Em caso de morte de cotitular, saldo de conta conjunta solidária deve ser objeto de inventário e partilha

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Espólio
Créditos: Michał Chodyra / iStock

Com o falecimento de um dos cotitulares de conta-corrente conjunta solidária, o saldo existente deve ser objeto de inventário e partilha entre os herdeiros, aplicando-se a pena de sonegados ao cotitular que, com dolo ou má-fé, ocultar valores.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento para determinar que um homem restituísse ao espólio do irmão 50% (cinquenta por cento) do saldo existente na conta-corrente que mantinham juntos.

O recurso especial teve origem em ação de sonegados ajuizada pelo espólio, na qual pleiteou a restituição e colação de 50% (cinquenta por cento) do saldo bancário existente na conta-corrente conjunta, sob a alegação de que o irmão sobrevivente teria dolosamente ocultado o valor depois da morte. Na ação judicial, o espólio pedia também que o cotitular perdesse o direito à partilha desse valor.

A ação judicial foi parcialmente procedente em primeira instância, porém o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que os irmãos assinaram termo de solidariedade, estabelecendo que a conta poderia ser movimentada e encerrada isoladamente por qualquer um deles. Concluiu que o todo passou a pertencer a qualquer um deles, razão pela qual o valor poderia ser levantado somente por um sem a necessidade de posterior inclusão na partilha de bens decorrente do falecimento.

Conta solid​ária

A relatora do recurso no Superior Tribunal de Justiça, ministra Nancy Andrighi, explicou que existem duas espécies de conta-corrente bancária: a individual (ou unipessoal), em que há um único titular que a movimenta por si ou por meio de procurador; e a coletiva (ou conjunta), cuja titularidade é de mais de uma pessoa.

De acordo com ela, esta última pode ser fracionária, sendo movimentada apenas por todos os titulares; ou solidária, em que qualquer um dos titulares pode movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, em decorrência da solidariedade dos correntistas especificamente em relação à instituição financeira mantenedora da conta, porém não em relação a terceiros, “sobretudo porque a solidariedade, na forma do artigo 265 do Código Civil, somente decorre da lei ou do contrato, e não se presume”.

Ao citar precedentes sobre o tema, a ministra destacou que “o cotitular de conta-corrente conjunta não pode sofrer constrição em virtude de negócio jurídico celebrado pelo outro cotitular e por ele inadimplido, podendo, nessa hipótese, comprovar os valores que compõem o patrimônio de cada um e, na ausência ou na impossibilidade de prova nesse sentido, far-se-á a divisão do saldo de modo igualitário”.

Para a ministra, esse mesmo entendimento deve ser aplicado na hipótese de superveniente falecimento de um dos cotitulares da conta conjunta. “A atribuição de propriedade exclusiva sobre a totalidade do saldo em razão de uma solidariedade que, repise-se, apenas existe entre correntistas e instituição bancária, representaria grave ofensa aos direitos sucessórios dos herdeiros necessários, de modo que a importância titularizada pelo falecido deverá, obrigatoriamente, constar do inventário e da partilha”, afirmou.

Direitos sucess​órios

O espólio ainda questionou a titularidade dos valores depositados na conta conjunta, porém, diante da ausência de esclarecimento sobre a matéria fática, havendo dúvidas sobre a propriedade do valor, a ministra entendeu que deve incidir a presunção de que o saldo existente ao tempo do falecimento pertencia a ambas as partes em igualdade de condições – razão pela qual o valor deverá ser dividido em cotas idênticas.

Quanto à aplicação da pena de sonegados, Nancy Andrighi lembrou que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a aplicação dessa penalidade exige prova de má-fé ou dolo na ocultação de bens que deveriam ser trazidos à colação. Na hipótese dos autos, a relatora afastou a incidência da pena, uma vez que não havia prova segura da autoria e da propriedade dos depósitos realizados na conta conjunta, razão pela qual não seria razoável atribuir ao cotitular a prática de ato doloso, fraudulento ou de má-fé.

