Qual é o direito societário?

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Câmaras reservadas de direito empresarial e as novas varas empresariais poderão revelar o conteúdo

Os advogados, ao menos os advogados brasileiros, são incapazes de dizer aos seus clientes qual é o direito, de prever qual futuro o direito lhes reserva. A incógnita é trágica àqueles cujas vidas se submetem à mão pesada do Estado. E é embaraçosa para quem vende conhecimento.

A ignorância da conduta certa, sobretudo no ambiente de negócios, acovarda a inerente covardia dos capitais. Quanto maior a dúvida, menor ou mais caro será o investimento.

A doutrina tradicional não tem feito avanços para reverter esse estado de coisas.

Ao descrever o que o direito é, a doutrina exibe insubsistentes interpretações de porções restritíssimas da dogmática. Opiniões sobre o sentido da norma, aqui, divagações sobre o conteúdo de um ou de outro julgado, acolá. E a partir do que pensa ser uma rigorosa descrição do estado do direito sobre dada matéria, o autor se põe a reflexões propositivas, resoluto de que mudará o mundo. Mas a verdade é que isso tudo tem nenhuma utilidade para debelar a crise de certeza sobre qual é o direito.

A teoria da adjudicação de Ronald Dworkin, o mais influente jusfilósofo do direito anglo-americano da segunda metade do século XX, atribui a Hércules, um juiz mítico-ficcional, a capacidade de desvelar o conteúdo objetivo e universal da ética.

Não sei se Dworkin estava certo. Mas estou convicto de que apenas a análise de todo, senão de grande parte, do universo de julgados sobre um determinado assunto será capaz de explicar qual é o direito sobre esse tal assunto.

Não se trata de perquirir o direito objetivo, ou seja, a conduta prescrita pela norma geral e abstrata. Tampouco a norma subjetivada, aplicada ao caso concreto, posta quiçá em uma ou em outra decisão judicial. As normas postas e as decisões isoladas, sobretudo num contexto em que o precedente (salvo raras exceções) não vincula, exibem insondáveis fragmentos do direito como verdadeiramente é.

Refiro-me, portanto, ao que chamo de “direito objetivo aplicado”, que é objeto de uma “doutrina da convergência”. O direito objetivo aplicado revela o conteúdo da norma geral e abstrata, determinado por todas as autoridades jurisdicionais competentes à sua concreção. Essa revelação leva naturalmente à convergência doutrinal sobre o que o direito é. E permite propor e debater modificações que pareçam convenientes.

É certo que autoridades diferentes poderão atribuir conteúdo diferente à mesma norma geral e abstrata. Os vários juízes singulares poderão divergir exponencialmente. Os colegiados, dentro do mesmo Tribunal, também poderão divergir. E ainda os membros do mesmo colegiado poderão discordar.

Daí porque a estatística será essencial à revelação do direito objetivo aplicado. Conhecidos todos os sentidos distintos atribuídos para a mesma norma, então, a estatística revelará a prevalência de uns sentidos em detrimento de outros, as probabilidades de que uma dada conduta seja lícita ou ilícita, segundo o julgamento de cada autoridade jurisdicional (contemplados os dissensos e o efeito dos dissensos no âmbito da mesma autoridade), e, portanto, de que um litigante ganhe ou perca.

O direito empresarial brasileiro vive uma oportunidade única. Poderá conhecer qual é o direito empresarial aplicado (senão todo, boa parte dele), no mais pujante Estado da Federação.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo criou, em 2011, a Câmara Reservada de Direito Empresarial, competente para decidir sobre conflitos societários, crise empresarial (recuperação e falência), propriedade industrial e ainda sobre alguns contratos empresariais. Hoje já são duas as câmaras especializadas. E o sucesso da iniciativa inspirou, no último dia 14 de dezembro, a criação de até três varas empresariais e de conflitos de arbitragem na capital do Estado de São Paulo. Fruto do trabalho de gente e de instituições sérias. Os Desembargadores Manoel Pereira Calças, Fernando Maia da Cunha e Antonio Carlos Malheiros, e o Movimento de Defesa da Advocacia – MDA são exemplos.

Uma pequena amostra desse fenômeno, e de seu grande potencial, está no “Direito Societário Aplicado”, que escrevi com Ruy de Mello Junqueira Neto, e que foi publicado em 2014, pela Editora Saraiva.

Em breve veremos nascer muitos filhotes desse experimento, e com eles a grande oportunidade de mapear todas as decisões em matéria societária proferidas pelas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, mais adiante pelas varas empresariais. Confrontá-las, então, com decisões sobre os mesmos temas, proferidas pela 3ª e 4ª Turmas do STJ. E finalmente dizer à comunidade administrada, que se submete ao escrutínio dessas autoridades jurisdicionais, o que será de suas vidas, provavelmente.

Walfrido Jorge Warde Júnior
Walfrido Jorge Warde Júniorhttp://www.lwmc.com.br
Advogado, sócio do Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados, com atuação em contencioso, arbitragem e consultivo societário e mercado de capitais. Bacharel em direito pela Faculdade de Direito da USP e em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. LLM pela New York University School of Law, Doutor em direito comercial pela Faculdade de Direito da USP, pesquisador-bolsista no Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatsrecht (Hamburgo), nos anos de 2004, 2005, 2007 e 2008. Coautor do Projeto de Lei nº 4.303/12 (Regime Especial das Sociedades Anônimas Simplificadas). Membro do Instituto de Direito Societário Aplicado – IDSA. Membro da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ. Membro do corpo de árbitros da CIESP-FIESP. Membro do Comitê de Regulamentação da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCAP). Autor de diversos livros e artigos.

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