O Departamento de Trânsito do Distrito Federal – Detran-DF indenizará um motorista que foi detido pela Polícia Militar por conta de um erro no emplacamento da motocicleta. A genitora do condutor também será indenizada. A decisão é da juíza substituta do 2º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF.
Afirmam os demandantes que, no mês de outubro do ano de 2017, o condutor foi abordado por policiais militares que, depois de realizarem uma vistoria na motocicleta, o detiveram sob a alegação de que o veículo estava com chassi adulterado. O condutor alega também que foi algemado. Na delegacia, segundo os autores, foi constatado que houve erro no cadastro da placa e, por isso, divergência quanto ao chassi. Eles alegam também que, até a constatação do erro na emissão dos documentos, sofreram humilhações, o que justifica o pagamento de indenização por danos morais.
Em suas defesas, tanto o Detran-DF quanto o Distrito Federal pleiteiam que o pedido seja julgado improcedente. Entretanto, ao decidir, a magistrada ressalta que o Detran-DF não observou o procedimento adequado para o emplacamento do automóvel dos autores e que, no caso, o “nexo de causalidade este está suficientemente comprovado”. Para a julgadora, os demandantes suportaram prejuízos que fogem à normalidade, o que caracteriza dano moral passível de reparação.
“O primeiro autor foi algemado e detido pela polícia militar, até a constatação de erro na emissão dos documentos da motocicleta que utilizava; e a segunda requerente, que é mãe do primeiro demandante e proprietária da motocicleta em destaque, teve a sua motocicleta emplacada de maneira equivocada, o que acabou acarretando ter que assistir a detenção do próprio filho por acusação de ter adulterado o chassi da moto que ela adquirira para ele em concessionária”, disse.
Assim, o Detran-DF foi condenado a pagar ao condutor do veículo a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e a sua genitora o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), ambas a título de danos morais. A magistrada entendeu que o Distrito Federal não deve ser responsabilizado, uma vez que a PMDF atuou no cumprimento de seu dever legal ao constatar uma irregularidade e, ao verificar o equívoco, liberou o condutor do veículo.
Cabe recurso da sentença.
Processo: 0707896-66.2019.8.07.0018 – Sentença (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)
Inteiro teor da sentença:
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
2JEFAZPUB
2º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF
Número do processo: 0707896-66.2019.8.07.0018
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: FELIPE DO NASCIMENTO SILVA, ANA CLAUDIA DO NASCIMENTO
RÉU: DISTRITO FEDERAL, DEPARTAMENTO DE TRANSITO DO DISTRITO FEDERAL, LIFE DEFENSE SEGURANCA LTDA
S E N T E N Ç A
FELIPE DO NASCIMENTO SILVA e ANA CLÁUDIA DO NASCIMENTO ajuizou ação de obrigação de fazer c/c indenização de dano moral em desfavor do DISTRITO FEDERAL E DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO DISTRITO FEDERAL e LIFE SEGURANÇA.
Narram as partes autoras, em síntese, no dia 14/05/2015 adquiriram na concessionária, uma motocicleta YAMAHA T115 CRYPTON K, cor branca, placa PAF-2926/DF, chassi 9C6KE1560F0040950, renavam 04046085236. Aduzem que a referida motocicleta foi comprada em nome da segunda autora, que é mãe do primeiro requerente, mas que o bem é destinado ao uso do primeiro autor. Dizem que no dia 10/10/2017 o primeiro demandante foi abordado por policiais militares que, após vistoriarem a moto, levaram o autor detido, sob a alegação de que a moto dele estava com o chassi adulterado. Informam que na Delegacia de Polícia Civil foi constatado que a empresa ré cometeu o erro de cadastrar a placa dos autores na moto de terceira pessoa (empresa Life Segurança); e a placa da terceira pessoa na moto que fora entregue ao autor. Afirmam que estão na posse da moto com chassi 986KC1560F0040965, quando os documentos do veículo descrevem que o chassi da moto que adquiriram da ré deveria ser 9C6KE1560F0040950. Esclarecem que ambas as motocicletas são de mesmo ano e modelo. Ressaltam que ambos os demandantes sofreram severa humilhação e constrangimento, ao ser o primeiro autor algemado e detido, até a constatação do erro na emissão dos documentos; e a segunda autora (mãe), por ver o seu filho ser acusado de um crime que ela sabia que ela não havia cometido. Alegam, por fim, que tais fatos justificariam a condenação das requeridas ao pagamento de indenização imaterial.
Requereram indenização pelos danos morais suportados.
Citado, o DISTRITO FEDERAL e DETRAN/DF apresentou contestação e pugnou pela improcedência dos pedidos.
Réplica.
É o relatório.
Decido.
Incide à hipótese vertente a regra do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, por isso que promovo o julgamento antecipado da lide.
Incialmente, as questões preliminares já foram devidamente analisada, conforme decisão de ID 47138906.
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não tendo nenhuma questão de ordem processual pendente, passo ao exame do mérito.
Cuida-se de ação de conhecimento subordinada ao procedimento sumário em que o autor pleiteia indenização por danos morais em razão de fraude.
Para fundamentar o seu pleito alegam os autores que houve falha na prestação de serviços dos réus, pois a omissão do Detran/DF, em verificar se os veículos estavam sendo emplacados corretamente, implicou na entrega equivocada dos veículos aos proprietários, o que acabou acarretando na prisão ilegal do autor pela PMDF.
