Sob a alegação de que as instituições financeiras reduzirão as elevadas e extorsivas taxas de juros cobradas aos consumidores brasileiros, o Senado aprovou recentemente o chamado “cadastro positivo”, criado em 2011 para ser um banco de dados de bons pagadores. A ideia é que o cadastro positivo se contraponha aos cadastros negativos da Serasa e do SPC, que registram os maus pagadores.
Mas será mesmo que o chamado cadastro positivo vai mesmo diminuir os altos juros, como pensam alguns senadores? O senador Eduardo Braga (MDB-AM), por exemplo, acredita que as mudanças darão ao Banco Central mecanismos para a redução das taxas de juros.
“Os micro e pequenos empresários do país não aguentam mais pagar taxas de juros altas”, disse Eduardo Braga, confiante que que o atual cenário financeiro de elevadas taxas de juros será modificado com o cadastro positivo.
Cenário de desconfiança
Mas outros senadores desconfiam de que nada mudará por conta do projeto que está na mesa do presidente Jair Bolsonaro para ser sancionado. Para o senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR), os brasileiros não devem ter “grandes ilusões” de que os juros vão diminuir nos próximos meses, caso o projeto seja sancionado.
Segundo ele, as altas taxas de juros praticadas no Brasil têm “causas mais profundas”, principalmente relacionadas ao descontrole das finanças públicas. “Não nos iludamos. É preciso combater o déficit público, se quisermos juros baixos”, declarou.
Sem ilusão
A mesma opinião tem o senador paraibano Veneziano Vital do Rêgo (PSB). Ele também afirmou que “não vai se iludir” em relação ao cadastro positivo e disse duvidar que os juros cobrados dos cidadãos serão diminuídos. “As instituições financeiras já têm seus próprios cadastros e os juros continuam altos”, frisou Veneziano.
O senador Weverton Rocha Marques de Sousa (PDT) se diz receoso desse montante de informações sobre os clientes, pagadores e cidadãos irem para as mãos das instituições financeiras. Esse tipo de informação, com dados pessoais e de compras e pagamentos de pessoas, segundo Weverton, tem um valor inestimável no mundo atual.
Perguntas que não querem calar
Ele lembra que o cadastro positivo existe desde 2011 e tem hoje 7 milhões de inscritos. “Qual desses 7 milhões tiveram benefícios por serem bons pagadores?”, indagou. A mesma pergunta foi feita pelo senador Vanderlan Cardoso (PP-GO). “Sete milhões de brasileiros já estão no cadastro positivo. E o que resolveu? Nada.”, assegurou.
O senador Esperidião Amim (PP-SC) também afirmou que o aperfeiçoamento do cadastro positivo não vai resolver a questão dos altos juros brasileiros. O senador Jayme Campos (DEM-MT) disse que apenas os cinco grandes bancos brasileiros detêm mais de 80% das movimentações do país. Ele afirmou que mais de 60 milhões de brasileiros têm seus nomes em cadastros negativos de pagamento e que os juros altos estão quebrando pequenos e médios empresários.
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, sócio e fundador da Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho, em São Paulo, tem o mesmo entendimento dos senadores Veneziano Vital do Rêgo, Vanderlan Cardoso, Esperidião Amin, Weverton Rocha e Oriovisto Guimarães, entre outros.
Segundo ele, “continua sem resposta convincente a pergunta: por que, até hoje, os milhões de brasileiros que aderiram ao cadastro não tiveram este ganho?”. Marco Aurélio de Carvalho aborda a questão em artigo publicado no jornal digital “Poder360”. Ele cita observações feitas por Claudio Considera, ex-secretário nacional de Acompanhamento Econômico, professor da Universidade Federal Fluminense e ex-presidente do conselho da Proteste Associação de Consumidores, por ocasião do exame da matéria pelo Congresso Nacional.
Consequências perniciosas
Conforme Marco Aurélio de Carvalho, Considera alfinetou o projeto aprovado pelo Senado dizendo: “Na verdade, o que as instituições financeiras querem é zerar o risco de calote sem oferecer nada em troca. Além disso, a obrigatoriedade de fazer parte desse banco de dados de bons pagadores ferirá o Código de Defesa do Consumidor (CDC)”.
De acordo com a análise do advogado Marco Aurélio de Carvalho, a exposição de dados do consumidor, de forma obrigatória, é de fato outra consequência perniciosa do Cadastro Positivo nestes tempos onde dados “são o novo capital do século 21”. Segundo ele, o especialista Ronaldo Lemos, da Universidade de Columbia, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, corrobora tal entendimento com lúcida reflexão.
Exposição de dados sem consentimento
“O projeto vai tornar ainda mais crítica a ausência de proteção aos dados pessoais no Brasil. Em outras palavras, vai expor os dados da maioria dos consumidores, que poderão ser usados – sem seu consentimento – contra seus próprios interesses”, escreveu Ronaldo Lemos para o jornal digital Poder360.
Para Marco Aurélio de Carvalho, “é crucial rever os prejuízos do cadastro positivo ao direito à privacidade, impedir a quebra de sigilo bancário e ficar atento ao monumental favorecimento a empresas que poderão fazer fortuna, às custas dos consumidores, ao se apropriarem das informações de 209 milhões de brasileiros”.
“Resta-nos, apenas, torcer para que mais um estelionato eleitoral seja evitado. E para tanto, o caminho é relativamente simples… basta que o atual presidente vete a matéria, ficando ao lado dos consumidores como o fez ainda enquanto era deputado federal”, defende o advogado.