A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, manifestou seu voto a favor da descriminalização do aborto em mulheres com até 12 semanas de gestação em uma ação apresentada pelo PSOL em 2017. Após a posição de Weber, o ministro Luís Roberto Barroso solicitou que o caso seja julgado no plenário presencial, embora ainda não haja data definida para essa ocorrência.
Em um extenso voto com mais de 100 páginas, a ministra argumentou que estudos indicam que a criminalização não representa a abordagem mais adequada para lidar com as questões relacionadas ao aborto, sendo que a chamada justiça social reprodutiva, “fundada nos pilares de políticas públicas de saúde preventivas na gravidez indesejada, revela-se como desenho institucional mais eficaz na proteção do feto e da vida da mulher”.
Segundo a ministra, “a criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta”.
A ministra cita pesquisas indicando que as mulheres negras e de classe social mais baixa são as maiores afetadas pelos abortos ilegais.
“Ainda, cumpre assinalar que abortos inseguros e o risco aumentado da taxa de mortalidade revelam o impacto desproporcional da regra da criminalização da interrupção voluntária da gravidez não apenas em razão do sexo, do gênero, mas igualmente, e com mais densidade, nas razões de raça e condições socioeconômicas. O argumento da interseccionalidade assume ponto de relevância no discurso jurídico sobre a criminalização do aborto, na medida em que descortina todos os véus da discriminação estrutural que assola a sociedade brasileira e suas instituições, públicas e privadas”, disse.
Rosa Weber destacou que é responsabilidade do Estado atuar para corrigir as vulnerabilidades que impedem o exercício do direito à vida, ressaltando que esse direito não se restringe ao momento do nascimento. “Depender do estágio de desenvolvimento biológico do feto, diminui-se o interesse em sua proteção face à precedência da tutela dos direitos da mulher”, disse.
A ministra argumenta que a criminalização do aborto foi estabelecida em uma época em que as mulheres eram privadas de tomar decisões sobre suas próprias vidas, sendo que a “maternidade e os cuidados domésticos compunham o projeto de vida da mulher, qualquer escolha fora desse padrão era inaceitável e o estigma social, certeiro”.
Rosa Weber disse que as mulheres foram silenciadas e não conseguiram participar da definição de algo que dizia respeito ao direito das próprias mulheres, que é o sistema reprodutivo.
Para a ministra, “a descriminalização, por outro lado, ao permitir procedimentos seguros à integridade física da mulher, igualmente desvela o véu da discriminação fundada no gênero, ao redirecionar o investimento para políticas de direitos reprodutivos e sexuais. Isto é, em políticas de modernos sistemas de contracepção, saúde com informação adequada, com apoio psicológico e estrutura no planejamento familiar”.
A ministra argumentou que o Supremo não deve se abster de proteger princípios constitucionais diante da falta de ação do Legislativo. “Não pode o Supremo Tribunal Federal, segundo penso, furtar-se ao dever de fazer valer a Constituição da República diante de ato do Poder Legislativo materializador de escolha política que, ao sacrificar os direitos fundamentais das mulheres protegidos pela Constituição, ingressa em terreno que lhe fora interditado.”
“É dever deste Supremo Tribunal Federal, como instituição que tem por função precípua a guarda da Constituição, reconhecer a não recepção dos atos normativos que obstaculizam a operação da democracia e a proteção adequada e suficiente dos seus direitos fundamentais, em particular a tutela adequada do valor intrínseco da vida humana, em toda sua complexidade que assume no ordenamento constitucional”, continuou.
O PSOL entrou com a ação buscando a liberação do aborto para mulheres grávidas com até 12 semanas de gestação, contestando a criminalização prevista nos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940. O caso começou a ser julgado no plenário virtual do STF, onde os ministros podem apresentar seus posicionamentos até o dia 29 de setembro. Diante da proximidade de sua aposentadoria em 2 de outubro, quando completa 75 anos e deve se aposentar compulsoriamente, a ministra Rosa Weber optou por levar o caso para análise no plenário virtual.
Com informações do G1.
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