Continuidade da licitação não provoca lesividade manifesta
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, permitiu a contuinidade de licitação de concessão de quatro unidades prisionais à iniciativa privada. A decisão foi proferida anteontem (30) em pedido de suspensão de liminar proposto pelo estado de São Paulo.
Na primeira instância, o certame foi suspenso depois de renovação de pedido da Defensoria Pública, sob a alegação de que o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº 104/19, criando o cargo de “polícia penal”, a ser ocupado por agentes penitenciários.
Entretanto, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Pinheiro Franco, afirmou em sua decisão que tal criação não gerou fato novo. “Embora dependente de regulamentação, nenhuma foi a modificação de relevo no que toca ao Estado de São Paulo, uma vez que os cargos de agente penitenciário – há muito providos por concurso público – serão transformados em cargos de policial penal”, afirmou o magistrado.
A decisão ainda desta não restar caracterizada a “lesividade manifesta” pelo simples prosseguimento da licitação. “Se houver efetivamente nulidade de um ou outro item do edital, com eventual exclusão de parte do seu objeto (por se entender que determinadas atividades configuram exercício de poder de polícia por delegação), o contrato eventualmente já celebrado poderá ser revisado para adequação de seu preço (ao invés de invalidado na íntegra).”
Suspensão de Liminar nº 2230040-83.2019.8.26.0000 – decisão (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)
Decisão
Natureza: Suspensão de tutela. Processo n. 2230040-83.2019.8.26.0000 Requerente: Estado de São Paulo Requerida: MMa. Juíza de Direito da 13ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo Aditamento do pedido de suspensão de tutela de urgência. Decisão que mais uma vez suspendeu a tramitação do Edital de Concorrência n. 02/2019 Processo SAP/GS n. 849/2019, que tem por objeto a execução de serviços de operacionalização de quatro Unidades Prisionais sob a forma de gestão compartilhada com o Estado. Aditamento ao pedido de suspensão acolhido. I. Veio aos autos notícia de que, por força de modificação legislativa superveniente ao ajuizamento da AÇÃO CIVIL PÚBLICA n. 1052849-06.2019.8.26.0053, a DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO renovou pedido de tutela de urgência, que foi mais uma vez deferido pelo Juízo da 13ª Vara da Fazenda Pública da capital. Apresenta o ESTADO DE SÃO PAULO aditamento ao pedido de suspensão da tutela de urgência, sob fundamento, em síntese, de que persiste o estado de grave lesão à ordem, à segurança e à economia públicas que embasou a decisão de suspensão da tutela inicial, cujo objeto igualmente se mantém. II. O deferimento pelo Presidente do Tribunal do pedido de suspensão dos efeitos da tutela de urgência é medida de todo excepcional, destinada a evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, destituída de natureza recursal infringente. Trata-se de incidente processual inserido na sistemática da contracautela, em que é possível extensão dos efeitos da suspensão a liminares ou sentença supervenientes cujo objeto seja idêntico, mediante simples aditamento do pedido original. III. O caso é de acolhimento do aditamento ao pedido e de consequente suspensão da eficácia da decisão que mais um vez concedeu a tutela de urgência. A nova redação com que passaram a vigorar os artigos 21, XIV, 32, §4º e 144, VI da Constituição Federal, por força da Emenda Constitucional n. 104/2019, de 4/12/2019, que criou a “polícia penal” em nada modifica quer os fundamentos do pedido, quer o risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, a cuja salvaguarda se destina a suspensão. Transcrevo a nova redação constitucional, naquilo que tem pertinência ao aditamento do pedido. “Art.21………………………………………………………… XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; “Art.32………………………………………………………… § 4º Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, da polícia civil, da polícia penal, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar.” “Art.144…………………………………………………………. VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. § 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais. § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Prevê o artigo 4º da Emenda Constitucional n. 104/2019 que o preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e por meio da transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários. Embora dependente de regulamentação, nenhuma foi a modificação de relevo no que toca ao Estado de São Paulo, uma vez que os cargos de agente penitenciário – há muito providos por concurso público – serão transformados em cargos de policial penal. IV. No que toca à reafirmada indelegabilidade do exercício do poder de polícia, agora acrescida do argumento de indelegabilidade da função exercida pelo agente penitenciário/policial penal, não há causa para rever a decisão de deferimento da suspensão da tutela de urgência, uma vez que o panorama fático e legal se manteve estável. É regra geral – não absoluta – esta da indelegabilidade do poder de polícia. Porém, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça “ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. (…) 2. No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da propriedade e da liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em debate é a possibilidade de exercício do poder de polícia por particulares (aplicação de multas de trânsito por sociedade de economia mista). 3. As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. (…) 5. Somente o atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público. (…) 7. Recurso especial provido.” Consta do corpo do acórdão: “As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. No âmbito da limitação do exercício da propriedade e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas genéricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão da carteira corporifica a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fiscalização); e também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB (sanção). Somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público.” Oportuno destacar o caráter prematuro de qualquer conclusão acerca do efetivo alcance da modificação constitucional introduzida pela Emenda n. 104/2019 e de avaliação segura quanto à existência e ao respectivo grau da suposta incompatibilidade entre a criação da polícia penal e os termos do edital de concorrência, uma vez que dele nada consta quanto a delegação a particulares dos atos de exercício do poder polícia classificadas como legislação e sanção, estes sim indelegáveis. V. À luz das razões de ordem e segurança públicas, mantém-se hígido o cenário de periculum in mora, dado o grave risco que pode decorrer da decisão que mais uma vez concedeu a tutela de urgência, tal como foi detalhadamente exposto na decisão do Presidente do Tribunal de Justiça preferida em 14/10/2019. À evidência o periculum in mora inverso ostenta densidade manifestamente superior àquele que, aparentemente, animou a nova concessão da tutela, cuja eficácia ora se suspende, haja vista não estar caracterizada lesividade manifesta pelo tão-só prosseguimento do certame. Quando muito, se houver efetivamente nulidade de um ou outro item do edital, com eventual exclusão de parte do seu objeto (por se entender que determinadas atividades configuram exercício de poder de polícia por delegação), o contrato eventualmente já celebrado poderá ser revisado para adequação de seu preço (ao invés de invalidado na íntegra). Em suma, repito, o risco de dano decorrente da paralisação da concorrência, a esta altura, é muito superior àquele aventado para o prosseguimento do certame. Como anteriormente destacado na decisão de fls. 373/374, “a decisão ora atacada traz risco à ordem pública na acepção acima delineada, na medida em que interfere sem razão legítima manifestamente demonstrada no regular andamento de certame licitatório e na execução de política pública por agente democraticamente eleito (digo mais, por agente que foi eleito tendo, entre outras plataformas políticas, exatamente a que está agora em análise). Nesse sentido, sem que afronte a legislação em vigor, o ato questionado, cuja eficácia foi suspensa pelo Juízo da 13ª Vara da Fazenda Pública da capital, traduz deliberação no âmbito da conveniência e da oportunidade da Administração e conta com a presunção de legalidade do ato administrativo. Por isso mesmo, a decisão de 1º grau, ainda que dotada de adequada fundamentação, deve ter sua eficácia suspensa. VI. Por todo o exposto, defiro o pedido objeto do aditamento de fls. 401/415 e SUSPENDO a nova tutela de urgência concedida. Dê-se ciência ao Juízo da 13ª Vara da Fazenda Pública da capital. P.R.I.