioafetivo.

Mas no entendimento do relator do caso, ministro Luiz Fux, e da maioria dos ministros, o princípio da paternidade responsável impõe que, tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto àqueles originados da ascendência biológica, devem ser acolhidos pela legislação. Segundo Fux, não há impedimento do reconhecimento simultâneo de ambas as formas de paternidade – socioafetiva ou biológica –, desde que este seja o interesse do filho.

“Mesmo assim, se tratando de um caso cujo pai biológico é efetivamente conhecido, penso que este julgado importa em considerável risco para futuros e indevidos reconhecimentos de filiações a partir da coincidência genética encontrado nos doadores. Pode, sim, abrir precedentes”, alertou Danilo Montemurro.

Decisão do STF: RE 898060

Danilo Montemurro é advogado especializado em Direito de Família e Sucessões, pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP, mestrando pela Faculdade Autônoma de Direito e professor de Direito Civil pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP).

Alice Castanheira
Alice Castanheira
Alice Castanheira - Jornalista formada pela Universidade Metodista de São Bernardo do Campo (1994) e em Direito pela Faculdade Integradas de Guarulhos (FIG-Unimesp). Pós-graduada em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito (EPD) e em Comunicação Organizacional e Relações Públicas na Construção da Responsabilidade Histórica e no Resgate da Memória Institucional das Organizações pela Escola de Comunicação e Artes (ECA). Foi jornalista da área econômica e jurídica do jornais Diário Popular-Diário de S.Paulo, assessora de imprensa da Prefeitura de SP, Governo de SP, Sebrae-SP, Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT 2ª Região).

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