União responde subjetiva e solidariamente por indenização decorrente de naufrágio de embarcação superlotada

Data:

Naufrágio
Créditos: Kesu01 / iStock

Ao julgar pedido de indenização a título de danos materiais e morais sofridos pelos demandantes em decorrência de naufrágio de uma embarcação que resultou na morte dos filhos menores das partes autoras, enquanto viajavam de Santarém/PA para Belém/PA, e na perda dos bens que transportava, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) entendeu, por unanimidade, que a União Federal também tem responsabilidade sobre o acidente, mantendo, assim, a condenação da União Federal e dos responsáveis pela embarcação, solidariamente, ao pagamento das indenizações devidas aos demandantes.

De acordo com os autos, o barco, durante travessia de Santarém/PA para Belém/PA, operava com capacidade maior do que a permitida e, segundo as declarações de passageiros, a embarcação foi fiscalizada corretamente pela Capitania dos Portos, tendo em vista que um dos réus da ação teria se aproveitado de seu prestígio para que as autoridades se omitissem em relação às irregularidades da embarcação.

“É certo que, em se tratando de omissão do Poder Público, a responsabilidade civil é subjetiva, sendo necessário perquirir a existência de culpa por parte da Administração. Sob essa ótica, subsiste a responsabilidade da União, tendo em vista que a referida culpa é aferida pela falha na prestação dos serviços de competência do Estado (teoria da faute du service)”, destacou o relator, juiz federal convocado Ilan Presser.

O magistrado destacou que o argumento da União Federal de que as condições climáticas foram a única causa das mortes no acidente é inválido, já que a superlotação do barco leva, consequentemente, à insuficiência de coletes salva-vidas e demais equipamentos de proteção que poderiam ter reduzido ou zerado o número de vítimas fatais.

Prejuízos – O caso chegou à Justiça Federal em demanda judicial ajuizada por um casal que estava na embarcação e que perdeu dois filhos menores no acidente, além de bens que transportavam durante a travessia, tendo em vista que estavam de mudança para Belém.

O TRF1 condenou a União Federal, o proprietário e o locatário do barco a indenizarem, solidária e proporcionalmente, a família com R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelas bagagens perdidas no acidente; R$ 70.000,00 (setenta mil reais) pela perda de cada um dos filhos e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) à mulher, que estava grávida na data do naufrágio, pelos momentos angustiantes que suportou.

Processo: 0006053-93.2005.4.01.3900

(Com informações do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1)

EMENTA

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NAUFRÁGIO DE EMBARCAÇÃO. MORTE DE FILHOS POR AFOGAMENTO. PERDA DE BENS MATERIAIS. SUPERLOTAÇÃO. OMISSÃO DA CAPITANIA DOS PORTOS. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA UNIÃO. IMPRUDÊNCIA DO RESPONSÁVEL PELO FRETE DA EMBARCAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. MANUTENÇÃO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA PARCIAL DA LEI Nº 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

I-Trata-se de ação indenizatória ajuizada pelos recorridos em virtude da perda de seus bens materiais e do falecimento de seus dois filhos menores por ocasião de naufrágio do barco a motor Dom Luiz XV-I, ocorrido em 17/12/2002 nas proximidades de Vila do Conde/PA.

II-Já decidiu esta Corte Regional e o colendo STJ que a apresentação de alegações finais não é obrigatória sequer no processo penal, tampouco a fortiori no processo civil, devendo as partes demonstrar efetivo prejuízo à defesa de suas pretensões.

III–O indeferimento da oitiva de testemunha arrolada pela União não implica cerceamento de defesa, já que desnecessária ao deslinde da controvérsia. A prova oral colacionada aos autos é farta, uma vez que foram colhidas as declarações de dezenas de passageiros sobreviventes, além da tripulação do barco, testemunhas oculares do infortúnio.

IV-Em se tratando de omissão do Poder Público, a responsabilidade civil é subjetiva, sendo necessário perquirir a existência de culpa por parte da Administração, aferida pela falha na prestação dos serviços de competência do Estado (teoria da faute du service).

