Uma paciente que teve um dos seus dentes siso extraído de forma equivocada será indenizada em mais de R$ 8.000,00 (oito mil reais) pela clínica odontológica responsável pelo serviço.
O valor, que também será atualizado com juros de mora e correção monetária, cobrirá danos morais sofridos pela paciente com a intervenção equivocada.
Segundo a decisão do juízo da 4ª Vara Cível da comarca de Balneário Camboriú, em Santa Catarina (SC), a clínica odontológica terá ainda que pagar indenização por danos materiais e ressarcir a quantia desembolsada pela paciente nas despesas pelo trabalho malfeito.
Segundo informações constante dos autos, que dias depois de realizar a extração de um dos sisos, a parte autora foi informada sobre o “sucesso” do tratamento. Porém, passados 25 (vinte e cinco) dias, as dores e os inchaços persistiram, mesmo com o uso de medicamentos e demais procedimentos. Transcorridos meses desde a extração e ainda com dores, a paciente procurou por um expert que, de pronto, disse que o procedimento havia sido feito de modo grosseiramente equivocado, ao deixar no interior da mandíbula um fragmento da dentição extraída, o que gerou um quadro infeccioso. Ressaltou, também, que havia uma fratura na mandíbula da parte autora, provavelmente causada pela imperícia dos profissionais responsáveis pela intervenção original.
Segundo o juiz de direito substituto Luiz Octávio David Cavalli, a parte demandada, na qualidade de fornecedora de serviços, responde objetivamente pelos danos causados aos seus clientes/pacientes. Ou melhor, independente de culpa, na forma do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Basta, para tanto, a simples comprovação do prejuízo e do nexo de causalidade entre a ação (comissiva ou omissiva) e o dano.
“Percebe-se que estão satisfeitos os requisitos do dever de indenizar. A obrigação de resultado não foi atingida. Apesar da parte consumidora ter se sujeitado a várias intervenções e atendimentos, o que se deu por meio de diversos profissionais, não houve sucesso em resolver a questão. Ademais, após quase três meses de tratamento, retirou-se um fragmento do dente extraído da mandíbula da autora”, cita o magistrado em sua decisão.
A decisão, prolatada em 23 de janeiro de 2023, é passível de recurso junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC.
Procedimento Comum Cível n. 5018354-61.2022.8.24.0005/SC
(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)
SENTENÇA
ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
4ª Vara Cível da Comarca de Balneário Camboriú
Avenida das Flores, s/n – Bairro: Bairro dos Estados – CEP: 88339-900 – Fone: (47)3261-1871 – Email: [email protected]
Procedimento Comum Cível Nº 5018354-61.2022.8.24.0005/SC
AUTOR: BARBARA GABRIEL ESSIG PAVARINE
RÉU: FELIZMED ODONTOLOGIA E ENSINO LTDA
SENTENÇA
Vistos etc.
I- RELATÓRIO
Trata-se de “ação de indenização por danos materiais e morais” proposta por BÁRBARA GABRIEL ESSIG PAVARINE em desfavor de FELIZMED ODONTOLOGIA E ENSINO LTDA, qualificadas.
Em breve síntese, a parte autora disse que procurou os serviços de profissional odontológico no final do ano de 2020, a fim de que fosse realizada a extração de um dos seus dentes siso. Entretanto, em razão da peculiar condição da parte autora, tal profissional recomendou que ela buscasse um especialista. Pelo o que disse, a parte contrária recomendou os trabalhos da Dra. Alessandra dos Santos, o que motivou a parte demandante a iniciar o tratamento. Na sequência, feita a avaliação, agendou-se a extração do dente para o dia 05-08-2021, desembolsando-se, para isso, o valor de R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais).
Incialmente, o plano da profissional era fazer o “sepultamento da raiz do dente”, para, depois, extrair somente a “coroa”, preservando-se os nervos. Entretanto, sem o consentimento da cliente, a profissional resolveu alterar o plano e realizar a extração total do dente. Dias depois, em 12-08-2021, em nova consulta e avaliação, foi-lhe informado sobre o “sucesso” do tratamento. Porém, mesmo após 25 (vinte e cinco) dias, persistiam dores e inchaços. Fez-se necessário o uso de medicação, bem como a “ciência” do consultório sobre a questão.
A parte demandante disse que retornou à profissional em 31-08-2021, o que motivou a realização de um Raio X, feito em 02-09-2021. No dia 08-09-2021, a dentista disse que tudo estava bem, porém, ainda assim, decidiu reabrir o local da extração, a fim de melhor avaliar, o que aconteceu em 22-09-2021. Novamente, a autora foi informada de que tudo estava normal, como devia ser.
Em meados do mês seguinte, em 14-10-2021, foi-lhe recomendado novo profissional, o Dr. Alessandro, também conveniado. Em sua avaliação, necessário seria o tratamento do canal do dente ao lado daquele que havia sido extraído. Feito isso, no entanto, não sobreveio o efeito esperado, enquanto que, na avaliação da autora, houve a piora do quadro de dor. O dentista, então, receitou medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios, devidamente ministrados.
