A virtude está no meio

Data:

A crise da infraestrutura consagrará a Mediação no Brasil?

A culpa é minha pelo anticlímax. Perdoem-me os que esperavam sangue, suor e lágrimas neste segundo artigo. Mas me pareceu importante ser razoável, antes de falar sobre as venturas e desventuras do combate. E isso porque todo o mundo sabe que, às vezes, o amor é mais útil do que a guerra.

A Lei 13.140/15, que disciplina a mediação entre particulares e também nos conflitos que envolvem a administração pública, racionalizou, por especialização, sob a figura do mediador e sob um procedimento objetivo, os mecanismos conhecidos de autocomposição. O legislador engendrou um sistema de incentivos, que se alicerça no medo. Medo das incertezas inerentes ao litígio. E da notória incapacidade do Judiciário, e mesmo da Arbitragem, de absorver os crescentes níveis de litigiosidade no país.

O bom sucesso da Mediação e a comprovação de sua utilidade, em especial no contexto de conflitos societários, depende, contudo, de ajustes no seu regramento consensual e do senso de oportunidade dos seus usuários. Depende de um leading case que expresse a capacidade da Mediação de produzir soluções rápidas e justas.

A primeira condição de sucesso é a determinação dos efeitos práticos do descumprimento da cláusula escalonada Med-Arb, ou seja, da cláusula arbitral que prevê a tentativa de mediação antes do início da arbitragem.

Não há consenso sobre as consequências práticas da inobservância da primeira etapa. Há quem diga que o seu descumprimento gera efeitos na instauração da arbitragem (para inculcar uma eficácia processual da cláusula), enquanto outra vertente defende que a inobservância de prévia mediação se resolve em perdas e danos (o que leva a concluir por uma eficácia material da cláusula). Sob a ideia de eficácia processual, o descarte da etapa de mediação implicaria na falta de jurisdição do Tribunal Arbitral, que não poderá ser validamente constituído, até que a tentativa de conciliação mediada ocorra. Se à cláusula escalonada se atribuir, por outro lado, uma eficácia material, então, a falta desse procedimento inicial caracteriza descumprimento contratual, que determina ressarcimento da parte que exige a observância do escalonamento. Mas nesse caso, qual seria o dano? Como determiná-lo? É certo que o desprezo à composição mediada levará a custos inerentes ao litígio, ou seja, as despesas diretas da contenda, mas também aquelas indiretas, incorridas, por exemplo, pela obsolescência ou perdimento de ativos ou direitos em disputa.

O melhor é que, no regramento da cláusula escalonada, as partes se encarreguem dessas questões, ao definir a eficácia vinculante do procedimento prévio de mediação e, além disso, as consequências em caso de sua inobservância subsequente (ao tempo do litígio) por uma das partes.

Estabilizada a natureza vinculante da Mediação contratada e os efeitos adversos de sua inobservância, um outro requisito de afirmação e de difusão dessa técnica de solução de controvérsias será o sucesso, sobretudo em questões encarniçadas, de grande relevância para a comunidade de negócios e para os interesses do país. E a oportunidade é o desatamento do nó de marinheiro que hoje entrava o mercado e o projeto nacional de infraestrutura.

A recém editada Medida Provisória 752, a MP das Concessões, nasce com esse propósito. O mercado de infraestrutura do país, há mais de dois anos, sujeita-se a um terrível imobilismo, resultante das descobertas da Operação Lava Jato. Nada seria mais apropriado do que procurar uma solução para esse problema, que está no coração da galopante derrocada econômico-social do país.

A referida Medida Provisória, que se aplica a concessões, permissões e negócios público-privados, e que se limita, por enquanto, apenas ao setor de transporte e de logística, prevê a utilização de mediação e de arbitragem em duas hipóteses litigiosas: para entregar, a novos agentes privados, ativos de infraestrutura que não foram adequada e tempestivamente desenvolvidos (“relicitação”), e para prorrogar a exploração desses ativos.

É oportunidade de consagrar a Mediação, de exibir resultados concretos na solução rápida de impasses entre Estado e aquelas empreiteiras que não são mais capazes – sob grave crise de crédito – de dar seguimento a milhares de projetos, bem como na abertura do mercado de infraestrutura, com a transferência desses ativos a novos operadores, brasileiros e estrangeiros. A Mediação poderá, em verdade, fazer ainda mais. As “donas” desses projetos de infraestrutura são sociedades de propósito específico, controladas pelas empreiteiras, cuja estrutura de capital é muitas vezes composta por braços de private equity de bancos públicos (a exemplo do BNDESPar e da CAIXAPar) ou por fundos de pensão. A Mediação poderá ser o remédio para desavenças societárias no seio dessas sociedades, cuja solução é requisito prévio à relicitação e à consequente reabertura do mercado de infraestrutura.

Será esse, penso, o rito de passagem do novo marco legal da Mediação no Brasil. Quem viver, verá!

Walfrido Jorge Warde Júnior
Walfrido Jorge Warde Júniorhttp://www.lwmc.com.br
Advogado, sócio do Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados, com atuação em contencioso, arbitragem e consultivo societário e mercado de capitais. Bacharel em direito pela Faculdade de Direito da USP e em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. LLM pela New York University School of Law, Doutor em direito comercial pela Faculdade de Direito da USP, pesquisador-bolsista no Max-Planck Institut für ausländisches und internationales Privatsrecht (Hamburgo), nos anos de 2004, 2005, 2007 e 2008. Coautor do Projeto de Lei nº 4.303/12 (Regime Especial das Sociedades Anônimas Simplificadas). Membro do Instituto de Direito Societário Aplicado – IDSA. Membro da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ. Membro do corpo de árbitros da CIESP-FIESP. Membro do Comitê de Regulamentação da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCAP). Autor de diversos livros e artigos.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Comparação de Processos de Registro de Marcas em Diferentes Países

O registro de marcas é uma prática essencial para a proteção da identidade corporativa e dos direitos de propriedade intelectual. No entanto, o processo de registro de marca pode variar significativamente de um país para outro, dependendo das regulamentações locais e dos sistemas legais. Este artigo compara os processos de registro de marcas em alguns dos principais mercados globais, destacando as semelhanças e diferenças.

Proteja Sua Marca: A Vantagem de Contratar um Advogado Especializado em Registro de Marcas

A proteção da marca é uma etapa crucial para qualquer empresa que deseja garantir sua identidade e se destacar no mercado competitivo. Embora o processo de registro de marca possa parecer simples à primeira vista, ele envolve várias nuances legais e administrativas que podem ser desafiadoras. É aqui que a contratação de um advogado especializado em registro de marcas se torna uma vantagem estratégica. Neste artigo, exploramos os benefícios de contar com um profissional especializado para proteger sua marca.

Os Benefícios do Registro da Marca para Empresas e Startups

Os Benefícios do Registro da Marca para Empresas e...

Benefícios Estratégicos do Registro de Marcas para Startups

No mundo altamente competitivo das startups, onde a inovação e a originalidade são a chave para o sucesso, o registro de marcas se destaca como uma estratégia essencial. Registrar a marca de uma startup não é apenas uma questão de proteção legal, mas também uma alavanca estratégica que pode influenciar diretamente o crescimento e a sustentabilidade do negócio. Neste artigo, exploramos os benefícios estratégicos do registro de marcas para startups e como isso pode contribuir para seu sucesso a longo prazo.