Dispõe o artigo 37, § 6º da Constituição Federal “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Portanto, a responsabilidade civil dos réus é objetiva e para a sua caracterização devem estar presentes os seguintes requisitos: existência de dano (material ou moral), conduta comissiva ou omissiva do agente público e nexo de causalidade.
Com relação ao nexo de causalidade este está suficientemente comprovado, posto que a responsabilidade pelos procedimentos inerentes ao registro, que inclui vistoria, conferência de chassi e emplacamento é da autarquia de trânsito, como previsto no Código de Trânsito: “art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição: III – vistoriar, inspecionar quanto às condições de segurança veicular, registrar, emplacar, selar a placa, e licenciar veículos, expedindo o Certificado de Registro e o Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão federal competente.
Está evidenciado que o Detran/DF não observou o procedimento adequado para o emplacamento do carro dos autores. Dessa forma, deve providenciar a devida retificação na documentação do veículo dos autores, haja vista que a 3ª Requerida, embora devidamente citada, não manifestou contrariedade ao pedido.
Por outro lado, não vislumbro responsabilidade do Distrito Federal, uma vez que a PMDF apenas deteve o 1º Requerente para averiguação em razão do erro de emplacamento pelo Detran, mas tão logo constatado o equívoco, liberou o 1º requerente. Restou claro que a PMDF apenas atuou no cumprimento de seu dever legal ao constatar uma irregularidade.
Passa-se ao exame do dano.
Com relação ao dano moral é pertinente uma consideração inicial.
O dano moral consistente em lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos da sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, é aquele que atinge a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Aqui se engloba o dano à imagem, o dano estético, o dano em razão da perda de um ente querido, enfim todo dano de natureza não patrimonial.
Segundo Aguiar Dias, o “conceito de dano é único e corresponde a lesão de direito, de modo que, onde há lesão de direito, deve haver reparação do dano. O dano moral deve ser compreendido em relação ao seu conteúdo, que não é o dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado.” (Da Responsabilidade Civil, 6ª edição, vol. II, pág. 414).
Entretanto, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.
Vale dizer que a dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação são consequências e não causas, caracterizando dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém alcançando de forma intensa, a ponto de atingir a sua própria essência.
O primeiro autor foi algemado e detido pela polícia militar, até a constatação de erro na emissão dos documentos da motocicleta que utilizava; e a segunda requerente, que é mãe do primeiro demandante e proprietária da motocicleta em destaque, teve a sua motocicleta emplacada de maneira equivocada, o que acabou acarretando ter que assistir a detenção do próprio filho por acusação de ter adulterado o chassi da moto que ela adquirira para ele em concessionária, verifica-se que ambos os demandantes suportaram prejuízos que fogem à normalidade, portanto, está caracterizado dano moral passível de reparação.
Feitas tais considerações, cabe enfrentar a questão do quantum da indenização por dano moral, uma vez que após a Constituição Federal/88 não há mais nenhum valor legal prefixado, nenhuma tabela ou tarifa a ser observada pelo juiz na tarefa de fixar o valor da indenização.
Em doutrina, predomina o entendimento de que a fixação da reparação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz, adequando aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Galeno Lacerda, abordando o tema em artigo publicado na Revista dos Tribunais, vol. 728, páginas 94/101, diz que a dificuldade de medir pecuniariamente o dano decorre de sua própria natureza imaterial, não se constituindo em deficiência ou demérito do sistema brasileiro, mesmo porque não há preço para a dor, e a indenização tem caráter compensatório destinado a mitigar a lesão à personalidade.
O bom senso dita que o juiz deve levar em conta para arbitrar o dano moral a condição pessoal do lesado, caracterizada pela diferença entre a situação pessoal da vítima sem referência a valor econômico ou posição social, antes e depois do fato e a extensão do dano (artigo 944 do Código Civil), sem caráter punitivo.
Assim, o valor do dano deve ser fixado com equilíbrio e em parâmetros razoáveis, de molde a não ensejar uma fonte de enriquecimento da vítima, vedado pelo ordenamento pátrio, mas que igualmente não seja apenas simbólico.
Releva notar que por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, será sempre detentor de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade – atributos do ser humano – mais preciosos que o patrimônio.
Nesse contexto e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade fixo o valor da reparação em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), para o primeiro autor e R$5.000,00 (cinco mil reais), para a segunda autora.
Em face das considerações alinhadas, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO para condenar o DETRAN/DF a retificar o emplacamento do veículo dos autores e da 3ª Requerida (LIFE DEFENSE SEGURANCA LTDA), bem como para condenar o Detran/DF a reparar ao 1º autor no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e a 2ª autora no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelos danos morais suportados, com correção monetária pelo IPCA a partir desta data e juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês a contar da citação.
Em consequência, julgo o processo com resolução de mérito, com espeque no artigo 487, I do Código de Processo Civil.
Sem custas ou honorários, na forma do artigo 55, caput, da Lei 9099/95.
Após o trânsito em julgado, não havendo novos requerimentos e demonstrado o pagamento, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.
Sentença registrada digitalmente. Publique-se. Intimem-se.
BRASÍLIA, DF, 25 de março de 2020 17:32:22.
JEANNE NASCIMENTO CUNHA GUEDES
Juíza de Direito Substituta