A importância da Constituição

Data:

A importância da Constituição | Juristas
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região

Hoje temos uma Constituição que, apesar de extremamente prolixa e repleta de disposições que não possuem densidade constitucional, talvez seja a Constituição que mais incorporou aspectos fundamentais, haja vista a valorização dos direitos individuais, coletivos, dos cidadãos, políticos, de cidadania, sociais, além da harmonia e independência entre os Poderes.

Quando foi convocada a Constituinte, nós tínhamos um regime no qual o Poder Executivo era predominante e governava por decretos-leis − que não podiam sequer ser modificados no Congresso, o qual poderia aprovar ou rejeitar, mas não apresentar emendas −, e um Poder Judiciário sendo que não havia nenhuma possibilidade de qualquer instituição apresentar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, já que o Procurador-Geral da República era o único que tinha legitimidade ativa para tanto.

Com isso, havia propostas de inconstitucionalidade de leis estaduais, mas jamais de leis federais, porque quem podia propor era o próprio advogado de quem fazia as leis, isto é, do presidente da República, que governava por decretos-leis.

Com o advento da Constituinte, participei de diversas audiências públicas, e constantemente mantive contatos com Bernardo Cabral e Ulisses Guimarães, respectivamente relator e presidente da Constituinte. O deputado Ulisses Guimarães assistiu palestra minha sobre o parlamentarismo, sendo que o projeto da Constituição foi parlamentarista até a Comissão de Sistematização. Procuraram, os Constituintes, garantir os direitos individuais e, ao mesmo tempo, que os Poderes fossem harmônicos e independentes.

Colocaram, logo no artigo primeiro, que quem era soberano em uma democracia real era o povo. Quem poderia dizer o que é ou não democracia era o povo, através de seus representantes, eleitos por eleição, não indicados − houve um período em que senadores eram indicados pelo presidente da República −, e o artigo primeiro declara, através dos seus representantes, o povo é o soberano, é o que pode, efetivamente, definir a democracia no país.

Por essa razão, é que, no Título IV da Constituição, o primeiro Poder que aparece é o Legislativo, por uma única razão: é o único Poder dos três que tem a representação da totalidade da nação, onde encontramos a situação e a oposição. A maior representação é, portanto, daqueles que elaboram as leis, manifestando a vontade do povo (artigo 44 a 69).

O segundo Poder, previsto nos artigos 76 a 91, é o Executivo, que representa a maioria do povo (salvo quando há 2º turno, caso em que muitos votam por exclusão, porque no 1º turno tinham um candidato próprio).

O terceiro Poder não é representativo do povo nem por ele eleito, sendo, pois,um poder técnico, que representa a lei, já que as pessoas que o integram possuem conhecimento para garantir o Direito. O Poder Judiciário não seria nada se não tivesse duas instituições fundamentais: o Ministério Público e a Advocacia, que formam o tripé fundamental.

constituição federal
Créditos: Reprodução

Por essa razão, é um poder técnico, que não elabora a lei, nem pode fazê-lo, segundo a Constituição, pois a ele cabe a garantia da lei e da Constituição, com a colaboração da Advocacia e do Ministério Público.

Assim, as três Instituições são importantes. Recentemente, em conversa com o ex-presidente Michel Temer (que também foi professor de Direito Constitucional) falamos sobre a relevância do fato dele ter inserido na Constituição, como Constituinte, o artigo 133, que prevê a inviolabilidade do advogado no exercício das suas funções.

Ora, esse equilíbrio dos três Poderes com funções exaustivamente definidas na Constituição é que justifica o artigo segundo. Se o primeiro diz que o povo é soberano, e manifesta-se, através dos seus Poderes representativos, Executivo e Legislativo, o poder técnico que abrange o Poder Judiciário (92 a 126), o Ministério Público (127 a 131) e a Advocacia (133 a 135), é um poder que tem que viver em harmonia e independência com os outros.

