A reconstrução da economia criativa no Brasil

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A reconstrução da economia criativa no Brasil | Juristas
Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo

No último dia 28 de maio, o Ministério da Cultura recriou, por meio do Decreto nº 12.471/2025, a Secretaria de Economia Criativa, nomeando a professora, pesquisadora e gestora pública Cláudia Leitão, para a sua Direção. É a segunda vez que Cláudia ocupa o cargo (2011-2013), tendo experiência e qualificação para os desafios que lhe apresentam. 

Conforme os últimos estudos publicados pelo Observatório da Fundação Itaú, com base na Pesquisa por Amostra Domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAB/IBGE), a economia criativa é o setor que mais cresce proporcionalmente ao produto interno bruto (PIB) brasileiro. Entre 2012 e 2020, o PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (ECIC) cresceu 78%, enquanto a economia total do país subiu 55%, conforme dados do Observatório Itaú Cultural. [1]

Em 2020, a economia da cultura e das indústrias criativas representava 3,11% do PIB, com a contribuição relativa dos agrupamentos setoriais divididos em consumo (47,71%); cultura (2,16%) e tecnologia (50,13%). 

Em termos regionais, a contribuição relativa à economia criativa reproduz a desigualdade de desenvolvimento econômico verificada em outros setores industriais. A participação da Região Sudeste representa 71,46% do PIB, seguida pelas Regiões Sul (20,48%), Centro-Oeste (3,96%), Nordeste (3,14%) e Norte (0.96%). Por setor de contribuição, em 2020, o desenvolvimento de softwares, jogos digitais e outros serviços de tecnologias digitais representavam 50,13%; seguido pelos setores de arquitetura (29,4%) e publicidade (14,57%). Em fevereiro de 2022, o setor empregava 7.498.665 trabalhadores. 

A página do MinC informa que o Decreto de recriação da Secretaria de Economia Criativa, que também prevê uma reestruturação do Ministério, informa que a medida “visa contribuir para o reconhecimento e a consolidação da economia criativa como uma estratégia de qualificação do desenvolvimento social, econômico, ambiental, político e cultural do País”. Mas e o que isto quer dizer? [2]

Em termos conceituais, a economia criativa difere da indústria criativa. Enquanto esta se refere à manutenção de paradigmas relacionados com a indústria cultural e de massa, com a homogeneização de padrões de consumo e com a lógica competitiva capitalista, organizada sob estruturas hierárquicas e geradora de reprodução de desigualdades; a economia criativa relaciona-se com oportunidades de inserção socioeconômica sustentável. 

O papel da gestão pública perante a economia criativa tem como objetivo fomentar o desenvolvimento com envolvimento, a partir de uma lógica colaborativa, fundamentada em estruturas horizontais e em redes, tendo a criatividade como base para a emancipação, a quebra de paradigmas e a promoção da diversidade. 

Esse ponto de vista, que tem como uma de suas referências o pensamento de Celso Furtado desenvolvido no livro ““Criatividade e dependência”, foi aprofundado por Cláudia Leitão e outros pesquisadores renomados no estudo do tema, no livro  “Criatividade e Emancipação nas comunidades-rede: contribuições para uma economia criativa brasileira” (2023), organizado pelo Itaú Cultural com a colaboração da atual Secretária. 

Este último livro coloca como possíveis princípios para a economia criativa brasileira a cidadania e a democracia; a biodiversidade cultural e a tecnodiversidade; a inovação; a sustentabilidade; a inclusão produtiva; o bem comum e o bem-viver.  

Cláudia chama a atenção para a compreensão integrada do patrimônio cultural e natural, pois “a biodiversidade cultural se traduz nos usos dos territórios, biomas e ecossistemas pelas comunidades” (Leitão, 2023, p. 122). Esta visão é também apontada pela Unesco, quando compreende ser a cultura transversal aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS). 

Políticas culturais voltadas à economia criativa como contraponto à indústria cultural podem ser uma forma que o pesquisador peruano Victor Vich chama de  “desculturalizar a cultura”, ou seja, de intervir na desconstrução dos imaginários hegemônicos e fomentar uma cultura de transformação social.

A presença de Cláudia Leitão no Ministério da Cultura aponta para um horizonte de valorização dos trabalhadores da cultura e da diversidade biocultural, sendo esta, sem dúvida, um diferencial competitivo nacional. 

A recriação da Secretaria de Economia Criativa, por sua vez, aponta para maior prioridade de atenção ao setor e aos sujeitos que se beneficiam dos seus bens e serviços. 

Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo, Advogada, servidora pública, pesquisadora em Direitos Culturais, mestre e doutoranda em Direito pela UFPR, especialista em Gestão Cultural e em Captação de Recursos pela Universidade de Boston, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IODA), membro associada do IBDCult e coordenadora do GT Artes da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR

Notas:

[1]https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/201co-brasil-olha-pela-primeira-vez-para-as-politicas-de-economia-criativa-como-eixo-estrategico-para-seu-desenvolvimento201d-diz-marcio-tavares

[2]  Ver: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/governo-federal-recria-secretaria-de-economia-criativa-no-minc#:~:text=A%20reestrutura%C3%A7%C3%A3o%20visa%20contribuir%20para,pol%C3%ADtico%20e%20cultural%20do%20Pa%C3%ADs

 


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Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo
Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo
Advogada preventiva nas áreas de Artes, Cultura e Propriedade Intelectual. Servidora Pública no Itamaraty, cedida ao Ministério da Cultura. Pesquisadora em Direitos Culturais. Escritora de literatura

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