Ressaltou que 02 (dois) meses transcorreram desde o início do tratamento e que nada foi resolvido. Ainda, disse que consultou dois outros profissionais ligados à parte ré, até que, finalmente, resolveu procurar outro expert.
Esse último, Dr. Fernando, de pronto, disse que a extração havia sido feita de modo grosseiramente equivocada, uma vez que permaneceu no interior da mandibula um fragmento da dentição extraída, situação que gerou um quadro infeccioso. Destacou ele, ainda, que havia uma fratura na mandibula da parte autora, provavelmente causada pela imperícia dos profissionais vinculados à parte contrária.
Neste cenário, disse que foi necessário um procedimento para extrair o fragmento, além do uso de medicamentos para controlar o quadro infeccioso. Para o procedimento, disse que desembolsou o valor de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais).
Por fim, ressaltou que a própria Dra. Alessandra dos Santos reconheceu sua imperícia nas “entrelinhas” das mensagens de texto trocadas posteriormente.
Diante do exposto, requereu a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, além da aplicação dos dizeres do Código de Defesa do Consumidor e da concessão da gratuidade judiciária.
Juntou documentos (Evento 01).
O juízo determinou a citação (Evento 04).
A parte autora iniciou o recolhimento das custas (Evento 17).
Houve a citação da parte ré (Evento 20).
Não houve apresentação de contestação (Evento 22).
A parte autora se manifestou (Evento 23).
Autos conclusos.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de ação indenizatória proposta por BÁRBARA GABRIEL ESSIG PAVARINE em desfavor de FELIZMED ODONTOLOGIA E ENSINO LTDA, qualificadas, por meio da qual se requer a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais em razão do insucesso de um tratamento odontológico promovido por profissionais conveniados à parte ré.
Julgo a lide antecipadamente, nos termos do artigo 355, I e II, do Código de Processo Civil, porquanto não há necessidade de produção de provas em audiência, sendo suficientes para o deslinde da causa os documentos carreados nos autos, além do advento da revelia.
Ora, apesar de devidamente citada (Evento 20), a demandada deixou decorrer in albis o prazo para apresentar contestação (Evento 22), razão pela qual, além de decretar sua revelia, presumo verdadeiros os fatos narrados na petição inicial, eis que versam acerca de direitos disponíveis.
Importa ressaltar, contudo, que a revelia, por si só, não enseja necessariamente o acolhimento da postulação, mas tão somente a presunção relativa (iuris tantum) de veracidade dos fatos alegados, cabendo à jurisdição aplicar o direito correspondente, ainda que não atenda aos objetivos da demandante.
Acerca do tema, sabe-se que o Superior Tribunal de Justiça orienta que “a revelia enseja a presunção relativa da veracidade dos fatos narrados pelo autor da ação, podendo ser infirmada pelas demais provas dos autos, motivo pelo qual não determina a imediata procedência do pedido” (STJ, EDcl no Ag 1344460 / DF, Maria Isabel Gallotti, 13.08.2013).
Consigno, ainda, que são aplicáveis as disposições constantes no Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a demandante se enquadra no conceito de “destinatário final” dos serviços prestados pela demandada.
Logo, ante tais fundamentos, passo ao julgamento antecipado da lide, com a presunção relativa de veracidade das alegações deduzidas na peça exordial.
É de se destacar que a responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a alguém. A parte ré, na qualidade de fornecedora de serviços, responde objetivamente pelos danos causados aos seus clientes/pacientes, ou seja, independente de culpa, na forma do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, bastando, para isso, a simples comprovação do prejuízo e do nexo de causalidade entre a ação (comissiva ou omissiva) e o dano.
Nota-se que a prestação de serviços consistiu em serviços odontológicos, ligados à extração de um dos dentes siso (Evento 01 – Anexos 08-09).