Isso foi o que os Constituintes desejaram, tanto que para preservar essa independência e harmonia, atribuíram ao Legislativo, onde encontramos situação e oposição, o artigo 49, inciso XI, a seguinte disposição: zelar− a expressão é zelar − pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes. Trata-se, pois, do sistema de freios e contrapesos, que é típico do direito Americano.

O poder técnico (Poder Judiciário) só pode atuar como legislador negativo, vale dizer, pode declarar que uma lei é inconstitucional, mas não pode jamais legislar no lugar do Legislativo. É o que está no artigo 49, inciso XI, no sentido de que a quem cabe zelar pela sua competência é o próprio poder, não podendo delegá-la.

Creio, pois, que como juristas, temos que conhecer a espinha dorsal (harmonia e independência entre os Poderes) da Constituição, não obstante sua adiposidade.

Certa vez em um debate na Folha de S. Paulo com o Celso Antônio Bandeira de Mello, Nelson Jobim e Bernardo Cabral, defendi essa posição e os três concordaram inteiramente comigo.

Mais do que isso, o relator da Constituição, Bernardo Cabral, que atualmente preside o Conselho de Notáveis da Federação do Comércio, dizia que era a posição dele também. Ele que foi eleito pela Constituinte para ser o relator, chegando a receber 2.500 artigos, propostas que teve de conciliar e que ele compactou em 245.

Por essa razão, digo o que está escrito na Constituição o que muitos, até mesmo na Suprema Corte, não perceberam ainda ou, se perceberam, não quiseram aceitar.

Os relatores, participantes, políticos e professores que acompanharam o processo constituinte são testemunhas de que durante três meses, os Constituintes não discutiram nada, pois convocaram especialistas para, em audiências públicas, exporem a sua opinião sobre a Constituição.

Eu mesmo fui a duas audiências públicas e depois continuei a dar as minhas opiniões com Delfim Neto, Dornelles, Bernardo Cabral e Ulisses, cada vez que me mandavam um texto. Digo isso para mostrar a preocupação que os Constituintes tiveram em ouvir especialistas, antes de escreverem o texto definitivo.

Por isso é fundamental que todos percebam que, de rigor, o Texto Maior e o que nele está escrito é o estatuto que um povo escolhe para si, ou seja, para saber como vai organizar sua vida, sendo imprescindível dar-se importância à supremacia da Constituição.


Você sabia que o Portal Juristas está no FacebookTwitterInstagramTelegramWhatsAppGoogle News e Linkedin? Siga-nos!

Notícias, modelos de petição e de documentos, artigos, colunas, entrevistas e muito mais: tenha tudo isso na palma da sua mão, entrando em nossa comunidade gratuita no WhatsApp.

Basta clicar aqui: https://bit.ly/zapjuristas

Ives Gandra
Ives Gandra
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Concessionária de energia é condenada a indenizar usuária por interrupção no fornecimento

A 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma usuária que ficou sem fornecimento de energia elétrica por quatro dias, após fortes chuvas na capital paulista em 2023. A decisão foi proferida pelo juiz Otávio Augusto de Oliveira Franco, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente.

Homem é condenado por incêndio que causou a morte do pai idoso

A 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem pelo crime de incêndio que resultou na morte de seu pai idoso. A decisão, proferida pela Vara Única de Conchal, reduziu a pena para oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado.

Remuneração por combate a incêndio no Porto de Santos deve se limitar ao valor do bem salvo

A 9ª Vara Cível de Santos condenou uma empresa a pagar R$ 2,8 milhões a outra companhia pelos serviços de assistência prestados no combate a um incêndio em terminal localizado no Porto de Santos. O valor foi determinado com base no limite do bem efetivamente salvo durante a operação.

Casal é condenado por expor adolescente a perigo e mantê-lo em cárcere privado após cerimônia com chá de ayahuasca

A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação de um casal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e exposição ao perigo à saúde ou vida, cometidos contra um adolescente de 16 anos. A decisão, proferida pela juíza Naira Blanco Machado, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, fixou as penas em dois anos e quatro meses de reclusão e três meses de detenção, substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo.