A quarta revolução industrial, também conhecida como Indústria 4.0, é um conceito desenvolvido por um alemão chamado Klaus Schwab. Segundo Klaus, essa revolução transformará, fundamentalmente, a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Ou seja, estamos à beira de uma mudança de paradigma.
Em seu livro, Schwab afirma que:
“A quarta revolução industrial não é definida por um conjunto de tecnologias emergentes em si mesmas, mas a transição em direção a novos sistemas que foram construídos sobre a infraestrutura da revolução digital”.
A velocidade dos avanços tecnológicos e as inovações ali envolvidas não têm precedentes na história. E como parte dessa revolução, exercendo um papel, ao mesmo tempo, de força motriz e sendo, muitas vezes, o próprio resultado, temos a figura das empresas insurgentes da Nova Economia, as startups.
As startups são, com certeza, fator acelerador desse mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo (famoso V.U.C.A) que estamos inseridos, a partir do momento em que busca soluções inovadoras para problemas que surgem nessa era, por ora, ainda sem padrão. Onde tudo ocorre da noite para o dia.
Mas será que esses avanços podem ocorrer sem qualquer tipo de regulamentação? Para o Poder Legislativo brasileiro, não.
24 de fevereiro de 2021. Data em que, com o total de 71 votos, sendo todos a favor, o Projeto de Lei 146/2019, conhecido como “Marco Legal das Startups”, foi finalmente votado no Senado Federal. Mas esperem. Nosso processo legislativo não é tão simples assim, pois apesar de já ter sido aprovado nas duas casas do congresso, como ocorreram alterações no texto por parte do Senado, o projeto volta para a análise na Câmara dos Deputados, e, sendo aprovado com ou sem as alterações, ai sim irá para a sanção presidencial.
Em um breve resumo, o Marco Legal, busca(i) simplificar a criação de empresas inovadoras e delimitar a área de atuação; (ii) estimular a pesquisa e o investimento em desenvolvimento e inovação; (iii) facilitar a contratação de soluções inovadoras pelo Estado; (iv) aumentar a competitividade das startups e (v) proporcionar um ambiente juridicamente seguro para os empreendedores e potenciais investidores.
Segundo especialistas, o Marco Legal é um passo dado para criação de um ecossistema favorável ao desenvolvimento das startups. E visando esse desenvolvimento, entre as disposições mais comentadas do Projeto de Lei, podemos destacar: enquadramento de empresa na definição das startups, segurança jurídica aos investidores (investidor anjo), programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), participação das licitações e stock options.
Considerando o longo caminho que o texto base levou para ser apresentado ao Congresso e seu caminho a percorrer no legislativo, a aprovação do texto-base nas duas casas, ainda que com alterações, já gerou grandes discussões sobre o futuro da Lei e sua aplicabilidade.
Nessa linha, destacamos abaixo alguns pontos que estão gerando debate em torno do assunto:
Nova definição de Startup
Segundo o PL 146/2019, Startup são “organizações empresariais, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”. O texto ainda dispõe que a empresa deve ter faturamento bruto anual inferior a R$ 16 milhões e registro no CNPJ há menos de dez anos. Também são consideradas as empresas que fazem parte do regime especial Inova Simples.
Com relação à nova definição de Startup, há quem defenda que o uso de critérios objetivos da forma como foi estabelecida, tempo e faturamento, resulta em uma boa definição. No entanto, há também quem argumente que essa definição objetiva é controversa, tendo em vista que a cultura da empresa é mais importante que tempo e faturamento.
Investidores Anjo
O Marco Legaltrouxe novas regras para investimentos. De acordo com seu artigo 1º, parágrafo único, inciso I, as startups poderão contar com aporte de investidores sem que isso implique na participação do capital social, na direção ou no poder de decisão. Por outro lado, tais investidores não serão responsabilizados por qualquer dívida relacionada à empresa, protegendo então seu patrimônio. Além disso, poderão optar pela compra futura de ações da startup ou ainda resgatar títulos emitidos por ela. Outro ponto importante é a possibilidade de compensação de perdas e ganhos no imposto de renda. Ou seja, o investidor que realizar aportes em várias startups, e, apenas uma der lucro, terá o seu imposto de renda calculado com base nos ganhos e perdas de todos os aportes realizados.