Colhe-se da doutrina:
Com relação aos cirurgiões-dentistas, embora em alguns casos se possa dizer que a sua obrigação é apenas de meios, na maioria das vezes apresenta-se como obrigação de resultado. Exceto, entretanto, quando a atividade do dentista se aproxima daquela exercida pelo médico, como sói acontecer quando exista uma relação profissional/paciente e não profissional/cliente, ou seja, quando a pessoa contratante é portadora de um mal (doença) cuja cura não seja certa nem esteja ao alcance de quem quer que seja, segundo atual estado da ciência, então a sua obrigação será de meios. Tome-se como exemplo uma doença bucal congênita, uma cirurgia corretiva ou reparadora, mas não apenas estética, a correção do chamado prognatismo ou um tratamento de doença óssea. […] Quando a obrigação do cirurgião-dentista for apenas de meios, de sorte que se propõe a atuar com diligência, cuidado, atenção e melhor técnica, mas sem poder assegurar um resultado específico em razão da natureza da intervenção e da álea que o tratamento ou intervenção sugeria, sua responsabilidade contratual se escora na culpa, mas caberá a quem pretende reparação fazer prova dessa culpa. (Stoco, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, tomo I. 9. Ed. Rev., atual e reformulada com Comentários ao Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 680)
Ainda sobre a responsabilidade civil aplicável à espécie, importante ressaltar o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado Gaúcho:
RESPONSABILIDADE CIVIL ODONTOLÓGICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CULPA PRESUMIDA COM INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE IMPLANTE DENTÁRIO. IMPERÍCIA EVIDENCIADA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS. O tratamento odontológico configura prestação de serviço regulada pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. Em relação aos dentistas, a responsabilidade civil segue a regra dos profissionais liberais, os quais respondem de forma subjetiva pelos danos causados aos consumidores, a teor do art. 14, § 4º, do CDC. Diferentemente dos médicos em geral, os dentistas assumem uma obrigação de resultado, comprometendo-se a proporcionar ao paciente aquilo que ele espera obter a partir do tratamento odontológico. A responsabilidade civil continua sendo subjetiva, mas com culpa presumida. […] (Apelação Cível, Nº 50002440820148210157, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em: 26-10-2021)
Pois bem. Sem mais delongas, percebe-se que estão satisfeitos os requisitos do dever de indenizar. A obrigação de resultado não foi atingida. Apesar da parte consumidora ter se sujeitado a várias intervenções e atendimentos, o que se seu por meio de diversos profissionais, não houve sucesso em resolver a questão. Ademais, em 27-10-2021, após quase três meses de tratamento, retirou-se um fragmento do dente extraído da mandíbula da autora (Evento 01).
Passo à análise dos danos materiais.
A pretensão da parte autora está atrelada aos custos que teve com a contratação dos serviços da parte contrária, medicamentos e ao novo tratamento ao qual teve de se sujeitar em razão da incapacidade da ré de resolver o seu caso.
Uma vez que os documentos apresentados servem à finalidade (Evento 01 – Anexo 26 – Pág. 01), imperiosa a condenação da parte ré ao ressarcimento/pagamento dos valores, observando-se que o montante está sujeito à correção monetária pelos índices do INPC-IBGE e ao acréscimo de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, ambos desde o efetivo desembolso.
Por fim, deve-se conhecer o pedido ligado aos danos morais.
O dano moral compreende lesão atinente aos direitos da personalidade, como honra, dignidade, vida privada, intimidade e imagem (artigo 5.°, V e X, da CRFB/1988), sem que haja, necessariamente, repercussão patrimonial. Nestes termos, portanto, meros dissabores quotidianos não podem ser alçados à categoria de abalo anímico, sob pena de banalização do instituto.
Acerca do tema, leciona Sérgio Cavalieri Filho:
Se o dano moral é a agressão à própria dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições ou angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 98).
No caso concreto, verifica-se que o pedido indenizatório é de ser julgado procedente, não sendo possível entender os fatos como mero dissabor.
Como ficou demonstrado, a parte autora sofreu diversos atendimentos pelos profissionais da parte ré e, apesar disso, não houve sucesso na resolução da questão. Além disso, como já dito, por um quinto expert foi encontrado um fragmento dentário no interior da mandíbula e que gerou um quadro infecioso. As dores e demais dessabores nos meses que transcorreram são, pois, evidentes. Inclusive, a parte autora colacionou registro fotográfico (Evento 01 – Anexo 12), a fim de demonstrar o inchaço de seu rosto, o que não poder ser ignorado.
Logo, sopesando que a indenização por dano moral goza de caráter punitivo-pedagógico, servindo a um só tempo de compensação pela dor sofrida e de desestímulo de novas ações/omissões lesivas a terceiros, deve o montante ser arbitrado segundo as condições econômicas dos causadores do dano; de outro lado, para que sirva unicamente para compensar a dor, não proporcionando injusto enriquecimento dos ofendidos, deve atender ao parâmetro de razoabilidade e atentar também para a condição econômica das vítimas. Por fim, o grau de culpa de cada qual dos envolvidos vale de dosador do quantum indenizatório.
À vista disso e considerando as peculiaridades do caso concreto, arbitro o dano moral em R$ 8.000,00 (oito mil reais), cujo montante está sujeito à correção monetária pelos índices do INPC-IBGE desde a prolação desta sentença (Súmula n. 362 do STJ) e ao acréscimo de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a citação (artigo 405, CC).
III- DISPOSTIVO
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos, o que faço nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para: A) CONDENAR a parte ré ao pagamento dos danos materiais sofridos pela autora (observando-se a tabela anexa ao bojo da exordial – Págs. 14-17), corrigido e acrescido de juros moratórios, nos termos da fundamentação; B) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), corrigido e acrescido de juros moratórios, nos termos da fundamentação; C) CONDENAR a parte ré ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2.º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Documento eletrônico assinado por LUIZ OCTAVIO DAVID CAVALLI, Juiz Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310037899471v23 e do código CRC 7b5b7fa9.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUIZ OCTAVIO DAVID CAVALLI
Data e Hora: 23/1/2023, às 12:15:35
5018354-61.2022.8.24.0005
310037899471 .V23