Um equívoco de lançamento de notas afastou o sonho de um cidadão de desfrutar da segurança de um concurso público até o prazo de se aposentar. A situação levou o cidadão José Alves Nunes ao ajuizamento de demanda judicial pedindo uma indenização pelos danos morais sofridos.
O autor da demanda judicial teve o seu nome publicado como aprovado em um concurso público, porém depois descobriu-se que tudo não passou de um equívoco da Fundação vinculada à Universidade de Passo Fundo que foi a responsável pela apuração das notas.
Caso
Aprovado no concurso público nº 001/2008, realizado pelo Município de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, o candidato tomou posse no cargo de operador de máquinas rodoviárias no ano de 2008. Entretanto, quase um ano depois, foi exonerado da função.
O motivo da exoneração seria uma apuração conduzida pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, que encontrou erros na apuração das notas dos candidatos do referido concurso público.
A Fundação ligada à Universidade Federal de Passo Fundo, que foi contratada pelo Município de Passo Fundo para organizar o certame público, teria lançado as notas de forma equivocado. O autor da ação judicial impetrou mandado de segurança e conseguiu voltar ao cargo de forma liminar.
Depois da conclusão do processo administrativo do Tribunal de Contas do Estado, teria sido comprovado o equívoco, o que provocou a exoneração definitiva no ano de 2013.
O demandante, portanto, pugnou por uma indenização a título de danos morais, devido à situação vexatória a que foi exposto e danos materiais com os valores que deixou de receber em razão da exoneração do cargo público.
Em primeiro grau, a decisão foi de que já havia decorrido o prazo prescricional do direito de ação da parte demandante, o que fez com que ele recorresse ao TJ do Rio Grande do Sul.
Acórdão
O relator do caso, Desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, destacou que houve negligência da Fundação Universidade de Passo Fundo, que foi contratada pelo Município de Passo Fundo na execução técnico-administrativa do concurso público.
“Deste modo, restou evidente o prejuízo imaterial decorrente do sofrimento da parte postulante, que acreditou que iria gozar da estabilidade advinda com a aprovação em concurso público, sendo exonerada do cargo anos depois em razão da negligência da ré em exercício da atividade para qual foi contratada.”
“Ressalte-se que se manteve por cinco anos no exercício da função pública, o que, por certo, gerou enorme sofrimento e angústia ao ser exonerado do cargo que ocupava, dano imaterial que merece ser reparado”, destacou o magistrado Jorge Luiz Lopes do Canto.
O relator, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto, fixou a indenização a título de danos morais em R$ 12.000,00 (doze mil reais), porém não reconheceu nenhum direito ao pensionamento vitalício com base na média de vencimentos que o demandante percebia durante o período trabalhado. Em seu entendimento, configuraria enriquecimento sem causa, já que o candidato do concurso público, efetivamente, não logrou êxito na prova.
“Já que ele não obteve nota suficiente para ser aprovado no concurso, logo, inexistindo causa jurídica que autorizasse a pontuação indevida que lhe foi erroneamente atribuída.”
Participaram do julgamento os Desembargadores Isabel Dias Almeida, Elisa Carpim Corrêa, Lusmary Fatima Turelly da Silva e Jorge André Pereira Gailhard. (Com informações do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul)
Proc. nº 70074878604 – Acórdão (inteiro teor para download)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONCURSO PÚBLICO. EQUÍVOCO NA ATRIBUIÇÃO DE NOTAS DE CANDIDATOS. APURAÇÃO DO ERRO E EXONERAÇÃO POSTERIOR. NECESSIDADE DO TERMO FINAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA APURAR O FATO REPUTADO COMO ILÍCITO NA PRESENTE AÇÃO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. DANOS MATERIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. SENTENÇA REFORMADA.
Da norma processual aplicável ao feito
1. No caso em exame a decisão recorrida foi publicada após a data de 17/03/2016, logo, não se aplica a anterior legislação processual civil, de acordo com enunciado do STJ quanto à incidência do atual Código de Processo Civil de 2015 para as questões processuais definidas após aquele termo. Assim, em se tratando de norma processual, há a imediata incidência no caso dos autos da legislação vigente, na forma do art. 1.046 do diploma processual precitado.
