Doadora e receptora apresentam compatibilidade.
Decisão da 5ª Câmara de Direito Privado do TJSP autorizou o transplante de rins entre duas amigas mediante alvará judicial. A turma julgadora entendeu que as restrições apresentadas na legislação que trata do tema vulneram o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.
A autora afirmou que se prontificou a doar um de seus rins a uma amiga e que houve manifestação médica favorável. O único óbice para a autorização do transplante seria a falta de ao menos quatro compatibilidades de antígenos (HLA) – exigência constante no decreto que regulamenta a Lei de Transplantes de Órgãos. Mas entre as partes há uma compatibilidade.
O relator do recurso, desembargador James Alberto Siano, explicou que o disposto no decreto não se amolda aos conceitos médicos atuais e cria uma injustificável desigualdade de tratamento entre doadores não aparentados (cônjuges em relação a amigos). “Ainda mais grave é o fato de que o regulamento extrapolou sua órbita de atuação ao trazer uma limitação ao direito de doação sem amparo na lei. Ou seja, restringiu mais do que a lei e, notadamente, nessa extensão, não tem o condão de produzir efeitos. A restrição exorbitante vulnera o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana ao criar, sem fundamento legal, embaraço para a realização de um ato de elevado altruísmo. Relevante é o parecer médico favorável e a manifestação expressa e válida da doadora, elementos de convicção devidamente demonstrados”, concluiu.
O julgamento também contou com a participação dos desembargadores João Francisco Moreira Viegas e Fábio Henrique Podestá.
Apelação nº 1021332-13.2016.8.26.0562 – Acórdão
Autoria: Comunicação Social TJSP – AG
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP
Ementa:
ALVARÁ. Pretensão de autorização para doação de um rim para pessoa amiga. Sentença de improcedência, por ausência de vínculo parental e pela falta de ao menos quatro compatibilidades em relação ao HLA, em descumprimento ao exigido pelo art. 15, § 3º, do Decreto Federal nº 2.268/97.
Apela a autora sustentando haver relação amistosa entre as partes; parecer médico favorável; inexistência do interesse de comércio e pronunciamento concordante do Ministério Público.
Cabimento.
Autora-apelante subscreveu Termo de Consentimento e apresentou solicitação de autorização judicial do Hospital das Clínicas. Manifestação médica favorável. Apelante declarou em Juízo o intuito de doar por força de amizade. Ausente indício de comércio de órgão humano. Pedido em consonância com o previsto no art. 9º, §§ 3º e 4º, da Lei nº 9.434/97.
Óbice seria a existência de apenas uma compatibilidade entre as partes em relação ao HLA, quando o § 3º do art. 15 do Decreto nº 2.268/97, que regulamente a Lei nº 9.434/97, exige ao menos quatro compatibilidades.
Dispositivo não se amolda aos conceitos médicos atuais e cria injustificável desigualdade de tratamento entre doadores não aparentados (em relação a amigos). Mais grave é o fato de que o regulamento extrapolou sua órbita de atuação.
Restringiu mais do que a lei e, notadamente, nessa extensão não tem o condão de produzir efeitos.
Restrição exorbitante vulnera o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana. Parecer médico favorável e manifestação expressa e válida da doadora. Elementos de convicção devidamente demonstrados.
Recurso provido para autorizar a autora a doar um de seus rins para sua amiga.
(TJSP – Relator(a): James Siano; Comarca: Santos; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 05/02/2017; Data de registro: 05/02/2017)