O sistema prisional do Japão é conhecido como o mais rígido e desumano, sendo um país severo nas suas sanções contra criminosos e cuja fama veio à tona novamente, em noticiário internacional, após as declarações do ex-executivo da aliança RenaultNissan, Carlos Ghosn, acusado pela justiça japonesa de crimes financeiros e enriquecimento ilícito.
Carlos Ghosn está preso desde novembro de 2018, o franco-brasileiro-libanês fugiu da prisão dia 29 de dezembro de 2019, em um jato particular, por não aceitar à forma “brutal”, segundo ele, com que foi mantido na prisão. A fuga tem lances espetaculares: Ghosn escapou do Japão usando máscara, chapéu e entrando dentro de uma caixa transportada como mala.
Em Beirute, no Líbano, o executivo deu uma entrevista coletiva na última quarta-feira (8), em que afirmou que ficou isolado durante 130 dias. Em seguida, foi levado para uma pequena cela que só tinha uma janela, e era liberado para tomar banho somente duas vezes por semana — regra comum nas cadeias japonesas durante o verão (no inverno só há um banho semanal).
O início do fato começa a ocorrer em novembro de 2018, quando Carlos Ghosn foi preso em Tóquio sob alegações de má conduta financeira. Passou 100 dias em prisão preventiva, e foi solto após pagar uma fiança milionária, uma das maiores já aplicadas no Japão. Pouco tempo depois, foi preso novamente. Ghosn pagou fiança de novo e em abril de 2019 passou a cumprir prisão domiciliar sob rígidas condições — era monitorado constantemente pela polícia, teve os passaportes apreendidos e só podia conversar com sua esposa, Carole Ghosn, com autorização da Justiça japonesa.
Para entender a fama do Japão tem de rigidez nas suas prisões, o professor da USP (Universidade de São Paulo) Masato Ninomiya, especialista em Direito japonês, explica que “o sistema penitenciário do país é mais rígido do que o nosso”.
No sistema judicial do Japão não há distinções como foro privilegiados nem celas especiais, o julgamento da pena e da gravidade do crime é de livre interpretação do juiz. Pode variar de três a cinco anos de prisão até a pena de morte — neste caso, conferida a quem comete homicídio de duas ou mais pessoas.
“Quando o condenado é recolhido na penitenciária, passa a sofrer uma série de restrições à liberdade. Se ele está recolhido na penitenciária é porque ele foi condenado. Não há presunção de inocência, neste caso”, explica Ninomiya. “O regime é rígido, quase militar. Não há visitas íntimas, não se pode conversar com outros, a não ser em alguns momentos como o da refeição. Mesmo assim, a conversa só é permitida entre os presos que apresentam bom comportamento.”
Outro ponto importante do sistema do Japão é que o trabalho na penitenciária é obrigatório, e o preso recebe uma remuneração de pequeno valor. “Não há corrupção miúda, em princípio, no sistema penitenciário japonês”, acrescenta, comparando o sistema ao das cadeias brasileiras, em que há uso ilegal de celulares e outros equipamentos de comunicação.
O ex-promotor japonês Nobuo Gohara, em entrevista, disse que o sistema de Justiça criminal no Japão “é focado no interrogatório”, com objetivo de obter do acusado uma confissão. “Um suspeito que admite um crime pode até ser libertado da prisão […] Mas se uma pessoa se recusa a admitir o crime, a Promotoria vai se opor fortemente a sua libertação, até que obtenha uma confissão.”
Uma das semelhanças que as cadeias japonesas tem com as brasileiras, em relação à severidade, diz respeito à violação de direitos humanos, entende a socióloga Letícia Almeida. “Devemos pensar o que é rigidez. Pois, no Brasil, na prática, também não há presunção de inocência. Há muitos presos que sequer foram julgados. Não há alimentação digna, cuidados com saúde nem acesso efetivo à defesa.”
Fonte: UOL