Da inocorrência da prescrição
2. A presente lide tem por objeto a indenização por danos morais em decorrência de ter sido exonerado de concurso público diante da constatação, pelo Tribunal de Contas do Estado, sobre equívocos na apuração das notas pelo réu, sendo que o prazo prescricional para esta espécie de relação jurídica é o trienal, ex vi legis do art. 206, § 3º, inciso V, da legislação civil vigente.
3. É oportuno sinalar que, no caso em tela, a contagem do prazo prescricional passa a fluir da data em que a parte demandante tomou ciência efetiva do resultado do fato, ou seja, que da contagem errada dos pontos ocasionou a efetiva exoneração da parte postulante.
4. Portanto, ajuizada a presente demanda em 13/12/2013, descabe acolher a alegação de prescrição do direito de ação da parte autora, uma vez que o resultado do mandamus é que definiu a ilicitude ou não da conduta do réu, amparando a causa de pedir da presente ação indenizatória. Da possibilidade de análise do mérito da presente demanda neste grau de jurisdição
5. É possível a análise do mérito da presente ação neste grau de jurisdição, uma vez que se trata de matéria preponderantemente de direito, e estão presentes os requisitos necessários para o julgamento da lide, conforme alude o art. 1.013, §4º, do novo Código de Processo Civil.
Mérito do recurso em exame
6. Da análise dos autos, assiste razão a parte autora ao imputar ao réu a responsabilidade pelos danos ocasionados, tendo em vista que restou demonstrado o equívoco na correção das provas pela ré, o que deu azo à posse do autor em cargo público e gerou expectativa de direito de se manter exercendo este múnus público. Ressalte-se que se manteve por cinco anos no exercício de função pública, o que, por certo, gerou enorme sofrimento e angústia ao ser exonerado do cargo que ocupava, dano imaterial que merece ser reparado.
7. É oportuno destacar que houve exercício regular de direito por parte de órgão da administração pública ao proceder a correção de nota lançada equivocadamente e a exoneração dos candidatos que não atingiram a nota necessária para aprovação, em atendimento aos princípios da legalidade e impessoalidade, os quais devem estar presentes em qualquer certame público, na medida em que o administrador público age nos estritos termos autorizados em lei.
8. Entretanto, quanto à Fundação ré, restou devidamente configurada a responsabilidade pelo evento em questão, ante o agir ilícito decorrente da falha na correção das provas e lançamento das notas dos candidatos, fazendo com que houvesse a aprovação equivocada do autor em concurso público. Ademais, passados mais de cinco anos de sua nomeação, quando estava em pleno exercício de suas funções, ainda que por força de liminar concedida em mandado de segurança, ser exonerado do cargo.
9. Restou evidente o prejuízo imaterial decorrente do sofrimento da parte postulante, que acreditou que iria gozar da estabilidade advinda com a aprovação em concurso público, sendo exonerada do cargo anos depois em razão da negligência da ré no exercício da atividade para qual foi contratada. Inteligência do art. 186 do Código Civil.
10. No que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta da ré, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita da demandada que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro.
11. O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano imaterial deve levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições da ofendida, a capacidade econômica do ofensor, além da reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Por fim, há que se ter presente que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito. Quantum fixado em 12.000,00.
12. Frise-se que, quando da ocorrência de um dano material, duas subespécies de prejuízos exsurgem desta situação, os danos emergentes, ou seja, aquele efetivamente causado, decorrente da diminuição patrimonial sofrida pela vítima; e os lucros cessantes, o que esta deixou de ganhar em razão do ato ilícito.
13. Releva ponderar que diferentemente do dano imaterial sofrido pelo autor diante da negligência da parte ré no exercício de suas atribuições, quanto ao dano material melhor sorte não lhe assiste. Isso se deve ao fato de que não se trata de expectativa legítima, na medida em que o candidato de fato não obteve nota suficiente para ser aprovado no concurso, logo, inexistindo causa jurídica que autorizasse a pontuação indevida que lhe foi erroneamente atribuída.
14. Deste modo, eventual concessão de pensionamento vitalício ao autor com base na média de vencimentos percebidos durante o período trabalhado configuraria enriquecimento ilícito por parte do postulante, vez que este não logrou aprovação no concurso público realizado.
Afastada a prefacial de prescrição e dado parcial provimento ao apelo, vencido o Des. Jorge André Pereira Gailhard que provia o recurso em maior extensão.
(Apelação Cível Nº 70074878604, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 06/04/2018)