V-Embora o Inquérito Militar tenha concluído pela ausência de omissão ou negligência dos funcionários da Delegacia Fluvial de Santarém, tal conclusão não se coaduna com as declarações uníssonas dos passageiros e tripulantes sobreviventes.

VI-O que se extrai do conjunto dos depoimentos colhidos é que o réu Antônio Rocha Júnior, filho de Deputado Estadual do Pará, pessoa influente na cidade de Santarém, utilizou seu prestígio junto às autoridades da Capitania dos Portos para que estes se omitissem em relação às irregularidades da embarcação.

VII-Ao contrário do que sustenta a União, as condições climáticas desfavoráveis não foram a única causa das mortes, pois a superlotação do barco leva inexoravelmente à insuficiência de coletes salva-vidas e demais equipamentos de proteção, que poderiam ter reduzido ou zerado o número de vítimas fatais.

VIII-Não há óbice à formação de convencimento com base em documentos obtidos mediante empréstimo a procedimento de inquérito policial, desde que tenham sido devidamente submetidos ao contraditório, situação esta verificada nos presentes autos.

IX–A prova testemunhal indica de forma contundente o poder de decisão e a posição de comando do réu Antônio Rocha Júnior na fatídica viagem. Relatam as testemunhas que a travessia da Baía de Marajó foi realizada em horário inapropriado por ordens do aludido réu, apesar dos veementes protestos da população de Ponta Negra, onde a embarcação atracou para aguardar a melhoria das condições da travessia.

X–Deve subsistir o montante fixado na sentença monocrática a título de danos materiais, tendo em vista que, embora de baixa renda, a família se encontrava de mudança para Belém, fato este não disputado nos presentes autos. Nesse cenário, é razoável presumir que carregavam uma quantidade significativa de pertences.

XI-Os danos morais, por sua vez, não merecem qualquer minoração, tendo em vista a gravidade dos fatos e o grau de culpa dos agentes envolvidos, que ignoraram a evidente superlotação do barco, bem como os riscos de realizar a travessia da Baía de Marajó em horário inapropriado.

XII-A dor e a angústia provocadas pela perda de um filho em tenra idade são incomensuráveis, para não mencionar, no caso da autora Cleunide Camurça Queiroz, os momentos de desespero durante os quais tentava salvar sua vida, ao mesmo tempo em que desconhecia o paradeiro das crianças.

XIII-Em se tratando de condenação não tributária imposta à Fazenda Pública, antes da entrada em vigor do Código Civil/2002 os juros de mora deverão ser de 0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do CC/1916; a partir da entrada em vigor do CC/2002, os juros de mora deverão ser de 1% ao mês, até o início da vigência da Lei nº 11.960/2009, quando se dará a aplicação do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com redação dada pelo referido diploma legal.

XIV–É devida a condenação dos réus ao pagamento de honorários advocatícios em favor do advogado dos autores, os quais devem ser majorados em sede recursal por força do art. 85, § 11, do CPC/2015. Nos termos da Súmula 326 do STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca. Já a indenização concedida a título de danos materiais em valor inferior ao pretendido representa sucumbência em parte mínima do pedido.

XV–Apelação de Antônio Rocha Júnior desprovida. Apelação da União Federal e remessa oficial parcialmente providas.

(TRF1 – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N. 2005.39.00.006053-3/PA – RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE- RELATOR CONVOCADO: JUIZ FEDERAL ILAN PRESSER – APELANTE: ANTONIO ROCHA JUNIOR – ADVOGADO: PA00010087 – SIDNEY CAMPOS GOMES – APELANTE: UNIAO FEDERAL – PROCURADOR: MA00003699 – NIOMAR DE SOUSA NOGUEIRA- APELADOS: CLEUNIDE CAMURCA QUEIROZ E CONJUGE – ADVOGADO: PA00009967 – FIRMINO GOUVEIA DOS SANTOS – APELADO: CARLOS AUGUSTO GOMES DA SILVA E OUTROS(AS) – REMETENTE: JUIZO FEDERAL DA 2A VARA – PA)

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