Os Desembargadores do Órgão Especial do TJ do Rio Grande do Sul julgaram inconstitucional legislação do município de Rio Grande (RS), que não permite a utilização de carros particulares cadastrados em aplicativos de celular para transporte remunerado individual de pessoas.
Caso
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) foi proposta pelo Procurador-Geral de Justiça em desfavor da Lei Municipal nº 8.084/2017. Conforme o chefe do Ministério Público do Rio Grande do Sul, “o transporte de pessoas em caráter privado independe de concessão ou permissão e que, embora possível a regulamentação e controle pelo Poder Público do transporte privado individual de passageiros pelo poder de polícia, não poderia a lei restringir o amplo acesso dos interessados no serviço em questão”.
De forma liminar, o relator do caso, Desembargador Gelson Rolim Stocker, suspendeu a vigência da lei municipal no mês de outubro do ano passado, quando do ingresso da ADIN na Justiça gaúcha, até o julgamento do mérito do caso, que já ocorreu no mês passado.
Decisão
No voto do relator, Desembargador Gelson Rolim Stocker, foi destacada que tramita no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº1054110, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, sobre o tema.
Segundo o relator, “o recebimento do recurso extraordinário com repercussão geral não acarreta sobrestamento dos processos envolvendo o mesmo tema de forma automática, necessitando determinação da Corte Superior, o que não ocorreu no caso em comento”.
O magistrado destacou também no mês de março deste ano foi publicada a Lei Federal nº 13.640/2018, que regulamenta o transporte remunerado privado individual de passageiros a nível federal. A lei conferiu aos municípios a competência exclusiva para regulamentar e fiscalizar esse tipo de serviço, porém não de proibir a atividade, tendo em vista que afronta dispositivos da lei federal acima destacada.
“O direito dos munícipes ao direito ao transporte, assim como o livre acesso à iniciativa do trabalho, concorrência e com vistas ao próprio desenvolvimento do Município, deve ponderar, de modo que não há razões jurídicas para impedir o trabalho com utilização de aplicativos em celulares e transporte individual de pessoas, ainda mais na presente atualidade em que vige legislação federal acerca do assunto”, afirmou o relator Gelson Rolim Stocker.
Na decisão, o relator ainda destacou que a legislação em questão vai de encontro a livre concorrência e ao direito de escolha do consumidor.
“A lei atacada, em tese, não atende à Política Nacional das Relações de Consumo, que tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”, destacou o magistrado.
Desta forma, de forma unânime, foi declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal de Rio Grande, nº 8.084/2017. (Com informações do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul)
Processo nº 70075482968 – Acórdão (inteiro teor para download)
EMENTA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL DE RIO GRANDE QUE PROIBE O USO DE CARROS PARTICULARES CADASTRADOS EM APLICATIVOS PARA O TRANSPORTE REMUNERADO INDIVIDUAL DE PESSOAS. DESCABIMENTO DO SOBRESTAMENTO DO PROCESSO ATÉ JULGAMENTO DO RE 1054110. SUPERVENIENCIA DA LEI FEDERAL Nº 13.640/18. PRIMADO DA LIVRE INICIATIVA E ADOÇÃO DO DIREITO AO TRANSPORTE. PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DA LIVRE ESCOLHA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA.
– O recebimento de Recurso Extraordinário (RE 1054110) com repercussão geral não acarreta no sobrestamento dos processos envolvendo o mesmo tema de forma automática, necessitando determinação da Corte Superior, o que não ocorreu no caso em comento.
– Superveniência da Lei Federal 13.640/2018 que alterou legislação anterior, nº 12.578/2012, que trata sobre a Política Nacional de Mobilidade Urbana, conferiu aos Municípios a competência exclusiva para regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros, inclusive, trouxe exigências de algumas obrigações e condições a serem observadas.
– Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa devem ser interpretados, em conjunto com o inciso XIII, do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer .
– O direito dos munícipes ao direito ao transporte, assim como o livre acesso à iniciativa do trabalho, concorrência e com vistas ao próprio desenvolvimento do Município, que está seguindo o exemplo de demais Município do País e também capitais do Mundo, não há razões jurídicas para impedir o trabalho com utilização de aplicativos em celulares e transporte individual de pessoas.
– Constituição Federal da República, que tem como norte a dignidade e a liberdade humana, com adoção ao sistema capitalista como orientador da ordem econômica, incorporando como um dos seus fundamentos o princípio da livre iniciativa.
– Decorre da livre iniciativa o princípio da livre concorrência, que é a garantia do exercício de diferentes atividades desenvolvidas no mercado de trabalho, o que confere eficiência, desenvolvimento, efetividade, inovação, progresso e diversidade, refletindo positivamente na sociedade e no próprio Município.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME.
(Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70075482968, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 23/04/2018)