Processo: REsp 1836130
(Com informações do Superior Tribunal de Justiça – STJ)

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. CONTA CORRENTE BANCÁRIA COLETIVA E SOLIDÁRIA. SOLIDARIEDADE ESTABELECIDA APENAS ENTRE OS CORRENTISTAS E A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INAPLICABILIDADE A TERCEIROS. CONSTRIÇÃO DE VALORES DE COTITULAR EM VIRTUDE DO INADIMPLEMENTO DE NEGÓCIO CELEBRADO PELO OUTRO COTITULAR. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DO COTITULAR ATINGIDO DE PROVAR A PROPRIEDADE EXCLUSIVA DE VALORES. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA PRESUNÇÃO DE COTITULARIDADE IGUALITÁRIA SE IMPOSSÍVEL A COMPROVAÇÃO. EXTENSÃO DO ENTENDIMENTO PARA A HIPÓTESE DE FALECIMENTO DE UM DOS COTITULARES. RESPEITO AO DIREITO SUCESSÓRIO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. NECESSIDADE DE INCLUSÃO NO INVENTÁRIO E NA PARTILHA. PENA DE SONEGADOS. COMPROVAÇÃO DE DOLO, FRAUDE OU MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA NA HIPÓTESE.
1- Ação ajuizada em 03/11/2016. Recurso especial interposto em 17/09/2018 e atribuído à Relatora em 06/03/2019.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve omissões relevantes no acórdão recorrido; (ii) se, falecendo um dos cotitulares de conta corrente conjunta, o saldo existente deve ser objeto de inventário e de partilha entre os herdeiros e, se a resposta for positiva, se deve ser aplicada a pena de sonegados ao cotitular que não colacionou o referido valor.
3- Não há violação aos arts. 1.022, I e II, e 1.025, ambos do novo CPC, na hipótese em que todas as questões relevantes suscitadas são enfrentadas pelo acórdão, ainda que contrariamente aos interesses da parte.
4- Na conta corrente bancária coletiva e solidária, cada cotitular possui o direito de movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, sendo que a solidariedade se estabelece apenas entre os correntistas e a instituição financeira mantenedora da conta, mas não em relação a terceiros. Precedentes.
5- O cotitular de conta corrente conjunta não pode sofrer constrição em virtude de negócio jurídico celebrado pelo outro cotitular e por ele inadimplido, podendo, nessa hipótese, comprovar os valores que compõem o patrimônio de cada um e, na ausência ou na impossibilidade de prova nesse sentido, far-se-á a divisão do saldo de modo igualitário. Precedentes.
6- Esse mesmo entendimento deve se aplicar na hipótese de superveniente falecimento de um dos cotitulares da conta corrente conjunta, na medida em que a atribuição de propriedade exclusiva sobre a totalidade do saldo ao cotitular remanescente representaria grave ofensa aos direitos sucessórios dos herdeiros necessários, de modo que a importância titularizada pelo falecido deverá, obrigatoriamente, constar do inventário e da partilha.
7- Não sendo possível esclarecer a autoria, a propriedade e a origem dos aportes realizados na conta corrente conjunta, deverá incidir a presunção de que o saldo existente na conta corrente ao tempo do falecimento pertencia a ambas as partes em igualdade de condições, razão pela qual o valor deve ser dividido em quotas-parte idênticas.
8- Considerando que a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que a aplicação da pena de sonegados pressupõe a prova de dolo, fraude ou má-fé, com ressalva pessoal de entendimento desta Relatora, não se afigura razoável a aplicação da referida penalidade na hipótese em que a autoria, propriedade e origem dos recursos existentes na conta corrente conjunta mantida pelo autor da herança é duvidosa.
9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, com inversão da sucumbência.
(STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.836.130 – RS (2019/0045540-4) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : DARCY NEJAR – ESPÓLIO REPR. POR : ANDREA DE SOUZA NEJAR – INVENTARIANTE ADVOGADOS : MAXIMILIAM EVANGELISTA PINTO – RS0048039 JOSE MAURICIO FALEIRO PRATES – RS0049440 RECORRIDO : HILDO NEJAR ADVOGADO : LEVY LEONARDO DE LUNA MONTEIRO – RJ151724. Data do Julgamento: 10/03/2020)
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