Para muitos especialistas, esse é um ganho para as startups e de fato um avanço, porém, é uníssono que há espaço para mais benefícios e incentivos quando o assunto é investimento em startups.
Sandbox Regulatório
O texto-base autoriza a criação de um sistema que proporcione liberdade às empresas inovadoras, autorizando as famosas Agências Reguladoras como Anatel, ANS, ANAC, Anvisa, Aneel, entre outras, a suspenderem algumas normas para facilitar a pesquisa e o desenvolvimento de inovações das startups. Esse ambiente regulatório experimental conhecido como “sandbox” estabelecerá os critérios para seleção de empresas, duração e alcance da suspensão dessas normas.
A inclusão desse ponto no Projeto de Lei é vista com bons olhos, apesar de não ser uma novidade. A sua aplicação direta às startups, no entanto, é um inegável avanço. Ocorre que, tratando-se de um tema mundialmente novo, exigirá muita discussão e aprendizado para que sua aplicação seja efetiva.
Licitações
O PL 146/2019 criou uma modalidade especial de concorrência. O objetivo será resolver demandas públicas que exijam uma solução inovadora empregando tecnologia, bem como promovendo a inovação no setor produtivo. Assim, a administração pública poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas para teste de soluções inovadoras ou ainda a serem desenvolvidas, por meio de licitação. Além disso, dependendo do modelo de edital, será possível contratar mais de uma startup. No entanto, o valor máximo que a administração pública poderá pagar por essas soluções é de R$ 1,6 milhão por contrato.
Pode-se afirmar que esse é um grande ganho do marco legal, tendo em vista permitir ao poder público, potencial usuário de tecnologia, o desenvolvimento de soluções inovadoras para novos e antigos problemas. No entanto, especialistas questionam se de fato os administradores públicos farão uso de tal ferramenta.
Stock Options
Tema importante, porém, retirado do Projeto de Lei pelo Senado. As stock options são uma das formas mais utilizadas de ILP (Incentivo de Longo Prazo). Funciona como um mecanismo de atração e retenção de talentos ao passo que dá ao colaborador a opção de compra de ações da empresa a um preço pré-determinado. Ao cumprir as condições de carência, o beneficiário pode exercer suas opções, pagando à empresa o valor pré-definido e recebendo em troca o respectivo número de ações.
No entanto, o Senado retirou o trecho do PLP, sob a alegação de que as stock options devem ser tratadas em outro projeto específico tendo em vista não ser um instrumento restrito às startups.
Analisando o PL 146/2019 entende-se que é o pontapé para uma discussão sobre as startups brasileiras e seu papel fundamental na Nova Era. No entanto, com certeza, há espaço para melhorias. Além disso, será necessário que outras legislações acompanhem e ratifiquem as mudanças até aqui dispostas, bem como que o Poder Judiciário interprete e aplique a legislação de forma que favoreça os empreendedores e investidores, para que o objetivo principal da lei seja de fato uma realidade no Brasil.
Empreender não é tarefa fácil, ainda mais em terras brasileiras, e, a criação de um “marco legal” que visa regulamentar negócios inovadores, é um tremendo desafio.
Isso porque, como toda inovação, é realmente difícil prever como se dará a aplicação das regras ali dispostas. Será que quando o Projeto de Lei for de fato aprovado e passar a vigorar, todas as disposições farão sentido? Em um mundo cada vez mais acelerado, a obsolescência, quase que programada das coisas, dificultam sua regulamentação.
Permanecemos na espera, curiosos pelo o que está por vir. E como disse Millôr Fernandes “O futuro chega com tal rapidez que começo a desconfiar que agora já está atrás de mim.”
*Artigo escrito em coautoria com Mell Veloso, que é advogada especialista em Direito empresarial da Lira Advogados.
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