Caso polêmico encerrado em 2009 ainda divide opinião de especialistas em Direito
Há dez anos, o Brasil parava para assistir ao desenrolar da história de Sean Goldman. O menino de nove anos era o centro de uma batalha judicial que havia começado em 2004. No início do caso, ele, com quase quatro anos de idade, havia feito uma viagem de férias para o Brasil em companhia de sua mãe, Bruna Bianchi, então casada com o pai do menino, David Goldman, com quem residia nos Estados Unidos.
Durante a viagem, porém, Bruna decidiu não retornar para os EUA e entrou com um pedido de divórcio e guarda no Rio de Janeiro. David fez o mesmo de seu país natal, alegando violação da Convenção de Haia, que trata sobre o compromisso dos países em casos de sequestro internacional de menores, e do qual o Brasil é signatário.
A batalha judicial teve desfecho na véspera de Natal de 2009, quando o ministro do STF, Gilmar Mendes, concedeu guarda ao pai (a mãe, Bruna, morreu no meio do processo, em 2008), que levou o menino de volta para os Estados Unidos. O caso, que moveu até uma conversa entre os então presidentes Barack Obama e Lula, teve grande repercussão na imprensa, movendo paixões entre as duas nações.
Especialistas apontam, no entanto, que a condução do processo no Brasil desrespeitou as normas da convenção de Haia, de 1980. Apesar do nome “sequestro” parecer forte para leigos, a advogada especializada em Direito da Família, Silvia Felipe Marzagão, do escritório Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogadas, afirma que esta posição do Brasil é relativamente comum. E prejudicial.
“A nomenclatura tem um peso, pois parece algo que remete à violência, mas trata-se de um sequestro civil e não criminal. Levar, ou permanecer em algum lugar que não seja a residência habitual da criança, sem autorização do outro guardião, já configura o sequestro de acordo com a convenção”, afirma.
E, segundo a especialista, o caso é apenas mais um dos que demonstram a falta de cumprimento do Brasil em relação à convenção. A atitude do país, aponta Silvia, é “bastante” grave.
“A convenção exige que os países signatários devolvam a criança para o seu país de origem com rapidez, sem questionar a questão em si da guarda, o que deve ser feito no local de residência da criança. O Brasil, ao contrário, revê o processo de guarda antes de definir se a criança será ou não repatriada”, afirma.
Outro caso que chamou atenção na mídia foi o da brasileira que fugiu, em 2016, da Dinamarca com as filhas em meio a uma disputa judicial pela guarda, alegando abuso e violência doméstica por parte do pai, que havia, no entanto, ganhado o direito à guarda dos menores. Ela pedia refúgio no Brasil. Em 2017, a Justiça determinou o regresso das crianças ao país europeu.
“É importante ressaltar que, independente das demais acusações e outros processos judiciais, a guarda precisa ser vista na ótica do país de residência da criança. A lei existe por diversos motivos e é para proteger a criança, sempre. É importante que isso fique claro, que respeitar a convenção é fundamental para o Brasil e para as famílias brasileiras também”, reafirma Silvia.
O que é estabelecido em Haia
A Convenção estabelece que o ato ilícito ocorre quando há violação do direito de guarda, atribuído individual ou conjuntamente pela lei do Estado na qual a criança residia antes de sua remoção.
No caso de Bruna, por exemplo, que ainda era casada com David Goldman quando veio ao Brasil com Sean, qualquer contestação a respeito da guarda de Sean deveria ter sido feita nos Estados Unidos, local de residência da criança e dos pais. A decisão da justiça brasileira, mantida em mais de uma instância, de conceder a guarda à mãe, contrariou então a Convenção de Haia.
Sair do país de origem para outro país com os filhos como “alternativa” para o ganho da guarda é relativamente comum, afirma Silvia, mas “altamente prejudicial a saúde mental dos filhos, que ficam suscetíveis ao comportamento dos adultos que pode, muitas vezes, carregar outras intenções”, finaliza.