Afastamento temporário de normas restritivas de acesso ao crédito e medidas para mitigação dos impactos econômicos resultantes da pandemia do Covid-19.

Data:

No dia 30 de junho de 2021 entrou em vigor a Lei nº 14.179/2021, fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.028/2021, que estabelece regras para facilitar o acesso ao crédito e diminuir os impactos econômicos causados pela pandemia do Covid-19.

A referida Lei estabelece que todas as instituições financeiras brasileiras, públicas ou privadas, incluídas as suas subsidiárias, ficarão dispensadas, até o dia 31 de dezembro de 2021, de aplicar alguns dispositivos legislativos em operações de crédito realizadas direta ou indiretamente por seus agentes financeiros.

Nesse sentido, as instituições financeiras, por ocasião da celebração de negócios jurídicos relativos a operações de crédito (negociações ou renegociações) ficam dispensadas de observar o § 1º do art. 362 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); o inciso IV do § 1º do art. 7º da Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral); o art. 62 do Decreto-Lei nº 147/1967 (Lei Orgânica da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional); as alíneas “b” e “c” do caput do art. 27 da Lei nº 8.036/1990 (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço); a alínea “a” do inciso I do caput do art. 47 da Lei nº 8.212/1991 (Seguridade Social e Plano de Custeio); o art. 10 da Lei nº 8.870/1994; o art. 1º da Lei nº 9.012/1995; o art. 20 da Lei nº 9.393/1996 (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR); e o art. 6º da Lei nº 10.522/2002 (Cadin).

O § 1º do art. 362 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece o seguinte:

“Art. 362 – As repartições às quais competir a fiscalização do disposto no presente Capítulo (dedicado à Nacionalização do Trabalho) manterão fichário especial de empresas, do qual constem as anotações referentes ao respectivo cumprimento, e fornecerão aos interessados as certidões de quitação que se tornarem necessárias, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data do pedido. § 1º – As certidões de quitação farão prova até 30 de setembro do ano seguinte àquele a que se referiram e estarão sujeitas à taxa correspondente a 1/10 (um décimo do salário-mínimo regional. Sem elas nenhum fornecimento ou contrato poderá ser feito com o Governo da União, dos Estados ou Municípios, ou com as instituições paraestatais a eles subordinadas, nem será renovada autorização a empresa estrangeira para funcionar no País.”

O inciso IV do § 1º do art. 7º da Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral) prevê o seguinte:

“Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: […] IV – obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos.”

O art. 62 do Decreto-Lei nº 147/1967 (Lei Orgânica da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) define o seguinte:

“Art. 62. Em todos os casos em que a lei exigir a apresentação de provas de quitação de tributos federais, incluir-se-á, obrigatoriamente, dentre aquelas, a certidão negativa de inscrição de dívida ativa da União, fornecida pela Procuradoria da Fazenda Nacional competente. Parágrafo único. Terá efeito de certidão negativa aquela que, mesmo acusando dívida inscrita, vier acompanhada de prova de que o devedor, em relação a essa dívida, ofereceu bens à penhora, no respectivo executivo fiscal, mediante certidão expedida pelo cartório ou secretaria do Juízo da execução.”

As alíneas “b” e “c” do caput do art. 27 da Lei nº 8.036/1990 (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) indicam o seguinte:

“Art. 27. A apresentação do Certificado de Regularidade do FGTS, fornecido na forma do regulamento, é obrigatória nas seguintes situações: […] b) obtenção, por parte da União, dos Estados ou dos Municípios, ou por órgãos da Administração federal, estadual ou municipal, direta, indireta ou fundacional, ou indiretamente pela União, pelos Estados ou pelos Municípios, de empréstimos ou financiamentos realizados com lastro em recursos públicos ou oriundos do FGTS perante quaisquer instituições de crédito; c) obtenção de favores creditícios, isenções, subsídios, auxílios, outorga ou concessão de serviços ou quaisquer outros benefícios concedidos por órgão da Administração Federal, Estadual e Municipal, salvo quando destinados a saldar débitos para com o FGTS.”

A alínea “a” do inciso I do caput do art. 47 da Lei nº 8.212/1991 (Seguridade Social e Plano de Custeio) prevê o seguinte:

“Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: I – da empresa: a) na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele.”

