Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc Empresarial): Recomendação nº 71/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Data:

A Recomendação nº 71/2020[1] do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece regras para a criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc Empresarial), tendo em vista a necessidade de empegar mecanismos mais eficientes para a resolução de conflitos empresariais.[2]

As medidas buscam promover e estimular a superação de conflitos pelo emprego de métodos colaborativos, ou seja, por meios nos quais os próprios interessados ajustam os termos mais convenientes para a superação da controvérsia, sem a necessidade da imposição de uma decisão judicial.

O estabelecimento dessas diretrizes se apoiou na demonstração de resultados extremamente satisfatórios decorrentes de experiências anteriores do Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo (Provimento CGJ nº 11/2020), Paraná (Cejusc de recuperação de empresas na Comarca de Francisco Beltrão), Rio de Janeiro (Ato nº 17/2020), Espírito Santo (Ato Normativo Conjunto nº 22/2020), Rio Grande do Sul (Ato nº 25/2020), entre outros.

O Conselho Nacional de Justiça assinalou, para justificar a concepção da Recomendação, a importância da adoção de instrumentos especificamente adequados à superação de conflitos empresariais.

Realçou-se, ademais, que, diante da importância da figura do colaborador (mediador ou conciliador) que atua na área empresarial, é preciso que se adote uma política remuneratória condizente com a complexidade, repercussão econômica da causa e com o grau de especialização do facilitador, além de se atentar para a estruturação adequada das instalações e para a capacitação dos colaboradores que atuarão nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs).

Vejamos alguns pontos destacáveis da Recomendação nº 71/2020.

Em primeiro lugar, assentou-se que no Cejusc Empresarial os procedimentos podem ser realizados em ambiente físico ou virtual.

Em segundo lugar, previu-se que as mediações e conciliações poderão ser feitas com a participação de pessoas que não estejam necessariamente relacionadas ao conflito originário ou ao processo. Também serão permitidos acordos sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.

Além disso, ficou autorizado que os tribunais estabeleçam parcerias para desenvolver as atividades com apoio de Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação. Essas Câmaras, contudo, precisam estar previamente cadastradas no respectivo tribunal.

A Recomendação estipulou, ademais, que o tribunal, ao implementar o Cejusc Empresarial, deve adotar as seguintes providências com relação aos mediadores: realizar o cadastro de mediadores e conciliadores, bem como de câmaras de mediação e conciliação; providenciar a capacitação específica de conciliadores e mediadores em matéria empresarial; e instituir a remuneração e a forma de pagamento dos conciliadores e mediadores empresariais, de acordo com a organização interna de cada Tribunal.

De outro lado, sobre a eleição do colaborador, ficou consignado que a escolha do profissional que atuará no feito caberá às próprias partes interessadas. Não havendo consenso quanto a esse ponto, contudo, o próprio tribunal poderá indicar mediador já esteja cadastrado no Cejusc ou na Câmara privada correspondente.

De todo modo, sempre for recomendável a participação de mais de um mediador, será possível a atuação conjunta dos profissionais, desde que não haja objeção das partes.

Com relação à representação, foi estabelecido que as partes poderiam ser acompanhadas de advogados ou defensores públicos. Na hipótese em que somente uma das partes esteja acompanhada por advogado, no entanto, é preciso que ocorra a suspensão do feito até que todas estejam devidamente assistidas.

No que se refere às formalidades, a recomendação estabeleceu que a parte interessada em participar dos procedimentos do Cejusc deve preencher um formulário eletrônico que contenha as qualificações completas dos interessados, a descrição resumida dos fatos, dos pedidos e o valor da causa.  Após o recebimento do formulário e da documentação, o servidor responsável providenciará a comunicação aos demais envolvidos no conflito do dia e hora da sessão de conciliação ou mediação. Esse encontro deverá ocorrer no prazo de 10 (dez) dias úteis, preferencialmente por videoconferência.

Vale destacar que a parte interessada poderá, quando preencher o formulário eletrônico, dizer se tem preferência por algum método específico para a solução do conflito. Ou seja, se prefere fazer uma negociação, uma conciliação ou uma mediação. Isso certamente ocorrerá quando a parte interessada já tem conhecimento mais específico sobre essas espécies de métodos autocompositivos. Quando ela não tiver ciência das distinções técnicas dessas modalidades, o próprio Centro poderá auxiliar nessa escolha. Em todo caso, o mais importante, no entanto, não é definir imediatamente a técnica utilizada e sim promover o diálogo e a autocomposição.

Finalmente, ficou estipulado que os procedimentos do Cejusc Empresarial sejam concluídos em até 60 (sessenta) dias, contados da primeira sessão, salvo quando as partes, de comum acordo, solicitarem a prorrogação.

Eis algumas das regras estabelecidas na Recomendação CNJ nº 71/2020.

As medidas ressaltam as notórias contribuições do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o fortalecimento do acesso à justiça a partir da promoção de mecanismos inovadores e eficientes para a resolução consensual de controvérsias.

Informações complementares.

Com a recente reforma da legislação foram estabelecidas novas regras sobre a superação consensual de controvérsias relacionadas à insolvência empresarial.

Sobre o tema em questão cumpre notar que a Lei nº 14.112/2020 adicionou a Seção II-A, à Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Empresarial e Falência).

Os novos dispositivos inseridos na lei cuidam da realização de conciliações e mediações, antecedentes ou incidentais, nos processos de recuperação judicial.

A seção é composta pelos artigos 20-A a 20-D.

O artigo 20-A estabelece o seguinte:

Art. 20-A conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.

A redação do art. 20-B, caput, e §§ 1º a 3º, é a seguinte:

Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente:

I – nas fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, ou credores extraconcursais;

II – em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais;

III – na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais;

IV – na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.

§1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.

§ 2º São vedadas a conciliação e a mediação sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores.

§ 3º Se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, observados os critérios desta Lei, o período de suspensão previsto no § 1º deste artigo será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6º desta Lei.

O art. 20-C tem a seguinte redação:

Art. 20-C. O acordo obtido por meio de conciliação ou de mediação com fundamento nesta Seção deverá ser homologado pelo juiz competente conforme o disposto no art. 3º desta Lei. Parágrafo único. Requerida a recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 (trezentos e sessenta) dias contados do acordo firmado durante o período da conciliação ou de mediação pré-processual, o credor terá reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito dos procedimentos previstos nesta Seção.

Por fim, o texto do art. 20-D é o seguinte:

Art. 20-D. As sessões de conciliação e de mediação de que trata esta Seção poderão ser realizadas por meio virtual, desde que o Cejusc do tribunal competente ou a câmara especializada responsável disponham de meios para a sua realização.

[1] Recomendação tem ligações com as seguintes normas: Resolução CNJ nº 184, de 6 de dezembro de 2013; Resolução CNJ nº 219, 26 de abril de 2016; Resolução CNJ nº 125, de 29 de novembro de 2010; Resolução CNJ nº 271, de 11 de dezembro de 2018; Recomendação CNJ nº 58, de 22 de outubro de 2019; Portaria nº 162, de 19 de dezembro de 2018; Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015; Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015; e Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[2] Este é o sexto de uma série de outros textos que tratam das orientações normativas do Conselho Nacional de Justiça.

 

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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