Para que a Administração Pública possa ser responsabilizada pelos atos dos seus agentes, basta apenas que a vítima demonstre o dano e o nexo causal que justifica a obrigação do Estado de indenizar.
Com fulcro nesse entendimento, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento ao recurso de apelação da demandante, que sofreu danos em seu sistema locomotor depois de receber uma anestesia raquidiana, para reformar a decisão da 2ª Vara de Rondônia/RO, que fixou pensão vitalícia em valor inferior a um salário mínimo. A União Federal também recorreu da sentença.
Há nos autos que a demandante, dependente de militar da Aeronáutica, foi internada no Hospital de Guarnição e submetida à cirurgia para retirada do útero. Quando a anestesia raquidiana foi aplicada, ela sentiu uma pontada muito forte na coluna, perdendo a consciência em seguida. Depois do procedimento cirúrgico e passado o efeito da anestesia, não conseguiu mexer a perna direita. Ao buscar o anestesista para esclarecimento, o mesmo afirmou que a paralisia do membro inferior era normal e que a recorrente voltaria a andar em, no máximo, duas semanas.
Depois desse prazo, a recorrente não observou melhora e passou a se locomover de cadeira de rodas, frequentar fisioterapia e médicos ortopedista e neurologista. O prazo de recuperação dado pelos médicos foi de 2 (dois) anos, e após passar todo esse tempo a demandante obteve outro diagnóstico, o qual atestava que a anestesia ministrada atingiu a estrutura nervosa, ocasionando lesões irreversíveis, como a ausência de recuperação dos movimentos e a sensibilidade da perna, tornando-se inválida para o trabalho, com dificuldade de andar e sem poder ficar sentada por muito tempo.
Em seu recurso de apelação, a União Federal alegou que a perda dos movimentos da perna da apelante não decorreu da aplicação de anestesia, mas sim de doenças que ela já tinha, cervicodorsalgia crônica, escoliose e hiperlordose de coluna.
De acordo com o juiz federal convocado César Cintra Jatahy Fonseca, relator, a Constituição Federal acolhe a teoria da responsabilidade objetiva da Administração Pública por atos de seus agentes, cabendo às “pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviços públicos responderem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O magistrado destacou que, em face da responsabilidade objetiva, não há necessidade de provar culpa ou dolo, “a não ser que a causa do dano se confunda com a culpa ou dolo do agente ou na hipótese de ‘culpa anônima do serviço’ (ausência de prestação, prestação tardia ou defeituosa ou prestação com infração de preceito regulamentar)”.
Segundo a perícia realizada, concluiu-se que a demandante apresenta quadro de radiculopatia crônica, resultado de “acidente anestésico”, sem possibilidade de regressão, e que ela não tem condições de executar atividades que exijam o pleno uso da perna direita. A perícia destacou, também, que “as causas pré-existentes podem ter corroborado para que esse acidente acontecesse”, mas não foi determinante.
Impossibilitada de trabalhar como professora, habilitada em magistério, a parte autora afirmou que o valor fixado na sentença ficaria abaixo de um salário mínimo, o que, conforme o juiz convocado, “afrontaria o art. 7º, VI, da Constituição e requer majoração para valor não inferior a 1 (um) salário mínimo”.
O Colegiado, acompanhando o voto do relator, deu parcial provimento ao recurso da União Federal para ajustar os juros de mora e deu provimento ao recurso de apelação da parte autora para fixar a pensão vitalícia em um salário mínimo mensal.
Processo nº: 2007.41.00.006139-0/RO
(Com informações do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1)
EMENTA:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA (CF, ART. 37, § 6º). OPERAÇÃO CIRÚRGICA. ACIDENTE ANESTÉSICO. PERDA DOS MOVIMENTOS DA PERNA DIREITA. PROFESSORA. INCAPACIDADE PERMANENTE. INDENIZAÇÃO. PENSÃO VITALICIA.
1.Responde a União pelo dano causado por médico-anestesista de hospital de sua propriedade – Hospital da Base Aérea de Porto Velho/RO (Hospital de Guarnição) –, que, ao aplicar anestesia raquiana causa dano ao sistema locomotor da paciente, sem que tivesse havido interferência de causa estranha (força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vitima). Precedentes.
2.De acordo com a autora, a fixação da pensão vitalícia em 1/3 da renda da autora (professora até 4ª série) implica valor inferior a um salário mínimo, o que não é suficiente para sua manutenção. Nesta Corte, tem-se fixado em casos tais pensão vitalícia no valor de 01 (salário mínimo). A propósito, na esteira da jurisprudência do STJ, “o art. 950 do Código Civil admite ressarcir não apenas a quem, na ocasião da lesão, exerça atividade profissional, mas também aquele que, muito embora não a exercitando, veja restringida sua capacidade de futuro trabalho. Havendo redução parcial da capacidade laborativa em vítima que, à época do ato ilícito, não desempenhava atividade remunerada, a base de cálculo da pensão deve se restringir a 1 (um) salário mínimo. Precedentes” (REsp 1281742/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, DJe de 05/12/2012). Confiram-se também: REsp 711720/SP, REsp 703194/SC, REsp 519258/RJ e REsp 899869/MG.
4.Indenização por danos morais, fixada em 100 (cem) salários mínimos – que atualmente correspondem a R$ 99.800,00 (noventa e oito mil e oitocentos reais) –, que se coaduna com o sofrimento descrito nos autos, bem como com as sequelas psíquicas demonstradas pericialmente.
5.Na linha da jurisprudência desta Corte: “13. Relativamente ao dano moral a incidência dos juros de mora, na espécie, deve ser feita em consonância com os ditames da Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça, a partir do evento danoso. 14. A correção monetária deverá incidir a partir da data do arbitramento. 15. Quanto aos danos materiais, os juros e a correção monetária devem incidir a partir do momento em que foi efetivado o dano (Súmula n. 43 do STJ e art. 398 do Código Civil)” (AC 0005999-12.2005.4.01.4100, Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, 6T, PJe 06/12/2019).
6.A correção monetária e os juros de mora devem respeitar a tese firmada pelo STF no RE 870.947 (tema 810) e pelo STJ no REsp 1.492.221/PR (tema 905), com a aplicação do INPC no período de suspensão da decisão proferida no RE 870.947.
7.Em vista do tempo decorrido para solução da demanda – ação proposta em 2007 –, a complexidade do caso – que demandou produção de prova pericial –, o local de prestação do serviço – a ação é originária de Rondônia – e o trabalho realizado pelo advogado, não se afigura excessiva a fixação dos honorários advocatícios em 10% do valor atualizado da condenação.
8.Parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial, tida por interposta, apenas para ajustar os juros de mora à posição do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
9.Provimento à apelação da autora para fixar a pensão vitalícia em 01 (um) salário mínimo mensal.
(TRF1 – Numeração Única: 0006136-23.2007.4.01.4100(d) – APELAÇÃO CÍVEL N. 2007.41.00.006139-0/RO – RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA RELATOR CONVOCADO : JUIZ FEDERAL CÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA APELANTE : JEANETE CARNEIRO MAGALHAES ADVOGADO : RO00002211 – KARYTHA MENEZES E MAGALHAES ADVOGADO : RO00003337 – JAIRO CARNEIRO MAGALHAES APELANTE : UNIAO FEDERAL PROCURADOR : MA00003699 – NIOMAR DE SOUSA NOGUEIRA APELADO : OS MESMOS. Data do julgamento: 16/12/2019. Data da publicação: 10/02/2019)