O art. 10 da Lei nº 8.870/1994 estabelece o seguinte:

“Art. 10. Sem prejuízo do disposto no art. 47 da Lei nº 8.212, de 1991, é obrigatória a apresentação de Certidão Negativa de Débito (CND) pelas pessoas jurídicas e a elas equiparadas, na contratação de operações de crédito junto a instituições financeiras, que envolvam: I – recursos públicos, inclusive provenientes de fundos constitucionais e de incentivo ao desenvolvimento regional (FNO, FNE, FCO, Finam e Finor);  II – recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); e§ 1º A exigência instituída no caput aplica-se, igualmente, à liberação de eventuais parcelas previstas no contrato. § 2º Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos desta lei, as pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham como atividade principal ou acessória a intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, autorizadas pelo Banco Central do Brasil ou por Decreto do Poder Executivo a funcionar no Território Nacional.”

O art. 1º da Lei nº 9.012/1995 aponta o seguinte:

“Art. 1º É vedado às instituições de crédito realizar operações de financiamento ou conceder dispensa de juros, de multa ou de correção monetária ou qualquer outro benefício, com lastro em recursos públicos ou oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a pessoas jurídicas em débito com o FGTS. § 1º A comprovação da quitação com o FGTS dar-se-á mediante apresentação de certidão expedida pela Caixa Econômica Federal. § 3º A vedação estabelecida no caput deste artigo não se aplica a operação de crédito destinada a saldar débitos com o FGTS.”  

O art. 20[1] da Lei nº 9.393/1996 (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR) tem o seguinte teor:

“Art. 20. A concessão de incentivos fiscais e de crédito rural, em todas as suas modalidades, bem como a constituição das respectivas contrapartidas ou garantias, ficam condicionadas à comprovação do recolhimento do ITR, relativo ao imóvel rural, correspondente aos últimos cinco exercícios, ressalvados os casos em que a exigibilidade do imposto esteja suspensa, ou em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora. Parágrafo único. É dispensada a comprovação de regularidade do recolhimento do imposto relativo ao imóvel rural, para efeito de concessão de financiamento ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.”

O art. 6º da Lei nº 10.522/2002 (Cadin) estabelece o seguinte:

“Art. 6º É obrigatória a consulta prévia ao Cadin, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para: I – realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos; II – concessão de incentivos fiscais e financeiros; III – celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica: I – à concessão de auxílios a Municípios atingidos por calamidade pública reconhecida pelo Governo Federal; II – às operações destinadas à composição e regularização dos créditos e obrigações objeto de registro no Cadin, sem desembolso de recursos por parte do órgão ou entidade credora; III – às operações relativas ao crédito educativo e ao penhor civil de bens de uso pessoal ou doméstico.”

O afastamento temporário da incidência dos referidos dispositivos legais não prejudicará o disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal. A regra contida no §3º do art. 195 da Constituição Federal, segundo a qual a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social é impedida de contratar com o Poder Público ou dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, continuará sendo aplicada. A incidência da aludida vedação, de acordo com o disposto no §1º do art. 1º da Lei 14.179/2021, será instrumentalizada por sistema eletrônico específico mantido pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

A despeito das mencionadas dispensas, as instituições financeiras privadas e públicas, incluídas as respectivas subsidiárias, conforme se nota do teor do §2º do art. 1º da Lei 14.179/2021, deverão providenciar encaminhamento à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional uma relação completa de todas as operações de crédito realizadas no período que envolvam recursos públicos. Essas relações das operações, que deverão ser encaminhadas a cada três meses para os citados órgãos, deverão ser acompanhadas de informações detalhadas que indiquem, no mínimo, os beneficiários, os valores e os prazos estabelecidos nas negociações.

Destaque-se, ainda, que a Lei nº 14.179/2021 impõe tratamento diferenciado para determinadas pessoas envolvidas nas operações de crédito que compreendam recursos públicos. Em primeiro lugar, ante o teor do art. 2º da Lei, ao menos até o dia 31 de dezembro de 2021, as instituições financeiras devem conferir tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte, enquadradas aos moldes do art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006 e às cooperativas com faturamento anual de até R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). Além da ME e EPP, o Poder Executivo também indicará outros agentes econômicos e entidades integrantes de setores mais atingidos pela pandemia da Covid-19 que deverão receber tratamento favorecido. Acrescente-se que, independentemente do exercício de atividade econômica, as instituições financeiras deverão atribuir tratamento diferenciado a pensionistas e aposentados que participem de operações de crédito, de acordo com os parâmetros a serem regulamentados pelo Poder Executivo.

Finalmente, cumpre destacar que a Lei nº 14.179/2021 também revogou o art. 1.463 do Código Civil, que vedava o penhor de veículos sem prévia contratação de seguro contra furto, avaria, perda e danos contra terceiros, e o inciso III do caput do art. 10 da Lei nº 8.870/1994, que exigia a a apresentação de Certidão Negativa de Débito (CND) nas operações de crédito relativos a recursos captados por meio de caderneta de poupança.

 

 

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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