A 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) manteve decisão que determina ao Município de Boa Viagem e a Casa de Saúde Adília Maria o pagamento de R$ 40 mil para agricultora grávida que perdeu o bebê por negligência médica. Para o relator do caso, desembargador Fernando Luiz Ximenes Rocha, é “impróprio e até desnecessário discorrer sobre o prejuízo que emana da perda abrupta de um nascituro, em cristalina configuração de dano moral”.
De acordo com os autos, em 12 fevereiro de 2008, a gestante, sentindo fortes dores abdominais, se dirigiu a um posto de saúde do referido município, onde havia feito o acompanhamento pré-natal de sua gravidez. Lá, foi examinada e orientada por um médico a retornar para casa, porque não teria entrado ainda em trabalho de parto.
No dia seguinte, permanecendo com dores, a mulher retornou à unidade de saúde e, após novo exame, foi recomendado que procurasse o hospital. No mesmo dia, a paciente deu entrada na Casa de Saúde Adília Maria para a realização de cirurgia cesárea. Contudo, somente no dia 15, a agricultora foi submetida ao procedimento, quando verificou-se a morte do feto, que estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço.
Em virtude disso, ela ingressou com ação na Justiça contra o ente público e a unidade hospitalar, requerendo indenização por danos morais. Sustentou que houve negligência médica. Disse ainda ter ficado abalada emocionalmente com a situação.
Na contestação, os réus argumentaram que não houve qualquer erro médico, bem como nenhuma omissão do hospital ou dos profissionais de saúde.
Em 1º de julho de 2011, a juíza Suyane Macedo de Lucena, da 1ª Vara de Boa Viagem, determinou o pagamento de indenização no valor de R$ 40 mil, a título de danos morais. A magistrada destacou que reconheceu a omissão, no caso, “em face dos indícios que apontam para negligencia e imperícia”.
Tentando a reforma da sentença, hospital e município ingressaram com apelação (nº 0000217-67.2008.8.06.0051) no TJCE. Alegaram que o evento decorreu de uma fatalidade, sendo impossível ao profissional médico evitar a “laçadura” do cordão umbilical. Também defendeu que não houve nenhum ato ou omissão do hospital e de seus assistentes.
Ao julgar o processo, a 1ª Câmara Cível manteve a decisão, por unanimidade. O desembargador entendeu que houve “falha no atendimento da gestante, a ensejar a responsabilização dos recorrentes”. O relator também salientou que “há inegável nexo de causalidade entre a conduta administrativa e o prejuízo causado”.
Fonte: Tribunal de Justiça do Ceará
Ementa:
ADMINISTRATIVO E CIVIL. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. FALECIMENTO DE NASCITURO EM HOSPITAL DA REDE MUNICIPAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO ATENDIMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DOS ENTES PÚBLICOS (ART. 37, § 6º, DA CF/1988). DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DESPROVIDAS.
1. O acervo probatório revela que houve falha no atendimento da gestante, a ensejar a responsabilização dos recorrentes. In casu, está registrada a consulta do dia 13.02.2008 no posto de saúde, constando também como comentário ao referido atendimento a palavra “Parto”. Ou seja, já naquela data fora verificado que a demandante se encontrava em trabalho de parto, sendo-lhe recomendado que se encaminhasse ao hospital. Entretanto, com atraso de dois dias em relação a essa circunstância foi iniciado o parto, que findou com o falecimento do feto. Nesse sentido, afigura-se plausível concluir que, caso a cirurgia houvesse sido antecipada para o instante em que a demandante reclamava de fortes contrações, o evento morte poderia ter sido evitado.
2. A Constituição Federal adota a responsabilidade objetiva dos entes políticos (art. 37, § 6º, CF), sendo despicienda a análise de culpa ou dolo no caso concreto, pois restou comprovada a morte do nascituro.
3. Destaca-se que os apelantes não juntaram aos fólios a cópia do prontuário médico do atendimento da autora, não sendo demonstrado o motivo da demora na realização da cirurgia cesariana e se houve maiores complicações durante o parto, as quais teriam impossibilitado o nascimento com vida do feto, ainda que este estivesse com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Isso seria ônus dos réus, ora recorrentes (art. 333, II, CPC/1973 – vigente à época dos fatos), do que não se desincumbiram.
3. Impróprio e até desnecessário discorrer sobre o prejuízo que emana da perda abrupta de um nascituro, o que, por óbvio, supera os meros infortúnios do quotidiano suportados pelo homem médio. Dano moral in re ipsa.
4. Acerca do quantum debeatur estipulado em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), não é considerado desproporcional, pois consentâneo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ante o quadro fático delineado na lide.
5. Reexame necessário e apelo cível conhecidos mas desprovidos.
(TJCE – Processo: 0000217-67.2008.8.06.0051 – Apelação / Reexame Necessário – Apelantes: Casa de Saúde Adilia Maria e Município de Boa Viagem. Remetente: Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Boa Viagem. Apelado: Elizete do Nascimento Silva de Araújo. Relator: Desembargador Fernando Luiz Ximenes Rocha. Data do Julgamento: 12.09.2016)